O Banco de Moçambique publicou recentemente o Relatório de Inclusão Financeira de 2023, revelando progressos consideráveis, mas também desafios críticos na promoção do acesso aos serviços financeiros em todo o País. O documento destaca um cenário misto de conquistas e obstáculos, onde a cooperação entre entidades públicas e privadas tem sido crucial para o aumento da inclusão financeira, embora persistam dificuldades na cobertura de áreas rurais e no alcance de metas ambiciosas.
Texto: Amad Canda
Nos últimos anos, a inclusão financeira tornou-se uma prioridade para o Governo moçambicano, com a Estratégia Nacional de Inclusão Financeira (ENIF) a servir de guia. Em 2023, o nível de execução das acções previstas pela ENIF subiu de 37% em 2022 para 52%, reflectindo uma maior coordenação entre os sectores envolvidos no processo. Este aumento resulta em grande parte das reformas legais e regulamentares que reforçaram o ambiente operacional para as instituições financeiras.
Um dos principais progressos apontados pelo relatório foi o fortalecimento do quadro jurídico. A regulamentação dos agentes bancários, bem como a protecção dos consumidores financeiros, foi actualizada e aprimorada, criando um ambiente mais seguro para os utilizadores de serviços financeiros. Estas mudanças, segundo o Banco de Moçambique, são fundamentais para promover a confiança e a eficiência no sistema financeiro.
A infra-estrutura financeira também registou melhorias significativas. A interoperabilidade entre bancos e Instituições de Moeda Electrónica (IME), facilitada pela rede nacional SIMO, permitiu uma maior integração do sistema financeiro. Este avanço possibilitou que o acesso da população adulta a serviços financeiros crescesse de 68,5% em 2022 para impressionantes 93,2% em 2023, um marco importante no aumento da inclusão financeira.
Outro aspecto positivo destacado foi o ambiente macroeconómico relativamente estável durante 2023. Graças ao que descreve de “gestão eficaz da política monetária”, o relatório indica que índice de inclusão financeira do País atingiu 15,13 pontos, contra os 13,99 registados no ano anterior. Este crescimento reflecte a eficácia das políticas económicas implementadas para promover um sistema financeiro mais acessível e inclusivo.
Zonas rurais representam desafio
No entanto, o relatório também aponta vários desafios. Um dos mais preocupantes é o acesso físico aos serviços financeiros, particularmente nas zonas rurais. Apenas 30,9% da população adulta tem acesso directo a serviços bancários formais, uma cifra muito abaixo da meta de 60% estabelecida para 2022. Esse dado revela as dificuldades enfrentadas na expansão da rede bancária física para regiões mais remotas do País.
Para mitigar esse desafio, o recurso às IME tem sido uma solução. Com o uso de tecnologia móvel, as IME conseguiram alcançar 93,2% da população adulta, mostrando o potencial das soluções financeiras digitais em áreas onde a infra- -estrutura bancária tradicional é limitada. No entanto, o relatório indica que ainda há muito a fazer para melhorar o acesso a serviços financeiros formais.
O acesso físico a serviços financeiros também continua a ser uma questão premente nas áreas rurais. Apenas 53,3% da população vive a menos de 5 km de um ponto de acesso a serviços financeiros, uma cifra que não atinge a meta de 75%. A distância continua a ser um dos principais obstáculos, especialmente para as comunidades mais isoladas, que enfrentam desafios logísticos significativos.
Fraca literacia económica
A educação financeira também foi identificada como uma prioridade. O relatório sublinha que os níveis de literacia financeira, especialmente em zonas rurais, são preocupantemente baixos. A população, muitas vezes, não tem o conhecimento necessário para gerir adequadamente os seus recursos financeiros, o que impede uma utilização eficiente dos serviços disponíveis.
O Banco de Moçambique prevê a implementação de uma nova estratégia de educação financeira para o período 2024- 2028. Esta iniciativa visa capacitar a população, dotando-a de conhecimentos e habilidades essenciais para tomar decisões financeiras informadas e promover práticas financeiras saudáveis. Esta acção, sublinha o documento, será crucial para a sustentabilidade dos progressos já alcançados.
Outro ponto abordado no relatório é a importância de uma coordenação contínua entre as entidades governamentais, o sector privado e os parceiros de desenvolvimento. A colaboração entre esses actores tem sido vital para garantir a implementação eficaz da ENIF e para o financiamento de infra-estruturas financeiras nas áreas mais necessitadas.
A inclusão financeira feminina também recebeu destaque no relatório. Embora tenham sido feitos progressos, ainda há um fosso considerável entre homens e mulheres no acesso a serviços financeiros. Programas específicos voltados para mulheres empreendedoras e a expansão de soluções digitais podem ajudar a reduzir esse desequilíbrio.
Adicionalmente, o relatório destaca a necessidade de inovar no desenvolvimento de produtos financeiros adaptados às realidades locais. Soluções que levem em conta as necessidades específicas das comunidades rurais e o contexto económico local podem ser fundamentais para aumentar a adesão a serviços financeiros nessas regiões.
O Banco de Moçambique também reafirmou o seu compromisso com a aprovação de uma nova Estratégia Nacional de Inclusão Financeira para o período 2025- 2031. Este novo plano deverá delinear objectivos mais ambiciosos e fortalecer as bases do sistema financeiro moçambicano, com um foco particular nas áreas rurais e nos grupos vulneráveis.
Outro desafio significativo identificado é a manutenção de um ambiente macroeconómico estável, que permita a continuidade do crescimento da inclusão financeira. A inflação, o crescimento económico e a estabilidade política serão factores determinantes para o sucesso da próxima fase de implementação da ENIF.
O relatório menciona ainda a importância de diversificar as fontes de financiamento para a inclusão financeira. O papel das instituições internacionais e dos doadores será fundamental para apoiar os investimentos necessários à expansão das infra-estruturas e serviços financeiros.
A sustentabilidade ambiental e a inclusão financeira também foram temas discutidos. Há uma crescente consciência sobre como soluções financeiras podem ser desenhadas para apoiar iniciativas verdes e sustentáveis, especialmente em comunidades rurais que dependem fortemente da agricultura.
Por fim, o relatório conclui que, apesar dos desafios, Moçambique tem feito progressos tangíveis na expansão do acesso aos serviços financeiros. A inclusão financeira é vista como uma ferramenta vital para a redução da pobreza e o crescimento económico inclusivo. No entanto, o sucesso futuro dependerá da capacidade do país de continuar a inovar e a colaborar entre sectores.
Com o compromisso contínuo do governo e o apoio dos parceiros internacionais, espera-se que Moçambique possa alcançar as metas estabelecidas e garantir que cada vez mais moçambicanos tenham acesso aos serviços financeiros de que precisam para melhorar as suas vidas