– Em causa questões ambientais, falta de consulta e histórico negativo
Várias Organizações da Sociedade Civil (OSC) e a própria Autarquia de Quelimane uniram-se para rejeitar publicamente, através de um abaixo-assinado, a proposta de concessão para a exploração de areias pesadas pela empresa *Africa Yuxiao Mining, ao longo da costa da província da Zambézia. A proposta foi submetida pelo Instituto Nacional de Minas (INAMI), mas estas organizações e a autarquia apelam ao Governo para que recuse o pedido, argumentando que ainda não existem condições adequadas na província para proceder a uma exploração sustentável e benéfica dos recursos minerais.
Texto: Milton Zunguze
O apelo foi sustentado por mais de dez organizações, entre elas o Observatório do Meio Rural (OMR), o Centro de Integridade Pública (CIP), a Justiça Ambiental (JA), a Associação dos Operadores Minerais da Zambézia (ASSOMIZA) e a Plataforma G20 Zambézia. Estas entidades questionam a concessão e defendem que Moçambique deve primeiro desenvolver a capacidade de extrair, transformar e exportar esses recursos de maneira sobe rana, de modo a beneficiar a economia local e criar uma indústria nacional forte, ao invés de simplesmente vender matérias-primas.
Uma das preocupações centrais das OSCs é a localização geográfica da concessão. Argumentam que as áreas propostas para a mineração têm grande valor ambiental e económico para as comunidades locais, e a exploração sem o devido cuidado poderia causar danos irreparáveis. Além disso, sublinham que as comunidades envolvidas não foram devidamente consultadas, como exige o Artigo 329 N.º 2 da Lei de Minas.
Embora o anúncio da concessão tenha sido publicado no jornal “Notícias”, as OSCs argumentam que isso não substitui a consulta directa com as populações afectadas, que deveriam ter a oportunidade de expressar as suas opiniões e preocupações em relação ao impacto da mineração nas suas vidas.
O director geral do INAMI, Dino Miguel Milisse, tinha solicitado, através de um anúncio no “Notícias”, reacções à sua intenção de conceder a exploração à empresa Africa Yuxiao Mining, para a extracção e exportação de areias pesadas no distrito de Quelimane. Contudo, para as OSCs, este pedido de reacções é insuficiente e não cumpre os requisitos legais de transparência e participação pública.
Histórico insatisfatório
Outro ponto de contestação reside nos resultados insatisfatórios de projectos semelhantes que já estão em curso na província da Zambézia, liderados por empresas chinesas e russas, como a Africa Great Wall Mining Development Company e a Tazetta Resources, que operam nos distritos de Pebane, Chinde e Inhassunge. Estas empresas têm sido frequentemente acusadas de violar leis ambientais e de ignorar os direitos das comunidades locais. As OSCs afirmam que a actividade mineira nestas áreas tem sido devastadora para o meio ambiente e para os modos de vida tradicionais, alertando para as consequências da mineração desregulada. Segundo elas, “todos os princípios de humanidade, dignidade e ecologia são ignorados e até brutalmente eliminados” por estas empresas.
Um exemplo concreto é a actuação da empresa Africa Great Wall Mining Development Company Lda no distrito de Inhassunge, que cometeu diversas infracções ambientais sem ser punida. Até ao momento, segundo as OSCs, não foi possível responsabilizar judicialmente a administração da empresa, o que reforça a percepção de falta de fiscalização e responsabilização por parte do governo.
A falta de fiscalização por parte do Estado é um tema recorrente nas críticas das organizações civis. A Tazetta Resources, por exemplo, foi recentemente apanhada a exportar areias pesadas de forma ilegal a partir de instalações portuárias improvisadas em Pebane. A situação gerou protestos dos jovens locais, que foram violentamente reprimidos pelas autoridades, criando um clima de desconfiança e insatisfação.
As OSCs também expressam preocupações em relação ao impacto potencial da mineração no contexto de outros projectos de desenvolvimento. O “Projecto de Meios de Subsistência Costeiros e Resiliência Climática (CLCR)” destaca que a exploração de areias pesadas ao longo da costa da Zambézia poderia destruir a produtividade do delta do rio Zambézia, com implicações sérias para a economia local e para o meio ambiente. Estimam-se perdas económicas na ordem dos 26 mil milhões de dólares, caso o projecto avance sem o devido cuidado e planeamento.
Além disso, as OSCs alertam que a concessão à Africa Yuxiao Mining poderia comprometer acordos internacionais, como o MCCompact, um acordo de cooperação entre os governos de Moçambique e dos Estados Unidos, avaliado em 530 milhões de dólares. Este acordo, que já foi assinado, poderia ficar sob pressão, caso o INAMI decida aprovar a concessão sem salvaguardar os interesses ambientais e sociais da região.
Consulta marcada e…desmarcada
Um dos episódios que marcaram o processo foi a tentativa de consulta com as comunidades locais. No dia 3 de Abril de 2024, o representante da Africa Yuxiao Mining, Frank Zhang, enviou convites a nove comunidades rurais da localidade de Madal, no distrito de Quelimane, para participar em reuniões sobre os aspectos sociais e ambientais da concessão mineira, incluindo um plano de reassentamento.
No entanto, as reuniões, que estavam programadas para Maio, foram canceladas pelo consultor da empresa, alegando falta de tempo por parte de uma das direcções nacionais competentes. Esse cancelamento foi interpretado pelas OSCs como mais uma prova da falta de seriedade e de transparência no processo.
Em resumo, as OSCs consideram que é prematuro conceder à Africa Yuxiao Mining a autorização para explorar as areias pesadas na Zambézia. Apelam ao Governo para que priorize o desenvolvimento sustentável da província e a protecção dos direitos das comunidades, antes de permitir qualquer exploração adicional de recursos naturais. Para essas organizações, a exploração de recursos minerais deve ser feita de forma soberana, garantindo que os benefícios sejam sentidos localmente, e não apenas no exterior, como tem acontecido em outros casos.