– Advogado Hilófero da Conceição explica possível racional por detrás da ideia da PGR
O congelamento das contas bancárias das vítimas de rapto, das suas empresas e de familiares próximos pode ser uma medida radical, mas necessária, para travar o financiamento do crime organizado e até do terrorismo em Moçambique. A posição é do advogado Hilófero da Conceição, reagindo à proposta recentemente apresentada pelo procurador-geral da República, Américo Letela, durante a sua Informação Anual à Assembleia da República.
Texto: Amad Canda
Ao apresentar os dados sobre a criminalidade em 2024, Letela destacou que, apesar da redução em 46,7% dos casos de rapto – de 60 para 32 processos instaurados – o fenómeno continua a representar um grande desafio, sobretudo na província de Maputo. A dificuldade na identificação dos mandantes, muitos dos quais a operarem a partir do estrangeiro, mantém este tipo de crime entre os mais preocupantes para o Ministério Público.
Face a esse cenário, o procurador-geral sugeriu o congelamento das contas das vítimas e de seus familiares como forma de impedir o pagamento de resgates, desencorajar os criminosos e quebrar o ciclo económico que sustenta os raptos. Para Hilófero da Conceição, a proposta pode ser polémica, mas está ancorada numa lógica de combate mais amplo ao crime organizado.
“Tendo em conta que o crime de rapto já se arrasta há muito tempo, as medidas a tomar devem ser variadas. E quando um crime atinge este nível de sofisticação e articulação, não será fácil enfrentá-lo com os modelos tradicionais de investigação”, observa o jurista, sublinhando que o Estado deve ponderar acções mais incisivas, mesmo que à primeira vista pareçam radicais.
Na perspectiva de Hilófero da Conceição, os raptos podem estar ligados a outras actividades ilícitas, como o branqueamento de capitais ou o financiamento ao terrorismo. “O Estado pode ter-se apercebido de que o rapto não é apenas um fim em si, mas um meio para alimentar outras indústrias criminosas. Ao congelar as contas bancárias dos visados logo que ocorre o rapto, o objectivo poderá ser o de impedir a circulação de fundos que sustentam essas redes.”
Para o advogado, este tipo de medida pode revelarse eficaz a médio prazo, tanto no desincentivo à prática como na contenção de falsas vítimas. “O crime de rapto é financeiramente dispendioso. Envolve logística complexa – desde o estudo da rotina da vítima à movimentação de viaturas e vigilância. Se os criminosos perceberem que os resgates não serão pagos por bloqueio das contas, o investimento deixa de compensar. E isso poderá travar a cadeia.”
A fonte acrescenta ainda que há, por vezes, sequestros simulados, com o intuito de movimentar dinheiro de forma camuflada. “Nestes casos, o congelamento também teria impacto directo. Permitiria perceber se se trata de um crime real ou de uma operação fraudulenta para alimentar outras redes criminosas.”
O jurista considera também que a medida pode desencorajar os “informadores internos” – indivíduos próximos das vítimas que, ao saberem da sua situação financeira, partilham esses dados com os raptores, em troca de compensações. “Se essas pessoas perceberem que, mesmo que a vítima seja raptada, o dinheiro não será acessível, deixarão de colaborar. E sem esses cúmplices, os operacionais perdem a base de acção.”
Apesar das implicações éticas e legais que uma medida deste tipo poderá levantar, o advogado considera que o Estado tem o dever de agir para proteger os cidadãos. “Em algum momento, as decisões de um Estado podem parecer insensíveis. Mas se a análise por detrás desta proposta tiver em conta estas duas dimensões – o financiamento de redes criminosas e a simulação de raptos para branqueamento de capitais – então é uma medida bem pensada.”
A proposta do procurador-geral ainda não foi formalizada como política pública, mas já desperta debate sobre os limites da acção do Estado na prevenção do crime e na protecção dos direitos fundamentais.