Segue sem fim à vista o calvário dos funcionários do Conselho Municipal da Vila de Namaacha, uma das quatro autarquias da província de Maputo. Aos salários atrasados, junta-se agora uma redução drástica e compulsiva determinada pelas Finanças ao nível da província. A alegação é de que estes recebiam mais do que deviam.
Texto: Amad Canda
Pouco tempo depois de um grupo de representantes de funcionários da edilidade se ter deslocado à sede do Conselho Executivo Provincial de Maputo, onde tentou, sem sucesso, falar com o governador Júlio Parruque acerca do crónico problema dos salários em atraso, uma delegação de nível provincial deslocou-se à Namaacha para reunir-se com os queixosos.
Para o espanto dos funcionários, a comitiva em causa, composta por inspectores das Finanças e por elementos da Secretaria de Estado na província de Maputo, não levava solução nenhuma, mas mais problemas. Em encontro havido na recta final do mês de Agosto, os funcionários daquele Município, cuja criação remonta a 2009, ficaram a saber que, afinal, os salários que vinham auferindo eram indevidos, porque demasiado altos.
Para corrigir a alegada ilegalidade, a comitiva em causa anunciou corte nos subsídios e outras bonificações de que os funcionários vinham usufruindo de há sensivelmente 15 anos até aos dias que correm.
O resultado é dramático, segundo dão conta as vítimas desta medida. “Meu salário já só dá para comprar brinquedos para as crianças”, lamenta um funcionário que viu seu ordenado sair de 14 mil para oito mil meticais. Mas há casos mais graves de funcionários que saíram da casa dos dois dígitos para ganharem uma remuneração abaixo do salário mínimo nacional na Função Pública, actualmente fixado em 8.758 meticais.
Algumas fontes consideram estranho o facto de esta medida, que parece inédita, estar a ser imposta por uma instituição (as Finanças) que vem inspeccionando a edilidade desde a sua criação. “Só hoje detectaram” a ilegalidade?”, questionam, lamentando o que entendem ser violação da autonomia da autarquia.
Dívidas pagas com base na nova Tabela
Dossiers & Factos sabe que, pouco depois de anunciada, de forma oral – os funcionários confirmam não terem recebido nenhum documento oficial -, a entrada em vigor daquilo a que se pode chamar Tabela Salarial Ilegal (TSI), os trabalhadores receberam parte dos salários em atraso (a edilidade continua a dever quatro meses) calculados com base na nova tabela que lhes está a ser imposta.
“Com base nisso, eles podem, com dinheiro de apenas dois meses, pagar cinco meses”, conta uma fonte anónima, que lembra que os cortes ora anunciados abrangem até aos membros da Assembleia Municipal, vereadores e o próprio edil.
Manuel Elias, o presidente da autarquia, não atendeu aos nossos telefonemas, enquanto o vereador da Administração e Finanças preferiu não abordar o assunto ao telefone.
“Medida é ilegal”, diz jurista
Dossiers & Factos contactou Sérgio Gimo, especialista em direito laboral, a fim de perceber se esta surpreendente medida poderia ter algum aparo legal. Gimo foi peremptório em afirmar que, em princípio, o salário é um direito adquirido, pelo que não deve ser revisto em baixa.
“Estas situações geralmente só são acauteladas quando estamos perante uma situação de falência ou incapacidade”, o que acredita não ser o caso, até porque, para lá do Fundo de Compensação Autárquica (FCA), alocado pelo Governo Central, as autarquias têm fundos próprios, decorrentes da colecta de impostos e taxas.
Gimo considera igualmente ilegal o facto de o pagamento dos salários em atraso estar a ser feito com base na nova tabela, e lembra que a Lei não retroage em prejuízo. “Se à data em que a empresa os deveu estava a vigorar a tabela anterior, legalmente é preciso pagar com base na tabela anterior”.
“Não se pode fechar os olhos a esta ilegalidade”, considera a fonte, que sugere a entrada em cena da mediação laboral para reverter o cenário. Gimo cita ainda a Lei do Trabalho, que, no seu artigo 17, estabelece que “as normas não imperativas da presente lei só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva do trabalho e por contrato de trabalho quando estes estabeleçam condições mais favoráveis para o trabalhador”.