O cabeça-de-lista da Renamo, na cidade de Maputo, Venâncio Mondlane, denuncia suposta traição na Renamo e, aparentemente, não deixa de lado o líder do partido, Ossufo Momade, a quem acusa de o ter abandonado. As declarações de Mondlane foram feitas na cidade de Maputo, após o Conselho Constitucional anunciar os resultados definitivos das eleições autárquicas de 11 de Outubro último, dando vantagem à Frelimo na cidade capital, Maputo, onde ele (Mondlane) concorria pela Renamo e reivindicava vitória. No seu discurso, o cabeça-de-lista derrotado, visivelmente agastado, insta os membros do grupo que sempre o acompanhou durante as marchas pacíficas de reivindicação para que regressem à casa, questionando as razões da ausência de boa parte do grupo. Mondlane chega a mandar uma indirecta segundo a qual uma ordem superior da própria perdiz persuadiu os ausentes a não se juntarem a ele naquele dia.
Texto: Benety Matongue
Na última sexta-feira, o Conselho Constitucional (CC) ditou a sentença do contencioso eleitoral que opunha os partidos da oposição e a Frelimo, devido às irregularidades que caracterizaram as eleições autárquicas de 11 de Outubro passado. Apesar dos episódios de fraude, registados no dia da votação, com destaque para o enchimento de urnas, extravio e viciação de editais e actas, que levaram a Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), principais partidos da oposição, a contestarem os resultados intermédios, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) decidiu proclamar a Frelimo vencedora do escrutínio em 64 das 65 autarquias que estavam em disputa. Entretanto, como que a dar a “César o que é de César”, o CC, entidade de última instância a qual os partidos da oposição submeteram recurso a pedir a anulação dos resultados anunciados pela CNE, concluiu que a Frelimo ganhou em 56 autarquias, a Renamo em quatro (Quelimane, Vilankulo, Chiúre e Alto Molócuè) e o MDM em apenas uma – Beira.
No entanto, mesmo com a devolução de algumas autarquias que tinham sido ilegitimamente atribuídas à Frelimo, a Renamo continua insatisfeita, pois acredita que ganhou em muitas outras, com destaque para as mais disputadas, nomeadamente na capital Maputo e na Cidade da Matola, onde pela segunda vez os seus cabeças-de-lista, Venâncio Mondlane e António Muchanga, respectivamente, não conseguiram se eleger.
Venâncio Mondlane e o reacender da esperança da oposição
Olhando para o cenário que caracterizou as eleições autárquicas deste ano, considerado inédito para a jovem democracia moçambicana, salta à vista o protagonismo de Venâncio Mondlane, cabeça-de-lista do principal partido da oposição, a Renamo.
Mondlane, numa espécie de campanha madrugadora, assumiu um protagonismo político jamais visto no país, descendo às bases para viver de perto os problemas dos grupos sociais menos favorecidos, acções estas que eram transmitidas em tempo real através da sua página do Facebook e partilhadas noutras redes sociais.
Este protagonismo terá sido determinante para resgatar o nome da Renamo, facto que foi reforçado pelo aparente sentimento de revolta da população face aos problemas sociais e económicos que o País tem vindo a enfrentar e que tem penalizado o governo do dia e, consequentemente, o partido Frelimo.
O cenário descrito contribuiu para que a Renamo carregasse, nestas eleições autárquicas, desde a campanha até à votação de 11 de Outubro, uma massa de seguidores e simpatizantes que fazia vislumbrar um desfecho vantajoso nas urnas.
O protagonismo que prejudicou o partido
Entretanto, o investimento feito por Venâncio Mondlane, na sua imagem rumo à liderança dos destinos da autarquia da cidade de Maputo, acabou sendo um tiro contra a própria Renamo, pois este novo protagonismo político, no caso ex-cabeça-de-lista, acabou reforçando a teoria de desorganização no seio da própria perdiz. Isto ficou mais evidente após o anúncio dos resultados intermédios das eleições, que deram vantagem a Frelimo em 64 autarquias, deixando uma para o MDM e a Renamo sem nenhuma.
As marchas que transformaram e a diminuição de Ossufo Momade
Para contestar os resultados que vieram a ser homologados pela CNE, Mondlane iniciou um movimento cívico-político, caracterizado por marchas bastante aderidas por membros e simpatizantes da Renamo, bem como por curiosos ou avessos ao Governo da Frelimo.
As marchas que reivindicavam a “reposição da verdade eleitoral” tornaram Mondlane uma espécie de líder da Renamo, ofuscando o próprio presidente do partido, Ossufo Momade, que, inclusive, é visto com certa desconfiança nos diferentes sectores do partido e da sociedade, que entendem que se vendeu ao regime.
Prova da sombra que Mondlane passou a ser o líder da Renamo são as suas constantes aparições e intervenções políticas, que até fazem confundir o seu papel e o de Ossufo Momade na liderança do partido.
Aliás, numa das mega-marchas, realizadas na cidade de Maputo, Ossufo Momade e Manuel de Araújo, este último edil de Quelimane, onde era cabeça-de-lista, tiveram que integrar a caravana de Mondlane.
Outro sinal de falta de alinhamento no seio da perdiz foi a organização das marchas e os comunicados do líder, que muitas vezes coincidiam ou aconteciam em intervalos de tempo muito ínfimos e em locais diferentes. Ou seja, às 10 horas, algures na cidade de Maputo, Mondlane convocava a imprensa para falar das eleições e da marcha, e 30 minutos depois Ossufo Momade tinha igualmente uma conferência de imprensa sobre o processo eleitoral, na sede do partido.
Há ainda rumores de que o líder da Renamo tem outro gabinete fora da presidência do partido, o que é inédito, olhando para o percurso das formações políticas e da própria Renamo.
Decisão do CC faz Mondlane denunciar desorganização e apontar traidores
E para fechar o dossier da dissonância nos corredores da Renamo, Mondlane fez o menos esperado: disparar contra o próprio partido após o anúncio do veredicto do CC, na última sexta-feira, 24 de Novembro, que apresentou a Frelimo como vencedora nas autárquicas da cidade de Maputo.
Visivelmente inconformado, Mondlane agiu mais uma vez a solo, denunciando supostos traidores que, segundo ele, estiveram sempre nas marchas, mas no dia do juízo final abandonaram o movimento.
Mondlane vai mais longe, ao afirmar que houve uma suposta ordem superior vinda da própria perdiz para que as pessoas visadas não se juntassem a ele, acusando também o elenco de Momade de tê-lo abandonado.
Abre-se, assim, um novo capítulo no percurso político de Mondlane, o que também levanta suspeições sobre o seu futuro político, especialmente na Renamo.