– Afirma o grupo, que promete não desistir
O grupo de moçambicanos que trabalhou na antiga República Democrática Alemã (RDA) é conhecido como “madgermanes”. Estima-se que cerca de 20 mil cidadãos tenham exercido diversas profissões entre 1979 e 1990 — desde mecânicos e operários fabris a trabalhadores da construção civil. O acordo bilateral entre os dois países previa que parte dos salários fosse retida e enviada para Moçambique, como garantia de reintegração no regresso ao país. Contudo, volvidas mais de três décadas, muitos ainda aguardam pelo pagamento dos cerca de 60% dos rendimentos que, afirmam, foram indevidamente retidos pelo Estado moçambicano.
Texto e imagens: Hélio de Carlos
A designação “madgermanes” resulta da junção das expressões “Made in Germany” e “moçambicano”, reflectindo o orgulho de terem trabalhado naquele país. Porém, para a maioria, o regresso à casa foi marcado pela frustração: a promessa de reintegração económica e social jamais se concretizou. Desde então, o grupo mantém uma luta ininterrupta de 35 anos pelo reconhecimento dos seus direitos, embora as manifestações, outrora massivas, tenham perdido expressão ao longo do tempo.
Constantino Manuel, actual porta-voz e quinto coordenador do movimento, explica que a persistência do grupo deve-se, simplesmente, ao facto de não terem recebido os seus salários. “Ao longo de mais de três décadas, aproximámo-nos várias vezes do Ministério do Trabalho. O Governo afirma que já satisfez as nossas exigências, mas isso não é verdade. O pagamento feito foi parcial e insuficiente”, denuncia, acusando as autoridades de arrogância e má-fé.
Segundo Constantino, em Março deste ano o grupo reuniu-se com o Secretário Permanente do Ministério, que prometeu um encontro futuro com o ministro — o qual, até hoje, não se concretizou. “Já fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, inclusive contactar a Presidência e o PrimeiroMinistro, mas continuamos sem respostas”, lamenta.
O porta-voz vai mais longe nas críticas: “O Governo e a FRELIMO abusam de nós. Na altura em que trabalhámos na RDA, só existia um partido, e é o mesmo que continua no poder. Em 50 anos, Moçambique não avança. Este país se desenvolve apenas na ponta da língua dos dirigentes”, ironiza, comparando o progresso nacional “a uma mandioca, que cresce debaixo da terra e só se vê quando é arrancada”.
Apesar do desalento, Constantino afirma que o grupo mantém contactos com parceiros internacionais e que, em momento oportuno, serão divulgadas novas estratégias para reaver os valores em falta. Sobre uma possível solução governamental, é céptico: “Não vejo saída próxima. Os problemas deste país acumulam-se há 50 anos. Se tivessem sido resolvidos de forma gradual, hoje estaríamos a discutir outras coisas”.
O dirigente acusa ainda o Estado de marginalizar o movimento. “Nunca nos deram o devido respeito. Continuamos nessa luta por força divina. Muitos dos nossos colegas foram mortos, mas não desistimos.”
Izé Salvador Cossa, escrivão e membro do grupo, recorda que recentemente receberam jornalistas alemães interessados em compreender a situação social dos madgermanes. “Da última vez que fomos ao Ministério do Trabalho, disseram-nos que o assunto estava encerrado e que nada mais fariam connosco”, lamenta.
Ainda assim, com a entrada do novo Governo, o grupo alimenta alguma esperança. “Estamos a tentar reabrir o diálogo. Já houve uma aproximação e talvez, nos próximos dias, possamos sentar-nos à mesa. Desde 2012 que as portas estavam fechadas”, explica Cossa, acrescentando que o caso foi submetido ao Tribunal Administrativo, mas até hoje sem resposta.
O escrivão apela ao Executivo para que encare o problema com seriedade. “Se resolverem a nossa questão, todos saem a ganhar. O Governo existe para solucionar os problemas do povo, não para perpetuálos.”
Exposição resgata a memória dos moçambicanos na antiga RDA
A história dos cerca de 20 mil moçambicanos que viveram e trabalharam na antiga República Democrática Alemã entre 1979 e 1990 vai além do conflito prolongado com o seu Governo. Recentemente, o Centro Cultural Moçambicano-Alemão (CCMA), em Maputo, inaugurou a exposição “Veja a Minha História – Copyright by Madgermanes”, que recupera este capítulo pouco explorado da história comum entre Moçambique e a Alemanha, dando voz aos protagonistas esquecidos.
Com curadoria da alemã Sabine Felber, o projecto cruza arte, história e tecnologia, combinando narrativas digitais e auto-retratos colaborativos para reconstruir fragmentos de memória colectiva. “A exposição constrói pontes entre países e gerações, e lembra-nos da importância de honrar a história reprimida antes que ela seja esquecida”, sublinhou Felber na abertura.
O programa de trabalhadores contratados na RDA foi um dos maiores movimentos laborais do período socialista no eixo Sul–Leste europeu. Para muitos jovens moçambicanos, representou a promessa de um futuro melhor — promessa que se transformou em frustração após o regresso e o esquecimento.
A amostra reúne seis narrativas digitais e doze auto-retratos colaborativos, produzidos em oficinas realizadas em Setembro, que envolveram antigos trabalhadores e jovens artistas moçambicanos. O objectivo, segundo a curadora, é “devolver a autoria das histórias aos seus verdadeiros donos”.
Mais do que um registo documental, “Veja a Minha História” é um exercício de reconstrução da memória histórica e intercultural, num momento em que as relações entre África e Europa procuram novos caminhos de diálogo, baseados na equidade, na escuta e na reparação simbólica.
A exposição transforma a dor e o silêncio em arte e memória viva — uma ponte entre gerações e geografias que reafirma o poder da arte como instrumento de identidade, reconciliação e esperança no futuro.




