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Quem responsabiliza os órgãos eleitorais?

As recentes manifestações violentas, que mancham de sangue e de dor as ruas das principais cidades do País, trazem à tona uma questão crucial para a democracia moçambicana: quem responsabiliza a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) pela organização de eleições que sistematicamente alimentam a desordem e empurram o País para o caos? É um questionamento necessário, pois há muito que se sabe que eleições livres, justas e transparentes seriam o alicerce de uma paz duradoura e da estabilidade política, ao retirar o pretexto para os protestos e a violência subsequente.

O próprio presidente da CNE, numa admissão rara e preocupante, reconheceu publicamente irregularidades nas eleições de 9 de Outubro. Ora, ao admitir falhas num processo que deveria, por sua natureza, ser conduzido com a maior lisura e rigor, a CNE assume, ainda que de forma indirecta, a sua responsabilidade nos acontecimentos que se seguiram. O reconhecimento das irregularidades deveria ser acompanhado de uma disposição em remediar as falhas e corrigir o percurso. Contudo, até agora, o que se observa é um silêncio ensurdecedor e uma ausência de mecanismos eficazes de prestação de contas.

A falta de transparência no processo eleitoral alimenta um sentimento de descrença generalizada entre os eleitores. Esta ausência de confiança mina o próprio exercício democrático, uma vez que, ao não acreditarem na integridade das eleições, os cidadãos perdem também a fé nas instituições que lhes deveriam servir e protegê-los. A CNE e o STAE são órgãos centrais no sistema democrático, e, ao falharem no cumprimento do seu mandato, põem em causa não só o presente, mas o futuro de um País que há muito clama por estabilidade.

O problema é que, ao escaparem sempre “por entre os pingos da chuva”, os responsáveis pela condução do processo eleitoral perpetuam um ciclo de impunidades. A falta de responsabilização permite que as mesmas práticas opacas e os mesmos erros se repitam eleição após eleição, como se a democracia fosse um jogo sem consequências. Esta postura, para além de perigosa, desrespeita todos os moçambicanos que esperam, com o seu voto, contribuir para o desenvolvimento de uma nação justa e próspera.

A irresponsabilidade da CNE e do STAE não é apenas uma questão política, é também uma questão moral. Cada vida perdida em manifestações violentas, cada família enlutada, cada economia local paralisada devido ao caos, é uma ferida aberta no tecido social moçambicano. Até quando se permitirá que estes organismos prossigam com práticas eleitorais duvidosas sem qualquer consequência? É imperioso que o País repense as bases da sua organização eleitoral e se pergunte quem está a proteger, de facto, a democracia.

A contínua falta de transparência agrava a situação socioeconómica do País, que já enfrenta dificuldades imensas. Quando manifestações interrompem o fluxo económico e afectam a estabilidade de empresas e famílias, o País retrocede. E a CNE e o STAE, ao não assegurarem eleições justas, tornamse cúmplices desse atraso. Numa altura em que Moçambique precisa de paz para avançar, as práticas eleitorais irregulares são um verdadeiro veneno que alimenta o descontentamento popular e que impede o progresso.

É indispensável que as irregularidades eleitorais não fiquem sem resposta. O apelo à responsabilização não é um capricho, é uma exigência básica de qualquer democracia que pretenda ser séria e respeitável. Não se trata apenas de punir os responsáveis, mas de estabelecer um precedente que desmotive novas infracções. É tempo de as instituições assumirem as consequências dos seus actos, contribuindo para a paz e para a confiança que o povo depositou nelas.

A cada novo acto eleitoral, surgem as mesmas acusações de fraude e manipulação, como se fosse inevitável que a democracia em Moçambique seja uma sombra do que deveria ser. Este ciclo vicioso perpetua um sistema onde a vontade popular é manipulada, onde os direitos dos eleitores são ignorados, e onde a violência parece ser a única via para expressar descontentamento. O País não pode continuar assim. Para que uma verdadeira democracia floresça, é essencial que os organizadores do processo eleitoral actuem de forma honesta e íntegra.

É por isso que defendemos que a CNE e o STAE devem ser responsabilizados pelas irregularidades que marcaram as sétimas eleições gerais. Ao permitirem que um processo de tamanha importância decorra de forma tão duvidosa, prejudicam directamente a paz e a estabilidade de Moçambique. Ao fim de tantas eleições problemáticas, é hora de o País dizer basta e exigir mudanças concretas, que assegurem que os próximos actos eleitorais não sigam a mesma trajectória de opacidade e conflito.

Para além de exigir transparência e responsabilidade, o País precisa de reformas profundas no seu sistema eleitoral. Reformas que promovam uma fiscalização rigorosa e independente dos processos, e que tragam justiça e equidade ao exercício democrático. A ausência destas mudanças significará, na prática, uma conivência com um sistema que fracassa continuamente. A democracia em Moçambique não pode ser refém de interesses obscuros nem de omissões irresponsáveis.

É, pois, necessário que a CNE e o STAE deixem de ser organismos intocáveis e assumam as suas responsabilidades. A democracia moçambicana merece instituições que estejam à altura desse desafio e que actuem em benefício do povo. O tempo de escapar por entre os pingos da chuva chegou ao fim. Chegou a hora de prestar contas. Chegou a hora de responder pelos actos, de trazer clareza aos processos eleitorais e de garantir a paz que todos os moçambicanos merecem.

Moçambique não pode continuar a ser refém de eleições caóticas e de instituições inoperantes. O país precisa de uma mudança, e esta mudança só virá com a responsabilização. Se, nas próximas eleições, a CNE e o STAE não forem capazes de garantir um processo livre, justo e transparente, então o povo moçambicano terá, mais uma vez, sido traído.

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