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DEPOIS GUEBUZA E NYUSI: Kenmare tenta ludibriar Chapo

A multinacional Kenmare Resources PCL parece querer repetir a mesma fórmula que usou com os anteriores Chefes de Estado moçambicanos, nomeadamente prometer desenvolvimento e prosperidade nacional, sem que os compromissos assumidos se traduzam em benefícios palpáveis para o País. A recente audiência concedida pelo Presidente da República, Daniel Chapo, ao novo Director-Executivo da mineradora irlandesa, Tom Hickey, reacendeu o debate sobre a real contribuição da empresa para Moçambique.

Texto: Maximiano da Luz

Com presença em Moçambique desde finais da década de 1980 e operando formalmente desde 2007 na exploração de areias pesadas em Topuito, distrito de Larde, província de Nampula, a Kenmare tem sido alvo de críticas recorrentes pela sua fraca integração na economia local e pelo reduzido impacto social das suas actividades. Ao longo dos últimos Governos, a empresa alimentou grandes expectativas de desenvolvimento — desde a construção de infra-estruturas à geração de empregos e receitas fiscais — que, na prática, ficaram muito aquém do prometido.

Especialistas em mega-projectos sustentam que, com a sua dimensão e rentabilidade, a Kenmare já devia ter construído pelo menos três cidadelas nos distritos vizinhos ao seu projecto, contribuído significativamente para os sectores da saúde, educação e redes viárias e gerado um impacto positivo real nas comunidades locais.

Histórico de injustiça fiscal

O histórico da empresa em matéria de justiça fiscal também tem sido amplamente questionado. Em plena fase de instalação, a multinacional negociou com o Estado moçambicano um conjunto de incentivos fiscais considerados exageradamente favoráveis. Estes incluíram isenção total de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRPC) para uma parte do grupo, redução para metade da taxa desse imposto durante os primeiros 10 anos para outra parte, isenção de IVA em várias aquisições, bem como a não cobrança de impostos sobre exportações e importações.

Esses benefícios resultaram em retornos marginais para o Estado. Em 2011, por exemplo, mesmo com os preços da ilmenite a quadruplicarem, os impostos pagos pela empresa aumentaram apenas 7,4%. Um relatório da própria Kenmare, publicado em Dezembro de 2013, indicava que a taxa legal de imposto sobre sociedades era de 32%, mas que a empresa beneficiava de uma redução para 17,5% nos primeiros 10 anos. A partir de 2017, deveria passar a pagar 35%, embora se desconheça se isso está efectivamente a ser cumprido, dado o secretismo com que estas matérias têm sido tratadas no País.

Em 2024, a mineradora registou um lucro de 20,9 milhões de dólares em Moçambique — uma quebra de 50% face a 2023 — atribuída à queda dos preços dos minerais. Ainda assim, continua a beneficiar da amortização de prejuízos anteriores contra os impostos actuais, uma prática comum no mundo empresarial, mas que contribui para atrasar a entrada de receitas reais no erário público.

Actualmente, a Kenmare emprega menos de 1.000 pessoas em Moçambique, sendo 85% moçambicanos. Contudo, a maioria não provém de Topuito nem da província de Nampula, região onde a empresa opera. As acções de responsabilidade social empresarial têm sido tímidas, e as intervenções em infra-estruturas locais — como o fornecimento de electricidade e água — não reflectem a envergadura económica do projecto. Basta lembrar que as reservas exploradas pela empresa estão avaliadas em cerca de USD 125 mil milhões, havendo indicação de que o valor poderá crescer, dada a crescente procura internacional dos seus produtos, nomeadamente titânio e ilmenite, essenciais para a indústria aeronáutica.

Um novo líder com cantigas antigas

É neste contexto de desconfiança que Tom Hickey, CEO da Kenmare desde Agosto de 2024, visitou na sexta-feira (13 de Junho) o Presidente da República, Daniel Chapo. Após o encontro, Hickey manifestou-se optimista quanto ao futuro da empresa em Moçambique e teceu elogios à postura receptiva do novo Chefe de Estado.

“Tivemos a oportunidade de conhecer o Presidente para discutir a história da Kenmare em Moçambique e os nossos investimentos futuros. Esperamos continuar a crescer no país, a gerar emprego e a contribuir para o desenvolvimento económico e social”, disse Hickey à imprensa. Crescimento significativo face ao número actual. Também reconheceu que a trajectória da Kenmare em Moçambique teve altos e baixos, mas assegurou que “dias muito melhores estão para vir”.

Hickey declarou que Chapo “foi muito aberto e demonstrou compreensão sobre o sector”, lembrando que o Presidente trabalhou vários anos em Nampula e conhece bem a realidade local. “Ele traz uma grande ideia sobre como as empresas que exploram recursos naturais podem investir estrategicamente no verdadeiro desenvolvimento do país”, afirmou.

Apesar da cordialidade institucional, a visita de Hickey ocorre num momento em que a justiça fiscal voltou ao centro do debate político. Durante beneficie, de forma justa, dos seus próprios recursos. A transparência, a justiça fiscal e a redistribuição dos ganhos de projectos extractivos foram temas recorrentes nos seus discursos.

A Kenmare, por sua vez, aguarda desde Setembro de 2022 a renovação de um dos seus contratos de concessão, que expirou nesse mesmo ano. A empresa tem outro contrato válido até 2029 e estima poder explorar areias pesadas na província de Nampula por mais de 100 anos.

Resta saber se, com Daniel Chapo, a história se repetirá — com promessas de prosperidade que ficam por cumprir — ou se finalmente a relação entre Moçambique e a Kenmare conhecerá um novo capítulo, mais justo e equilibrado.

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