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ALERTA NELSON CAPAINA: Importações de arroz ameaçam produção local no Delta do Zambeze

Um estudo recente, elaborado por Nelson Capaina e publicado na série Observador Rural (edição nº 159) do Observatório do Meio Rural (OMR) alerta para as profundas consequências económicas e sociais da crescente importação de arroz sobre a produção local no Delta do Zambeze, uma das regiões com maior tradição orizícola de Moçambique.

Texto: Amad Canda

O documento, intitulado “Implicações da Importação de Arroz na Produção Orizícola no Delta do Zambeze”, analisa o impacto directo que a entrada massiva de arroz estrangeiro tem exercido sobre os pequenos produtores, as suas famílias e a sustentabilidade da economia rural. Segundo o autor, a liberalização comercial e a falta de medidas de protecção ao produtor nacional tornaram o País excessivamente dependente do arroz importado, o que tem conduzido a uma estagnação e, em alguns casos, ao declínio da produção interna.

Capaina recorda que Moçambique importa anualmente centenas de milhares de toneladas de arroz, sobretudo da Índia, China, Tailândia e Paquistão, países que dispõem de elevada produtividade e exportam o cereal a preços mais baixos do que aqueles praticados pelos produtores nacionais.

Essa disparidade de preços, explica o investigador, criou uma situação de concorrência desigual que inviabiliza a comercialização do arroz moçambicano, empurrando muitos agricultores a reduzir as áreas de cultivo ou a abandonar a actividade

Arroz nacional é, cada vez mais, apenas para o consumo

Os dados recolhidos no terreno, junto de produtores dos distritos de Chinde, Luabo e Inhassunge, mostram que a maioria cultiva arroz apenas para o consumo familiar, sendo reduzido o número dos que produzem com finalidade comercial. O estudo sublinha que 41% dos inquiridos reduziram as suas áreas de cultivo nos últimos anos, sobretudo devido ao aumento dos custos de produção, à falta de incentivos e à fraca procura pelo arroz local, que é frequentemente preterido pelo produto importado mais barato.

A pesquisa revela ainda que a dependência externa está a provocar efeitos multiplicadores negativos: diminuição do rendimento dos camponeses, perda de mão-de-obra jovem na agricultura, enfraquecimento das cooperativas locais e acentuação da pobreza rural. Com menos lucros e menor capacidade de investimento, os produtores deixam de poder adquirir sementes melhoradas, fertilizantes ou equipamentos, perpetuando um ciclo de baixa produtividade.

Outro aspecto salientado por Capaina é a ausência de infraestruturas adequadas para apoiar a cadeia de produção local. Muitos regadios encontram-se degradados ou subutilizados, e as poucas fábricas de descasque existentes – como as de Nicoadala e Namacurra – funcionam abaixo da capacidade, ora por má gestão, ora pela escassez de matéria-prima. Sem estruturas de processamento e armazenamento, o arroz produzido localmente perde qualidade e valor de mercado.

Políticas públicas mal implementadas

O estudo destaca igualmente que as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do sector agrícola, embora bem formuladas, não têm sido implementadas com eficácia. Programas como o Projecto de Desenvolvimento de Irrigação Sustentável (ProIRRI) e o Projecto de Aumento da Produtividade do Arroz (ProAPA), financiados com apoio internacional, apresentaram resultados limitados devido à fraca coordenação institucional e à descontinuidade das acções.

A escassa assistência técnica, a má gestão dos fundos e a falta de acompanhamento aos produtores têm contribuído para o fracasso das tentativas de revitalizar a orizicultura local. Do ponto de vista social, as consequências são visíveis: muitas famílias do delta dependem cada vez mais da compra de arroz importado, enquanto as suas próprias machambas produzem apenas o suficiente para consumo interno.

A redução da produção comercial significa menos circulação de rendimentos nas comunidades e menor capacidade de sustento. Em Inhassunge e Chinde, o fenómeno tem levado muitos homens a abandonar a agricultura e a procurar emprego informal nas cidades, sobretudo em actividades de transporte, agravando o despovoamento rural e a feminização da agricultura.

Marcha atrás…

Capaina observa que esta dependência das importações contraria os objectivos definidos pelo Programa Nacional para o Desenvolvimento do Arroz (PNDA 2016–2027), que prevê o aumento da produtividade nacional e a redução das compras externas. Pelo contrário, o País continua a gastar avultadas somas em divisas para importar arroz, sem ganhos estruturais para o sector agrícola interno.

O autor sublinha que, para inverter o quadro, seria necessário adoptar políticas públicas de protecção selectiva, capazes de equilibrar o mercado e de criar condições de competitividade para o produtor nacional. Entre as medidas sugeridas no estudo constam o incentivo à produção local através de subsídios aos insumos, a reabilitação dos regadios do delta e o fortalecimento das cooperativas de agricultores, garantindo-lhes acesso a crédito e mercados.

Apesar das dificuldades, o trabalho evidencia que a região do delta do Zambeze continua a possuir enorme potencial agrícola, com solos férteis e disponibilidade de água que permitiriam duas campanhas por ano. No entanto, sem políticas consistentes que controlem o fluxo das importações e estimulem a produção interna, Moçambique permanecerá refém do arroz estrangeiro, sacrificando a sua segurança alimentar e a vitalidade económica das comunidades rurais.

No fecho do estudo, Capaina adverte que “as importações, embora assegurem o consumo urbano imediato, estão a comprometer o futuro da produção camponesa e a minar as bases do desenvolvimento agrário no país”. E conclui que o desafio não está apenas em produzir mais, mas sobretudo em produzir com autonomia, garantindo que o arroz moçambicano volte a ocupar o seu lugar nas mesas e nos mercados do País.

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