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DO DISURSO À (IN)ACÇÃO: Chapo deixa arrefecer “batatas quentes”

O mandato de Daniel Chapo como Presidente da República está a menos de dois meses de completar um ano. A 15 de Janeiro de 2025, aquando da sua investidura na Praça da Independência, o quinto Presidente da história de Moçambique proferiu um discurso de ruptura e que, aparentemente, renovou esperança em parte significativa da população moçambicana. Contudo, e volvidos 10 meses e meio depois dessas promessas, há quem comece a questionar a lentidão na sua concretização.

Texto: Dossiers & Factos

O Diálogo Nacional Inclusivo, a criação do Fundo de Desenvolvimento Económico Local (FDEL) e do Banco de Desenvolvimento (encontra-se em fase de auscultação) são algumas das promessas feitas por Daniel Chapo em sede de investidura que saíram do papel, facto que tem merecido “hossanas” no seio do partido Frelimo e o reconhecimento da sociedade.

No entanto, a mesma sociedade, de que o partido governamental também faz falta, mostra-se preocupada com a aparente demora na concretização de alguns projectos considerados estruturantes, “vendidos” aos moçambicanos durante o período de campanha eleitoral e na própria cerimónia de investidura.

Um dos mais destacados é a renegociação dos contratos com as multinacionais que exploram valiosíssimos recursos em Moçambique, sem que isso resulte na mudança do nível de vida dos cidadãos que habitam nas zonas onde a exploração ocorre. Neste capítulo, poucos avanços são conhecidos, apontandose o caso da Kenmare como a única vitória que o actual Governo pode apresentar neste primeiro ano do mandato.

Ainda assim, faz-se uma ressalva importante – o contrato de concessão da Kenmare para a exploração de areias pesadas em Larde, na província de Nampula, expirou em finais de 2024, tendo sido extendido este ano sob novos termos negociados com o Governo de Chapo. Em outras palavras, não houve renegociação, dado que o acordo não mais estava em vigor, mas sim uma nova negociação.

Paradoxalmente, o único caso de renegociação publicamente conhecido até poderá ser prejudicial ao País, e diz respeito ao projecto Mozambique LNG, na Área 1 da Bacia do Rovuma. Após quatro anos de paragem, o líder do consórcio – TotalEnergies – levantou a cláusula de “força maior”, mas propôs ao Governo uma prorrogação de 10 anos na concessão do campo Golfinho-Atum, alegadamente como forma de compensar os prejuízos causados pela paragem, estimados em USD 4,5 mil milhões.

Refira-se que uma das questões candentes em relação aos megaprojectos tem que ver com a concessão de benefícios fiscais bastante generosos, em prejuízo da Nação, que arrecada valores incipientes quando comparados aos que devia arrecadar. De resto, um estudo do Centro de Integridade Pública (CIP) revela que, de 2016 a 2022, o Governo abdicou de arrecadar cerca de 150,6 mil milhões de meticais devido a benefícios fiscais que concedeu aos megaprojectos, dinheiro que, nas contas da agremiação, seria suficiente para cobrir 69,4% da despesa pública, até porque, na mesma altura, o Executivo mobilizou cerca de 216,9 mil milhões de meticais em bilhetes e obrigações de tesouro, para fechar o défice fiscal.

Máquina pública continua pesada

O discurso inaugural de Chapo foi várias vezes interrompido por aplausos e os trechos mais aplaudidos foram aqueles em que o Presidente se debruçou sobre a necessidade de redução do peso da máquina pública no orçamento. Chapo prometeu acabar com as Secretarias de Estado equiparados aos ministérios, e cumpriu.

Igualmente, honrando as suas palavras, eliminou a figura de vice-ministro, mas acabou por criar, em sua substituição, a figura de secretário de Estado nos ministérios, o que, na perspectiva das franjas mais críticas da sociedade, foi apenas uma troca de nomes, sem o impacto que seria desejável ao nível da contenção de gastos.

Ao nível das províncias, Daniel Chapo não prometeu eliminar a figura de secretário de Estado, mas garantiu que “ os Secretários de Estado na Província concentrarse-ão apenas em funções de supervisão, monitoria e avaliação das tarefas do Estado e do Governo Central, na 9 província, enquanto as tarefas executivas ficarão com o Conselho Executivo Provincial, liderado pelo Governador de Província, tal como está previsto na Constituição da República de Moçambique…”.

Sucede, porém, que os secretários de Estado na província e os governadores continuam a reger-se pelos Decretos n.ºs 63 e 64/2020, de 7 de Agosto, os mesmos instrumentos que colocam ambos os dirigentes em situação de “conflito”, por conceder a ambos poderes executivos.

Neste capítulo, Chapo já orientou o Ministério da Administração Estatal e Função Pública a rever os dois instrumentos, um processo cujo desfecho é publicamente desconhecido. Enquanto isso, o clima de animosidade vivido entre 2019 e 2024, no primeiro ciclo de governação descentralizada provincial, prevalece, como se viu há poucas semanas na província de Nampula.

Combate à corrupção: mais palavras que acção

Outro campo sensível e que tem merecido redobrado escrutínio por parte da sociedade é do combate à corrupção, descrito por Chapo, na cerimónia de investidura, como “doença que tem corroído o tecido do Estado”.

Neste domínio o estadista moçambicano prometeu mão-dura, garantindo não haver espaço, no seu Governo e no País, para quem coloca os seus interesses acima do povo. Na prática, porém, Chapo e o seu Executivo são acusados de falta de coragem de enfrentar verdadeiramente os corruptos, limitando-se a emitir avisos inconsequentes.

Um dos exemplos mais frescos dessa postura teve lugar na última semana, no Conselho Coordenador do Ministério do Interior, em Maputo, quando o Presidente denunciou esquemas de corrupção na Polícia da República de Moçambique. “O xitique de corripção também é praticado na Polícia de Fronteira, em que, por exemplo, no Posto de Ressano Garcia rondam valores enormes para que o polícia seja destacado. Isto tem que acabar. O nosso povo refere que quem não bate a mesa dos comandantes é colocado nos postos de Fronteira como em Chicualacuala. Isto é absurdo, meus senhores, e se continuar, algumas cabeças vão rolar”, advertiu.

Ainda no contexto do combate à corrupção, algumas franjas da sociedade consideram que o Governo está a demorar com o processo de criação da Central de Aquisições do Estado, que segundo Chapo terá a missão de planear, coordenar, supervisionar e fiscalizar os processos de aquisição. Em sentido contrário, o Governo está a dar passos rumo a criação da Inspecção-Geral do Estado, tendo já sido realizadas algumas sessões de auscultação pública.

Saúde e Educação na mesma

No que diz respeito à economia social, Daniel Chapo demonstrou estar ciente dos graves problemas que acometem os sectores da Saúde e Educação. Relativamente ao primeiro, prometeu “reestruturar o sistema, investir nos profissionais e devolver a dignidade ao atendimento público”. 10 Meses depois, os hospitais continuam com as mesmas dificuldades, nomeadamente falta ou insuficiência de medicamentos, equipamentos de trabalho adequado e profissionais descontentes por conta das alegadas injustiças salariais de que tem sido alvo.

Ao nível das escolas públicas, o cenário não é diferente. O descontentamento é generalizado, sendo suscitado pela falta de condições condignas de ensino e aprendizagem, e também pelos prolongados atrasos no pagamento das horas-extraordinárias.

Ao nível da sociedade, e a avaliar pelas sensibilidades colhidas pelo Dossiers & Factos, há uma noção de que os problemas que afectam Moçambique são estruturais e não se resolvem “do dia para noite”, mas também a ideia de que urge emitir sinais de vontade de resolver questões urgentes, como os apontados neste texto

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