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UM PERIGOSO RITUAL: Sanana, o truque das muthiyanas para engarrafar homens

Em Moçambique, há poucas coisas tão consensuais como a ideia de que a mulher de Nampula é absurdamente linda e, por isso, irresistível. A proliferação de estórias de homens que, tendo escalado a província mais populosa do País a trabalho, não mais conseguiram voltar para as províncias de origem, reforça essa crença. Mas, afinal, a magia que “prende” os homens não está só na beleza. Reside, fundamentalmente, na gastronomia.

Texto: Anastácio Chirrute

A 2150 km da capital Maputo está a província de Nampula. Tem os impressionantes 81.606 km² de extensão, sendo que cada canto é um encanto, desde a praia de Chocas-Mar, no distrito de Mussoril, até à Ilha de Moçambique, legitimamente Património Mundial da Humanidade. À beleza paisagística soma-se a exuberância das muthiyana oreras (mulheres bonitas, em emakhua), que encantam o olhar de qualquer ser não inanimado.

Adornadas com mussiro – um creme com que tratam a pele, deixando-a mais macia –, elas têm o poder de levar os homens à loucura. No entanto, e por mais encantadores que sejam, rostos perfeitos, corpos esculturais e sorrisos contagiantes nem sempre são suficientes para conquistar o amor de um homem. Cientes disso, as belas mulheres de Nampula contam com uma arma letal: a gastronomia.

 O poder da mahapa 

Há quem diga que o amor não enche barriga, e talvez por isso a partilha de comida seja uma das formas mais comuns de expressão deste nobre sentimento. Bolos, chocolates, salgados, entre outras iguarias fazem parte do dia-a-dia dos apaixonados em todo o mundo. Em Nampula não é diferente, mas merece realce o facto de os pratos tradicionais continuarem a ter um papel central.

Entre os mais conhecidos pratos típicos da província está a caracata, um tipo de xima (papa) feita com base em farinha de mandioca seca. Geralmente é acompanhada de peixe preparado no estilo “água e sal”, com mangas verdes à mistura. Provámo-lo e estamos em condições de confirmar que é delicioso. Contudo, confidenciaram- -nos os locais, não supera a mahapa – um prato geralmente preparado pelas mulheres para os seus respectivos namorados ou esposos. É um símbolo de amor, dizem.

“O que é mahapa?” – perguntámos, na esperança de saciar nossa curiosidade. Em jeito de resposta, tomámos uma pergunta, vinda de uma mulher: “vocês são casados?”. Respondemos afirmativamente, em uníssono. E o diálogo se encerrou. A mulher não quis acrescentar uma palavra sequer, para a nossa frustração colectiva.

Inconformados, tanto insistimos que os nossos interlocutores, que entretanto riam à beça, cederam. Explicaram-nos que mahapa é uma “surpresa” que as mulheres locais preparam para os seus maridos. Tem várias facetas, podendo assumir a forma de bolos, comida no sentido clássico do termo ou mesmo uma “noite de núpcias”.

Com 42 anos de idade, Rabia Mohamad não consegue explicar com precisão o significado de mahapa. Diz ser uma palavra complexa, mas sublinha que está associada ao amor, descrevendo- -a como uma forma que as mulheres encontraram para mostrar amor aos seus parceiros, sobretudo quando estes regressam a casa depois de um período de ausência relativamente prolongado.

“Mahapa não se faz para qualquer pessoa. É uma forma de a mulher surpreender o seu marido e deve ser muito bem-feita. Existe mahapa de marmita, de bolos, biscoitos ou aquela mahapa especial que será servida na cama”, detalha a mãe de quatro filhos, acrescentando que também os homens podem preparar mahapa, embora tal seja raro porque, na maioria das vezes, são estes que saem atrás do sustento para as suas famílias.

Sanana: tão deliciosa quanto perigosa

Fora da “capital do norte”, concretamente no distrito de Angoche, a congénere da mahapa é conhecida como sanana, uma versão bem mais perigosa e, segundo os locais, não aconselhável aos recém-chegados. É igualmente descrita como uma forma de demonstração de amor, mas esta tem a particularidade de estar impregnada de poderes mágicos para “prender” o homem numa relação, naquilo a que, em xichangana, língua falada na zona sul do País, se chama ku kostola – “meter homem na garrafa”.

Os homens casados ou comprometidos são os principais alvos deste truque das muthiyana oreras, que tem o condão de reforçar o poder de hipnose que emana dos seus atributos naturais. A sanana é uma receita infalível e perigosa para os casados, na medida em que deixa o homem tão loucamente apaixonado a ponto de se esquecer da sua própria família – esposa e filhos.

Geralmente, quem prepara este tipo de surpresa são as mães, a pedido das filhas, para darem de comer aos homens que desejam “engarrafar”.

“A mulher oferece a sanana quando gosta de ti e percebe que já estão a namorar por uma ou duas semanas. A mãe ou avó da mulher prepara a sanana, juntando-a com a botânica (plantas) e depois ela vai oferecer ao namorado ou amante”, anota Suraya Abdul, alertando que “depois de ele comer, não mais volta para a casa da sua esposa principal”.

Não é para menos. Segundo apurámos, a sanana funciona a bem ou a mal. Ou seja, o homem conforma-se com a sua nova vida e, caso queira contrariar a força da magia, o azar bate-lhe à porta de diversas formas. Um episódio partilhado por Alfredo Joaquim, que trabalha como motorista numa empresa de construção civil, confirma isso mesmo.

Joaquim confidenciou-nos que, há semanas, um colega seu conheceu uma moça, com quem rapidamente se envolveu. Alguns dias depois, este era surpreendido no seu local de trabalho por uma tigela recheada de acepipes, uma iniciativa romântica que o agradou imenso.

Como não podia deixar de ser, comeu tudo com imenso gosto, com a inocência e o desconhecimento do “terreno” a não lhe permitirem desconfiar que poderia estar a cair numa “armadilha de amor”.

A vida seguiu e, volvida uma semana, o jovem, que tinha ainda poucos meses em Angoche, recebia a missão de transportar carga para a cidade de Nampula, onde, por sinal, reside a sua família. Não correu nada bem. O motorista andou apenas 10 quilómetros. Foi a distância que conseguiu percorrer antes de um sono atípico transformar tudo à sua frente em penumbra. Impotente, dormiu e dormiu como nunca.

“Porque aquele nosso colega nunca chegava ao destino, houve tentativas de entrar em contacto telefónico com ele, mas não atendia o celular. O meu patrão acabou por mandar outro motorista atrás dele, para descobrir o que estava a acontecer”, conta Alfredo Joaquim.

“Foi encontrado dentro do camião, a dormir”, continua, acrescentando que foi aconselhado a devolver o camião ao ponto de partida, em Angoche. Curiosamente, e de acordo com Joaquim, logo que se virou em direcção a Angoche, o sono desapareceu e tudo clareou. Quando, perturbado com a estranha situação, ajustava o curso para Nampula, lá voltava a escuridão para tomar conta da paisagem.

Era o infalível efeito da sanana, explica a nossa fonte, para quem está mais do que claro que o novo amor do seu colega não quer que este tenha outros amores, ainda que isto signifique deixar para trás sua própria família, com todas as consequências que isso implica.

Por estas e por outras, não se aconselha aceitar surpresas preparadas pelas mulheres de Angoche, principalmente quando se é casado.

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