– Despesas da deslocação rondam dezenas de milhões de meticais
– Viagem aos EUA foi a 18.ª desde a investidura
O Presidente da República, Daniel Chapo, esteve recentemente em Nova Iorque, onde se estreou na Assembleia Geral das Nações Unidas. Segundo apurou Dossiers & Factos de fontes ligadas ao processo, Chapo fez-se acompanhar por uma comitiva de 98 pessoas, incluindo a esposa, número que está a ser contestado a nível do Governo e até do próprio partido Frelimo, por ser bastante elevado, atendendo a situação de crise financeira que o País atravessa.
Texto: Dossiers & Factos
Em estreia absoluta na programação da Assembleia Geral da ONU, pelo menos enquanto Chefe de Estado, Daniel Chapo não só se dirigiu à plenária – com um discurso marcado pela defesa do multilateralismo e apelo à justiça climática –, como também manteve diversos encontros bilaterais, incluindo com António Guterres e Ursula von der Leyen, secretáriogeral da ONU e presidente da Comissão Europeia, respectivamente.
Ainda assim, e sem desprimor para as diferentes frentes diplomáticas abertas ou reforçadas nos Estados Unidos da América (EUA), a participação de Moçambique na 80.ª Assembleia Geral da ONU também fica marcada pela numerosa comitiva que acompanhou Daniel Chapo àquele evento.
Ao que Dossiers & Factos apurou, a comitiva moçambicana foi composta por 98 pessoas, entre ministros, diplomatas, assessores, agentes da segurança, pessoal do Gabinete da Primeira Dama, que era em número bastante considerável, jornalistas, entre outros, sublinhando que, para esta deslocação, Chapo não integrou deputados da Assembleia da República.
Mais de 25 milhões de meticais apenas em ajudas de custo e alojamento
Politicamente, os ganhos resultantes da participação massiva na 80.ª Assembleia-Geral da ONU, caso existam, dificilmente se irão reflectir de imediato na vida dos moçambicanos, mas as implicações financeiras desta deslocação estão ao alcance de qualquer cidadão atento.
Conforme referimos acima, a comitiva moçambicana foi composta por 98 pessoas e permaneceu em território norte-americano durante o mínimo de oito dias. Feitas as contas aproximadas, baseadas no diploma ministerial do Ministério das Finanças de 2006 (fixa a tabela de subsídios de viagem dos funcionários do Estado em serviço ao exterior), cada membro da comitiva terá recebido uma média de USD 300 por dia em ajudas de custo, o equivalente a 18.981 meticais ao câmbio de 63,27 meticais por dólar (taxa oficial de sábado, 27 de Setembro). Assim, o Estado terá desembolsado cerca de USD 235,2 mil, correspondentes a aproximadamente 14,9 milhões de meticais, apenas para esta rúbrica.
No que diz respeito ao alojamento, Dossiers & Factos fez as estimativas das despesas com base no The Fifty Sonesta Hotel New York, onde estiveram hospedados alguns membros da delegação moçambicana, incluindo jornalistas. Neste hotel, de quatro estrelas, a tarifa mais baixa é de USD 239,20 por noite, preço consultado no domingo, dia 28 de Setembro. Isto significa que a estadia de oito noites para os 98 membros da delegação terá custado cerca de USD 187,6 mil, equivalentes a aproximadamente 11,9 milhões de meticais apenas para a hospedagem.
Sublinhe-se que esta estimativa é intencionalmente conservadora, até porque muitos membros da comitiva, incluindo o próprio Presidente da República e a sua esposa, seguramente se hospedaram em hotéis de maior prestígio, com tarifas significativamente mais elevadas. Portanto, os valores apresentados representam apenas a base mínima do gasto total com alojamento durante a estadia.
Assim, somando ajudas de custo e alojamento, a despesa mínima desta viagem ultrapassa os 26,8 milhões de meticais.
Quase USD 10 milhões em passagens
Relativamente às passagens aéreas, Dossiers & Factos voltou a nivelar as contas por baixo, de forma a estimar o valor mínimo que terá sido despendido nesta missão. De acordo com as pesquisas efectuadas, a Ethiopian Airways — companhia utilizada pela maioria dos membros da delegação — apresenta, para Nova Iorque, uma tarifa mínima de 88.187 meticais, com escalas em Adis Abeba e Abidjan. Multiplicando este valor pelos 98 elementos da comitiva, obtém-se um montante aproximado de 8,6 milhões de meticais.
É importante frisar que este valor corresponde apenas ao preço mais baixo praticado por aquela companhia aérea para a rota em questão, podendo variar em função do nível de procura no momento da aquisição do bilhete.
O jornal tem plena consciência de que estes valores se encontram muito abaixo do que efectivamente foi pago, atendendo ao estatuto das personalidades que integravam a delegação. Sendo portadores de passaportes diplomáticos, é de esperar que a maioria tenha viajado em classes superiores, com tarifas significativamente mais caras. O mesmo raciocínio se aplica ao alojamento e às bagagens, onde os custos adicionais por excesso são igualmente suportados pela Presidência da República.
Comitiva típica de países do primeiro mundo
Olhando para registos históricos, é difícil encontrar países pobres ou em desenvolvimento com comitivas tão numerosas. Em 2023, a revista Global Policy publicou um artigo que estuda a dimensão das comitivas nacionais às Assembleias Gerais da ONU durante o período de 1993 a 2016. A constatação é de que, em termos globais, o número de membros passou de 3 628 em 1993 (média de 20) para 7 130 em 2016 (média de 36). Os maiores contribuintes para este salto são as chamadas “grandes potências” – EUA, Rússia e China –, que habitualmente enviam acima de 100 delegados, aos quais se juntam outros elementos com papel secundário. Seguem-se nações prósperas como Suécia, Finlândia, Noruega e Suíça, com pouco mais de 80 pessoas. Já no terceiro mundo, o destaque vai para a Nigéria e o Bangladesh, com médias de 97 e 60 pessoas, respectivamente.
Vale referir que o artigo 25 do regulamento que rege a Assembleia Geral estabelece que cada EstadoMembro da ONU deve ter uma delegação de cinco elementos e igual número de suplentes. No entanto, o mesmo artigo abre espaço para a participação de um número não especificado de “conselheiros, assessores técnicos, peritos e pessoas de estatuto similar”.
PR dormiu 40 dias fora do País em oito meses
Desde a sua investidura como Presidente da República, a 15 de Janeiro de 2025, data em que jurou realizar poucas viagens ao exterior, promover contenção de despesas, Daniel Chapo tem marcado o seu primeiro ano de governação por uma intensa agenda internacional. Só para elucidar, em apenas oito meses, já realizou 18 viagens oficiais ao estrangeiro, numa média de 2,25 deslocações por cada mês, cobrindo várias regiões do continente africano, além de incursões na Europa, Ásia e América.
Somando todas as viagens, o nosso PR esteve fora de Moçambique por 40 dias, no mínimo, o que representa mais de um mês de ausência no exercício directo da governação interna. O período mais longo registou-se nesta última viagem à Nova Iorque, onde permaneceu por seis dias. Segue-se Sevilha, Espanha, para onde também levou uma comitiva bastante extensa, e permaneceu por cinco dias, participando na IV Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o Financiamento ao Desenvolvimento, havida em Junho último.
No plano africano, as deslocações tiveram forte incidência em encontros regionais e bilaterais. A primeira viagem, ainda em Janeiro, levou-o a Harare, Zimbabwe, para a Cimeira Extraordinária da SADC, onde permaneceu apenas um dia. No mês seguinte, seguiu para Adis Abeba, Etiópia, para a 38.ª Sessão Ordinária da União Africana. Março trouxe compromissos em Cabo, África do Sul (cooperação bilateral, um dia) e em Windhoek, Namíbia (investidura presidencial e celebrações da independência, dois dias).
Em Abril, destacou-se a sua presença em Bulawayo, Zimbabwe, na abertura da Feira Internacional do Zimbabwe, e em seguida em Roma, Vaticano, para as exéquias do Papa Francisco, ocasião em que permaneceu dois dias. Já em Maio, a agenda incluiu visitas a Dar-es-Salam, Tanzânia (três dias) e a Luanda, Angola (dois dias), ambas focadas no estreitamento das relações bilaterais.
Junho foi um dos meses mais intensos, com três deslocações: Lilongwe, Malawi (dois dias), Eswatini (um dia) e Sevilha, Espanha (cinco dias). Em Julho, Chapo esteve em Lisboa, Portugal (um dia) e em Bissau, Guiné-Bissau (dois dias), para a Cimeira da CPLP.
Por sua vez, em Agosto, o Chefe de Estado fezse a Antananarivo, Madagáscar, onde participou na 45.ª Cimeira da SADC (três dias), e a Yokohama, Japão, na TICAD 9 (três dias), além de uma visita bilateral a Kigali, Ruanda (dois dias). Finalmente, em Setembro, o Presidente deslocou-se à Argélia (três dias, para reforço da cooperação) e, logo depois, a Nova Iorque (seis dias, Assembleia Geral da ONU).
Fontes próximas da Presidência da República consideram que certas viagens poderiam ser evitadas pelo PR em nome da contenção de custos, podendo, para o efeito, delegar em figuras como a primeira-ministra ou outros quadros que o pudessem representar, reduzindo desta forma o número de acompanhantes na sua comitiva.
Ainda neste mesmo ponto de contingência financeira, as nossas fontes sublinham que o Gabinete da esposa do PR deve também contribuir para a redução de despesas com o efectivo do pessoal que a acompanha nas missões que são da responsabilidade do Chefe de Estado.
As fontes sugerem ainda que o PR deve ser melhor auxiliado pelos seus assessores, no sentido de garantir menores despesas a partir daquela casa.