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AO “DISPENSAR” MEIOS DO SIMP: Estado moçambicano parece cúmplice dos terroristas

– Equipamento naval continua a deteriorar-se enquanto inimigos passeiam à vontade

Crescem a cada dia as vozes, inclusive militares, que, vivendo o sofrimento a que estão votados vários distritos de Cabo Delgado, questionam: por que razão os barcos de patrulha adquiridos com o dinheiro das “dívidas ocultas” não estão hoje a proteger as águas territoriais, num período em que o País enfrenta ataques terroristas a partir do mar, dos lagos e dos rios? O sentimento começa a generalizar-se: enquanto civis são sequestrados, crianças arrastadas à força e comunidades inteiras aterrorizadas pela força dos insurgentes que se movimentam livremente na zona Norte de Cabo Delgado, o material militar comprado em nome da soberania nacional apodrece ou não é utilizado onde devia, o que lança uma mancha sobre o papel do Estado e levanta sérias questões perturbadoras. Valerá a pena abdicar de meios vitais por questões políticas enquanto o País é “decapitado” aos poucos?, questionam as fontes.

Texto: Dossiers & Factos

Nos últimos meses, multiplicam-se relatos da intensificação de movimentações e ataques dos terroristas em vários pontos de Cabo Delgado, contrariando o discurso político e governamental segundo o qual a situação estaria controlada na província. Há vários registos de decapitações, bloqueios em estradas — com destaque para a N380 —, sequestros e extorsões a civis e comerciantes, incluindo o rapto de pelo menos 120 crianças, segundo publicou a Human Rights Watch.

Testemunhas destes cenários relatam que a facilidade com que os insurgentes operam em determinadas zonas é inseparável da evidente fragilidade da vigilância costeira — e da falta de uma resposta firme e atempada às ameaças.

Segundo as mesmas fontes, lamentavelmente, a vulnerabilidade não é exclusiva do Norte. Aliás, o episódio do navio que permaneceu três dias ao largo da costa de Xai-Xai, província de Gaza, sem qualquer abordagem oficial — e que só ao terceiro dia foi interceptado — expõe, com clareza, a propalada incapacidade nacional para proteger as fronteiras marítimas, lacustres e fluviais.

SIMP: será uma solução ignorada?

As fontes descrevem que os cenários relatados acontecem numa altura em que o País dispõe de meios que deviam prevenir ou atenuar ameaças à soberania, fazendo alusão ao Sistema Integrado de Monitoria e Protecção (SIMP), idealizado como uma plataforma de vigilância costeira, controlo de embarcações e fiscalização de licenças de pesca, e que devia cobrir toda a linha costeira moçambicana com sensores, radares, centros de comando e embarcações de resposta rápida.

Ao que foi anunciado, trata-se de uma iniciativa estruturada por uma equipa do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), entre 2013 e 2014, através das empresas EMATUM, ProIndicus e MAM, financiadas com mais de 2 mil milhões de dólares norte-americanos em dívida externa, contraída com garantias do Estado.

Embora esse processo tenha sido judicialmente condenado por desrespeito à Constituição e envolvimento de agentes corruptos — a maioria dos quais foi condenada e está agora em liberdade condicional, após cumprimento de metade da pena —, no entender das fontes, o objectivo militar e estratégico do SIMP era legítimo e continua, até hoje, a fazer sentido: proteger Moçambique de ameaças marítimas e reforçar a sua soberania sobre o espaço costeiro.

No entanto, volvidos cerca de dez anos, o material adquirido permanece inactivo, confundindo-se com desaparecido. Tal como foi anunciado oficialmente, sabese que 24 barcos da EMATUM com capacidade de patrulha foram colocados em leilão por 10 milhões de dólares. Outrossim, parte das lanchas rápidas da ProIndicus está parada em Maputo, Pemba e Nacala, enquanto os estaleiros da MAM, em Pemba, albergam barcos que, com o tempo da sua permanência em desuso, deterioram-se — havendo denúncias de que alguns estão a ser roubados os motores.

“Esses barcos têm de estar ao serviço do Estado. Não podemos ter desafios e ainda agirmos como crianças”, desabafou uma fonte ligada à segurança nacional ao Dossiers & Factos.

Desabafo de António Carlos de Rosário ganha peso

Em face das evidências de que o Estado estará voluntariamente a prescindir de meios disponíveis para repelir as ameaças à segurança, as fontes consideram inevitável recuperar o desabafo do antigo director da Inteligência Económica do SISE, António Carlos de Rosário, em pleno julgamento, em 2022.

Recorde-se que o então réu reagiu com veemência à proposta da magistrada Sheyla Marengula, do Ministério Público, que sugerira em tribunal a devolução dos equipamentos militares adquiridos no âmbito do SIMP. Visivelmente perturbado, Rosário afirmou que tal proposta ofendia não apenas os intervenientes no projecto, mas a própria soberania de Moçambique.

“Hoje, meritíssimo, a digníssima representante do Ministério Público propõe-se a devolver. Não estou zangado, mas como moçambicano estou ofendido. Quando temos o País a ser dilacerado e fustigado por terroristas, a digníssima representante do Estado propõe-se a devolver equipamento? Está a dizer tudo sobre a agenda actual”, alertou.

Para Rosário, sugerir a devolução significava alinhar com uma “agenda de divisão” do território nacional. Evocando o espírito de unidade territorial consagrado no lema “do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico”, sublinhou que a devolução de equipamento militar enviaria uma mensagem de fraqueza num momento em que o País enfrenta ameaças existenciais.

De resto, das interacções com elementos ligados às FDS, Dossiers & Factos constatou que o sentimento exposto por António Carlos de Rosário é generalizado. Os mesmos até consideram legítimo condenar actos ilegais no contexto da implementação do SIMP, mas fazem notar que é grave permitir o desmantelamento dos meios operacionais de defesa ao mesmo tempo que a Pátria é alvo de agressões.

“O material adquirido — e que continua a existir em parte — deve ser imediatamente colocado ao serviço das FADM. Não é apenas uma questão de dignidade nacional. É uma questão de sobrevivência”, alertam as fontes.

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