Numa tentativa de defender a governadora da província de Manica, Francisca Tomás, cujos filhos são acusados de exploração mineira ilegal naquela região, o antigo secretário-geral da Frelimo, Filipe Paunde, defendeu a necessidade de não se confundir a figura de governadora com a de Francisca Tomás como mãe. No entanto, as declarações de Paunde ignoram uma prática enraizada na Frelimo, onde os filhos dos altos dirigentes, e não só, herdam quase que automaticamente os privilégios dos seus progenitores.
Texto: Dossiers & Factos
A imprensa nacional denunciou, nos últimos dias, alegadas actividades de exploração mineira levadas a cabo pelos filhos da governadora de Manica, Francisca Tomás, apesar da suspensão decretada pelo Governo devido aos elevados níveis de poluição ambiental registados naquela província do centro do País.
Na quinta-feira, 20 de Novembro, o antigo secretário-geral da Frelimo e actual membro da Comissão Política, Filipe Paunde, foi confrontado, em Nampula, por jornalistas que acompanhavam actividades políticas do partido, para reagir às denúncias. A resposta de Paunde procurou estabelecer uma separação rígida entre a titular da função pública e a cidadã Francisca Tomás.
“A governadora não tem filhos. Quem tem filhos é uma cidadã chamada Francisca. Nós fazemos muita confusão. O governador não tem filhos. Governador é uma função, e ter filhos é uma questão social. Não misturemos as coisas. Quando alguém é ministro, os filhos não são do ministro, são dele. Agora, ministro é função. Os filhos do governador podem trabalhar, podem ser empresários, isto não está proibido. O que está proibido é contrariar as normas”, afirmou.
Contudo, a argumentação de Paunde colide com práticas recorrentes no seio da própria Frelimo, onde, quando se trata de benefícios, os filhos raramente são separados dos pais. Um dos exemplos mais evidentes é o estatuto de “antigo combatente”. Naquela formação política, filhos de antigos combatentes, incluindo os que nasceram depois da Luta de Libertação Nacional, são igualmente considerados “antigos combatentes”, integrando a Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLIN), um dos órgãos sociais mais influentes do partido e cuja condição confere prestígio e privilégios significativos na sociedade moçambicana.
Prova disso é que, em 2022, a então ministra da Administração Estatal e Função Pública, Ana Comoana, chegou a instruir a secretaria de Estado em Inhambane a privilegiar filhos de antigos combatentes num concurso público para o recrutamento de quadros para o aparelho do Estado, facto que gerou polémica e acusações de favorecimento.
Casos como estes ilustram a forma como, na prática, descendentes de dirigentes beneficiam de protecção, tratamentos preferenciais e, por vezes, até de passaportes diplomáticos em razão do sangue que carregam. Neste contexto, declarações como as de Filipe Paunde acabam por ser vistas pela opinião pública como contraditórias.
“Se nos benefícios os filhos não são separados dos progenitores, que não o sejam quando há prejuízos”, comentam vários observadores, sublinhando que a coerência institucional exige que responsabilidades e vantagens sejam tratadas com o mesmo critério.




