Na cidade de Xai-Xai, província de Gaza, um exército silencioso de adolescentes e jovens perdese nas vielas poeirentas, entre ruínas familiares e vidas destroçadas. A principal causa? Nyaupe — uma droga devastadora, altamente viciante, com origem na vizinha África do Sul. É uma mistura perversa de heroína, medicamentos para o HIV, veneno para ratos e outros ingredientes tóxicos. Fumase com canábis ou injecta-se directamente nas veias. A Nyaupe não mata de imediato, mas consome a alma aos poucos.
Texto: Maidone Capamba
Adilson, 21 anos, começou a consumir canábis sativa — conhecida localmente por soruma — em 2013. Com o tempo, a curiosidade e a pressão dos pares empurraram-no para a Nyaupe. Hoje, é apenas a sombra do adolescente que outrora sonhava ser electricista. “Quando fumo aquela droga, não posso comer nada. Nem água consigo pôr na boca”, confessa. Mas o mais inquietante é o que diz a seguir: “Quando estou chapado, sinto coragem para sair à rua e trabalhar.”
O “trabalho” de Adilson resume-se a vasculhar os contentores de lixo em busca de ferro-velho e materiais recicláveis, que vende para alimentar o vício. Fugiu de uma instituição de caridade no bairro Patrice Lumumba onde tentava recuperar-se. Desde então, vive nas ruas, onde se tornou perito em pequenos furtos. “Se não tiver dinheiro, a mana Custódia não me dá a dose”, lamenta, referindo-se à mulher que alegadamente abastece muitos dos jovens da cidade.
Confissões do submundo
Junto a ele, encontramos Nelson, 19 anos. Magro, inquieto e com as mãos trémulas, aceita falar connosco. “A vida está lixada por causa da droga. Entrei nisso por causa dos amigos”, diz. Depois, lança acusações graves contra uma mulher amplamente conhecida no bairro Cinco, alegando que é ela quem fornece a droga. “Ela está a matar-nos. E porquê que ela nunca é presa?”, pergunta-se. Nelson conta que dois amigos seus — Matricol e Shelton Macuche — estão detidos, supostamente por posse de seringas. “Mas as seringas eram do filho dela, que se injecta lá dentro de casa. Ela foi apanhada com dinheiro e seringas, e mesmo assim foi solta. Porquê?”, questiona, num misto de revolta e resignação.
Nyaupe como moeda de troca
Tal como Adilson, Nelson também admite roubar para sustentar o vício. Mas a Nyaupe, segundo revela, nem sempre é comprada com dinheiro. Pode ser trocada por qualquer coisa — desde peças electrónicas a óleo alimentar. A droga alimenta um mercado clandestino, onde tudo tem preço, excepto a dignidade.
Focos identificados, acções adiadas
Apesar dos relatos alarmantes, as autoridades locais minimizam o impacto das drogas pesadas. “A nossa preocupação agora não é com a canábis ou com a heroína”, declarou Enoce Mariquel, director do Gabinete Provincial de Prevenção e Combate à Droga, à margem de uma conferência. Segundo o responsável, no primeiro trimestre deste ano, foram apreendidos apenas 1 kg de canábis, contra os 3,2 kg registados no mesmo período do ano anterior.
Contudo, o mesmo dirigente admite que há tráfico de substâncias como heroína, cocaína e Nyaupe, e que os responsáveis por estas redes estão identificados — especialmente na cidade de Xai-Xai. Mariquel garante que decorre um plano conjunto com a Polícia da República de Moçambique (PRM) e com o gabinete da esposa do Secretário de Estado, Maria Faustina Neto, funcionária sénior no combate às drogas. “Os focos são conhecidos e estão sob vigilância. A redução do consumo será visível a curto prazo”, assegura.
A promessa de desmantelamento
A esposa do Secretário de Estado, por sua vez, afirma que já foram identificadas várias “bocas de fumo” e que existe um esforço para desmantelar esses locais, ao mesmo tempo que se procura criar espaços de diálogo com os jovens. “É possível desmantelar essas redes, mas depende de um trabalho sério e contínuo”, refere, sem revelar a província de onde vem, usada por ela como exemplo de sucesso no combate às drogas.
Silêncio cúmplice ou impotência?
Mas o discurso oficial entra em choque com a atitude evasiva das forças policiais. Em entrevista à STV, o porta-voz da PRM em Gaza, Júlio Nhamussua, mostrou-se lacónico ao ser confrontado com as denúncias. Em vez de apresentar um plano de acção, desafiou o jornalista a indicar os locais exactos onde a droga é vendida, como se as forças da ordem não tivessem essa informação já há muito.
A reacção levanta sérias dúvidas sobre a eficácia do alegado plano conjunto e alimenta as suspeitas dos próprios consumidores, que acusam alguns agentes de serem cúmplices do tráfico, mediante subornos.
Esperança na ruína
Apesar do cenário sombrio, os jovens entrevistados ainda acalentam uma réstia de esperança. Para eles, a saída está no fim das bocas de fumo. “Se destruírem as casas onde se vende a droga, muitos de nós paramos”, diz Nelson. Adilson concorda. “Eu quero parar, mas enquanto aquilo estiver lá, é difícil.”
A Nyaupe não é apenas uma droga. É um sintoma brutal de uma juventude abandonada, onde cada tragada leva mais um sonho, cada picada desmancha mais uma família. E enquanto o veneno se espalha, o silêncio e a inércia das autoridades continuam a empurrar uma geração inteira para o abismo.