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EXPLORAÇÃO DE TERRAS: Estudo aponta Xinavane como exemplo de resistência

Um estudo conduzido pela investigadora Alicia Hayashi Lazzarini, publicado na colectânea Desafios para Moçambique 2024, do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), analisa a forma como a exploração de terras em Xinavane, província de Maputo, no sul de Moçambique, gerou sucessivas ondas de expropriação e resistência comunitária. O trabalho intitulado “Reinvestimento, Corridas aos Recursos e a Inalienabilidade do Lugar: As Estratificações Activas da Terra em Moçambique” lança luz sobre os impactos históricos e contemporâneos da corrida aos recursos na região.

Texto: Dossier Económico

Ao longo de mais de um século, Xinavane, no distrito da Manhiça, foi palco de intensas disputas em torno das terras. Desde o período colonial até os dias actuais, a região tornou-se um centro de investimento agroindustrial, especialmente para a produção de açúcar. No entanto, esse investimento tem sido acompanhado por sucessivas expropriações, prejudicando as comunidades locais que dependem da terra para sua subsistência.

A terra como mercadoria

Lazzarini argumenta que as tentativas de transformar a terra em Xinavane numa mercadoria capitalista não alcançaram pleno sucesso. Apesar dos esforços para alinhar a região aos interesses económicos globais, a resistência das comunidades locais continua a desafiar as narrativas dominantes de desenvolvimento e progresso económico.

A história da exploração de terras em Xinavane remonta à década de 1910, quando a empresa britânica Incomati Estates introduziu a produção de açúcar na região. Utilizando-se de trabalho forçado e manipulação legal, a empresa conseguiu controlar grandes extensões de terras. Entretanto, a resistência das comunidades locais impediu que a sua influência fosse total, expondo as fragilidades desse modelo de exploração.

Com a independência de Moçambique em 1975, a terra tornou-se um símbolo de soberania e reforma socialista. O Governo da Frelimo nacionalizou a maior parte das indústrias, incluindo as propriedades de Xinavane, e tentou devolver algumas terras às comunidades. No entanto, a guerra civil e a transição para uma economia capitalista no final da década de 1980 reverteram muitos desses ganhos.

Em 1996, a multinacional sul-africana Tongaat Hulett assumiu o controlo da Açucareira de Xinavane, em parceria com o Governo moçambicano. A empresa expandiu as plantações para mais de 18 mil hectares, utilizando antigas concessões coloniais e criando novas parcelas de terras para cultivo. A retórica oficial descreveu o investimento como um exemplo de sucesso, mas a realidade para as comunidades locais foi bem diferente.

O impacto nas comunidades

A expansão das plantações agravou as condições de vida das comunidades, que foram deslocadas de suas terras e perderam acesso a recursos essenciais. “A narrativa de sucesso económico esconde os impactos sociais devastadores para os residentes locais”, afirma Lazzarini no estudo.

Embora a legislação moçambicana exija consultas comunitárias para a concessão de terras, o estudo revela que essas consultas muitas vezes são manipuladas ou conduzidas de forma superficial. As comunidades são frequentemente deixadas sem voz nas decisões que afectam directamente suas vidas.

Lazzarini observa que muitas das práticas contemporâneas de exploração da terra em Xinavane se baseiam em estruturas coloniais herdadas, como a legislação agrária e os sistemas cadastrais. Apesar da independência, essas estruturas continuam a privilegiar os interesses das empresas em detrimento das comunidades locais.

As comunidades de Xinavane têm demonstrado uma forte capacidade de resistência. Mesmo diante de pressões económicas e sociais, os residentes mantêm uma ligação cultural e histórica profunda com a terra, recusando-se a aceitar sua alienação completa.

Embora o Governo moçambicano tenha promovido o investimento estrangeiro como uma forma de desenvolvimento, o estudo questiona até que ponto essas políticas beneficiam realmente as populações locais. “O Governo tem favorecido consistentemente os interesses das empresas, muitas vezes em detrimento dos direitos das comunidades”, escreve Lazzarini.

A Importância de Xinavane no contexto nacional

O caso de Xinavane reflecte um padrão mais amplo em Moçambique, onde vastas áreas de terra foram concedidas a empresas estrangeiras ao longo das últimas décadas. Lazzarini destaca que a resistência das comunidades em Xinavane é um exemplo da luta por justiça territorial em todo o País.

Para as comunidades locais, Xinavane não é apenas uma área de produção de açúcar, mas um espaço carregado de significados históricos e sociais. Essa ligação intrínseca com a terra torna impossível separá-la completamente de seu contexto cultural, mesmo diante das pressões do mercado.

O estudo de Lazzarini é um apelo para que o desenvolvimento económico em Moçambique seja repensado. Em vez de se concentrar exclusivamente nos interesses das empresas, as políticas devem priorizar as necessidades e os direitos das comunidades locais.

A autora também sublinha a importância da sociedade civil e das organizações comunitárias na defesa dos direitos territoriais. “A resistência local precisa ser apoiada por esforços nacionais e internacionais para garantir justiça e equidade no uso da terra”, afirma.

O caso de Xinavane é emblemático das tensões entre desenvolvimento económico e justiça social em Moçambique. Enquanto as empresas e o governo promovem narrativas de progresso, as co munidades locais continuam a lutar para preservar sua ligação com a terra e garantir um futuro mais justo.

O estudo conclui que o verdadeiro desenvolvimento deve incluir as vozes das comunidades e respeitar sua ligação histórica e cultural com a terra. Sem isso, as corridas aos recursos continuarão a gerar desigualdades e conflitos em Moçambique.

Xinavane, mais do que um exemplo de sucesso industrial, é um símbolo de resistência comunitária e um lembrete da importância de repensar o desenvolvimento de forma inclusiva e sustentável.

Texto extraído na edição 587 do Jornal Dossiers & Factos 

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