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Ainda não há risco de ruptura de stock em Maputo, Gaza e Tete

A crise política em Moçambique, despoletada pela contestação aos resultados das eleições gerais de 9 de Outubro, atingiu uma nova fase com o bloqueio de fronteiras como estratégia de manifestação. Esta acção ameaça colocar o País numa situação de desabastecimento, agravada pela forte dependência de importações, especialmente da África do Sul. Entretanto, pelo menos até ao momento, não há motivos de alarme pelo menos nas províncias de Maputo, Gaza e Tete, garantiram ao Dossier Económico os respectivos directores provinciais da Indústria e Comércio.

Texto: Milton Zunguze

As províncias de Maputo e Gaza, que partilham fronteiras com o País vizinho África do Sul, são as mais afectadas devido à sua proximidade geográfica e à dependência histórica de produtos básicos provenientes do mercado sul-africano. Por outro lado, a província de Tete, embora mais distante, também enfrenta desafios, mas conta com reservas que podem garantir o abastecimento durante um curto período.

Gaza: auto-suficiência em hortícolas, escassez em produtos importados 

Em Gaza, a directora provincial da Indústria e Comércio, Lúcia Matimela, revelou que a província tem conseguido manter um nível satisfatório de auto-suficiência em produtos hortícolas, fundamentais para o consumo local e para o abastecimento da Cidade de Maputo.

“Temos a vantagem de ser auto-suficientes em grande parte das hortícolas que consumimos internamente. Inclusive, contribuímos para abastecer o mercado de Maputo, especialmente o mercado [Grossista] de Zimpeto”, explicou Matimela em declarações exclusivas ao Dossier Económico.

Contudo, a dirigente admitiu que a interrupção das cadeias de abastecimento, causada pelo bloqueio das fronteiras, com particular realce para a de Ressano Garcia, a maior entre Moçambique e África do sul, já começa a afectar a disponibilidade de produtos essenciais importados, como batata e cenoura. “Nós dependemos da importação destes produtos e, devido às paralisações, já sentimos sinais de escassez”, alertou.

Além disso, a oscilação de preços tem sido um dos maiores desafios enfrentados pelos consumidores. Matimela reconheceu que a alta procura e a baixa oferta tornam difícil manter os preços estáveis. “Um dia tem um preço, no outro tem outro preço. Esta irregularidade no abastecimento está a pressionar o mercado, embora ainda não de forma exorbitante”, afirmou.

A proximidade geográfica com Maputo, que sempre foi uma vantagem estratégica para Gaza, está agora a expor a falta de infra-estruturas adequadas, como armazéns de grande capacidade. “Nunca se viu a necessidade de investir em armazéns devido à facilidade de reposição a partir de Maputo. Contudo, esta situação mostrou- -nos que dependemos grandemente da regularidade nas importações e no transporte interno”, admitiu a directora.

Província de Maputo: stock reposto após primeiro bloqueio 

Na província de Maputo, um dos principais pontos de entrada de mercadorias no País, os efeitos das manifestações e do encerramento da fronteira de Ressano Garcia com a África do Sul foram sentidos de forma significativa. Contudo, segundo Joel Nhassengo, director provincial da Indústria e Comércio, a situação tem vindo a normalizar-se, garantindo uma preparação adequada para enfrentar a quadra festiva.

Nhassengo destacou quatro aspectos directamente afectados pelas manifestações: os preços dos produtos básicos, a disponibilidade de bens essenciais, os impactos no sector comercial e industrial, e as acções de monitoramento implementadas pelo Governo para mitigar os danos.

Apesar das dificuldades iniciais, o director provincial afirmou que a província de Maputo conseguiu recuperar rapidamente a disponibilidade de bens de primeira necessidade, como grão de milho, trigo e óleo alimentar. “A província de Maputo tremeu um pouco naquelas manifestações de sete dias, que resultaram no encerramento da fronteira de Ressano Garcia. Mas temos stock, principalmente de produtos básicos, e perspectivas de enfrentar a quadra festiva sem problemas”, assegurou Nhassengo.

Com a reabertura da fronteira, a circulação de transportes de carga foi retomada (há, no entanto, interrupções temporárias), permitindo o abastecimento regular dos mercados e a estabilização gradual dos preços. “Estamos devidamente abastecidos, e a tendência de estabilização de preços retomou”, sublinhou.

Infra-estruturas afectadas pela insegurança

A paragem parcial das actividades durante o período de bloqueio também teve impacto nas infra-estruturas comerciais e industriais da província, especialmente nos distritos de Matola e Boane. Segundo Nhassengo, o medo de transportadores e comerciantes em movimentar mercadorias afectou tanto o fornecimento como a produção.

“O receio de transportadores em tirar mercadorias da indústria para os locais de distribuição afectou ambos os lados: a indústria parou de produzir porque tinha stock acumulado nos armazéns, e os vendedores pararam de vender porque não estavam a receber produtos”, explicou.

Entre as infra-estruturas afectadas estão grandes unidades comerciais e industriais, incluindo estabelecimentos de venda de insumos agrícolas, bebidas alcoólicas e indústrias de processamento. Estas unidades desempenham um papel crucial no fornecimento de produtos para o mercado local e para outras províncias do País.

Preparação para a quadra festiva 

Apesar das dificuldades enfrentadas, o director provincial demonstrou confiança na capacidade da província de Maputo em manter o abastecimento durante o final do ano. A retoma das actividades comerciais aliada às acções de monitoramento em curso, visa assegurar que os consumidores tenham acesso aos bens necessários durante a quadra festiva, evitando a repetição dos desequilíbrios verificados durante os bloqueios.

“A retoma da circulação e o abastecimento gradual mostram que estamos a recuperar, e é fundamental que a estabilidade seja mantida para garantir o bem-estar da população e o funcionamento normal da economia”, concluiu Nhassengo.

Tete: reservas para um mês, mas com cautela

Já na província de Tete, embora o impacto directo das manifestações seja menor, as autoridades locais alertam para o facto de que os bloqueios podem, eventualmente, afectar o abastecimento a médio prazo.

“Os nossos levantamentos mostram que temos capacidade para suprir as necessidades da província por cerca de um mês, mas isso depende muito da estabilidade nos próximos dias. O consumo é sempre mais elevado nesta época do ano, e as manifestações prolongadas poderão criar desequilíbrios”, afirmou Ofélio Jeremias, director provincial da Indústria e Comércio.

Apesar da relativa tranquilidade, Tete também depende de produtos importados, sobretudo materiais de mercearia e combustíveis, cujos preços podem disparar caso as fronteiras permaneçam bloqueadas.

Impacto económico e apelo ao diálogo 

A paralisação nas fronteiras já começa a ter reflexos na economia nacional. Além do impacto directo nos preços e na disponibilidade de produtos, sectores como a indústria transformadora, os transportes e o comércio enfrentam dificuldades para operar normalmente.

Por via disso, Lúcia Matimela apelou à ponderação por parte dos manifestantes, pedindo que as manifestações sejam conduzidas de forma responsável, sem bloquear a circulação de bens e pessoas. “O direito à manifestação é constitucional e deve ser respeitado, mas é importante lembrar que todos sofremos com os efeitos destas paralisações. A economia do País está em jogo, e o prejuízo afecta tanto os cidadãos como as empresas”, afirmou.

Com o prolongamento das manifestações, que estão agora na primeira parte da quarta fase, Moçambique enfrenta o risco de um desabastecimento generalizado, sobretudo nas províncias mais dependentes de importações. A ausência de soluções rápidas poderá agravar os já existentes desafios económicos, prejudicando ainda mais a população.

A necessidade de diálogo entre o Governo e o líder dos manifestantes, na circunstância Venâncio Mondlane, torna-se, assim, urgente para encontrar soluções que garantam a estabilidade política e económica do País, evitando impactos mais severos no curto e médio prazo.

Texto extraído na edição 141 do Jornal Dossier económico

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