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A MALDIÇÃO DOS RECURSOS: Gás moçambicano incomoda “pesos pesados” no mundo

Desvendar o inimigo por detrás dos insurgentes que actuam em Cabo Delgado desde 2017 é uma das tarefas mais importantes que o País tem nos tempos actuais. Num contexto particularmente difícil de analisar, resta apenas a certeza de que os patrocinadores do terrorismo estarão interessados em inviabilizar a exploração do gás natural, que abunda na Bacia do Rovuma, e que se revela uma ameaça para os “donos do negócio”. Esta é a conclusão de alguns analistas ouvidos pelo Dossiers & Factos.

Texto: Dossiers & Factos

Sete anos se passaram desde o início da insurgência armada na província nortenha de Cabo Delgado. Ao longo deste período, o Estado e a sociedade, em geral, têm procurado explicações para o fenómeno, com uma boa parte a argumentar que as desigualdades sociais, o sentimento de exclusão e a pobreza são a base para o surgimento do terrorismo.

No entanto, é igualmente consensual a ideia de que os fomentadores da violência extrema na província tida como a mais rica do País poderão ter como grande objectivo a inviabilização da exploração do gás natural, um recurso com potencial para melhorar significativamente a economia moçambicana a partir de 2028, de acordo com a previsão da agência de notação de rating Standard & Poor’s. A agência toma em consideração as reservas de gás que o País possui, que, de acordo com um estudo feito pela Rystad Energy, são as maiores da África subsaariana.

Este cenário tem alimentado alegadas teorias de conspiração contra Moçambique, que quase sempre colocam um país em evidência: Qatar. O pequeno país do Médio Oriente, com pouco mais de dois milhões de habitantes, tem sua economia baseada no gás, responsável por 50% do seu Produto Interno Bruto (PIB).

Alguns analistas levantam vozes dando a entender que estará, por isso mesmo, interessado em “cortar as pernas” de novos players que representem alguma ameaça ao seu status. Sustenta-se a essa narrativa, por exemplo, o fato de, pouco depois de ter abandonado Cabo Delgado alegadamente por falta de condições de segurança, a Total Energies ter rubricado um acordo com o Qatar para a implementação do projecto North Field East (NFE), que representa a expansão da offshore North Field – tido como o maior campo de gás natural a nível mundial.

Entre os defensores da ideia de uma “conspiração qatariana” está o professor Fernando Cardoso, que se tem dedicado ao estudo dos conflitos em África, especialmente em Moçambique.

“Estas reservas de gás que existem ao largo da costa de Moçambique são prolongadas para a costa da Tanzânia. E se nós juntarmos as reservas de ambos os países, nós chegamos a uma situação em que, no seu conjunto, Moçambique e Tanzânia já têm hoje identificadas reservas que são maiores que as maiores reservas de gás do mundo, que estão no Qatar”, argumentou há cerca de um ano, num programa televisivo.

Já nessa altura, o estudioso dos assuntos africanos tratou de desvalorizar a perspectiva de que a Total abandonará Palma por razões de segurança, esclarecendo que “a razão do não reatamento do projecto de Afungi tem a ver com os investimentos que a Total está a fazer em vários pontos do mundo”, incluindo no Qatar.

O ciúme tanzaniano

Para as fontes do Dossiers & Factos, no mesmo período em que a insurgência parece ganhar um novo ímpeto em Moçambique, dois eventos ocorridos fora do território nacional reforçam preocupações com o futuro do projecto de exploração do Gás Natural Liquefeito (LNG) em Afungi, no distrito de Palma.

É que a Tanzânia assinou, no dia 12 de Junho de 2022, acordos preliminares com a Equinor e a Shell para a exploração do Gás Natural Liquefeito naquele país. De acordo com o site Zitamar News, a presidente da Tanzânia, Samia Suluhu, disse em seu discurso de ocasião, em Chamwino, que desejava ver as reservas de gás do seu país ultrapassarem as de Moçambique até 2025, altura em que deverá arrancar o primeiro projecto de exploração.

Trata-se de um discurso que, nos corredores políticos e académicos de Maputo, adensa velhas suspeitas de que os tanzanianos poderão também estar interessados no atraso dos projectos de exploração do gás na bacia do Rovuma, para o seu próprio benefício.

Por outro lado, sabe-se da aproximação entre a vizinha Tanzânia e o Qatar. Os dois países têm estado, nos últimos anos, a reforçar a sua cooperação no campo económico, incluindo na exploração do gás. Segundo dados citados pela GCC Business News, as relações entre o Qatar e a Tanzânia estão a crescer, e o volume de intercâmbio comercial atingiu USD 82 milhões em 2021.

Analistas fazem lembrar ainda que a Tanzânia repatriou, por diversas ocasiões, moçambicanos que se haviam refugiado naquele país vizinho por conta dos ataques em Cabo Delgado, uma atitude que sempre gerou alguma estranheza em Moçambique. Em Maio de 2021, o governo tanzaniano recusou conceder asilo a 3.800 moçambicanos que acorreram àquele país na sequência dos ataques ocorridos no distrito de Palma, reportou, na altura, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

 

Texto extraído na edição 562 do Jornal Dossiers & Factos

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