Sete anos depois do desabamento da lixeira de Hulene, que resultou em 17 mortes e cinco feridos, para além de desabrigar 200 famílias, o encerramento da maior lixeira do País ainda não tem data prevista. Na sequência do fatídico incidente, o Governo moçambicano assegurou que procederia com o encerramento da mesma, mas, até ao momento, nada foi feito e sequer há perspectivas.
Texto: Dossiers & Factos
Até finais de 2019, a tragédia de Hulene havia custado cerca de 100 milhões de meticais aos cofres do Estado, parte dos quais investidos na vedação do recinto e no apoio às famílias directamente afectadas.
Nessa altura, o Governo comprometeu-se a construir 300 casas para reassentar as famílias atingidas na zona de Possulane, no distrito de Marracuene. A promessa era fazê-lo em 12 meses, mas a verdade é que ainda há residências por entregar, tal é a lentidão no processo de construção.
Mais do que isso, ficou a garantia de que o aterro seria definitivamente encerrado para prevenir novas tragédias, um plano que, volvidos seis anos, teima em não sair do papel. Em conversa com Dossiers & Factos, a chefe do quarteirão de Hulene “B”, Elina Francisco, disse desconhecer as razões que levam a que o Governo e o Conselho Municipal da Cidade de Maputo não estejam a cumprir a promessa.
“Eu não posso confirmar directamente o que tem acontecido para a lixeira não ser encerrada. Os órgãos superiores é que podem esclarecer isso, eu não posso falar coisa que não sei, eu também sou munícipe, estou à espera que aconteça esse trabalho”, afirmou.
A responsável, que também integra o Comité Local de Redução do Risco de Desastres, sabe apenas que o Governo está a envidar esforços para mitigar os efeitos das chuvas que se esperam neste final do ano e início do próximo, no quadro da época chuvosa e ciclónica. “
O que eu sei é que o governo já começou a se movimentar desde o início deste mês. Já começaram a montar tubos para conseguir aliviar águas provenientes da chuva”, referiu.
A falta de informações concretas sobre o plano de encerramento da lixeira é uma característica generalizada entre os moradores de Hulene, como é o caso do jovem Tomás, que só se lembra de ter ouvido “promessas atrás de promessas”.
“Quando desabou a lixeira, em 2018, prometeram removê-la e substituí-la por um aterro sanitário melhor, mas até agora não houve nada e, a cada dia, o lixo aumenta”.
Dossiers & Factos contactou a vereadora de Saúde e Acção Social da Edilidade de Maputo, que, até ao fecho desta edição, não se mostrou disponível para falar.
Entre a saúde e a renda
Com cerca de 25 hectares de extensão, a lixeira de Hulene é o maior aterro sanitário do País. Diariamente, são depositados no local mais de 1200 toneladas de resíduos sólidos, que, por sua vez, atraem recicladores de diferentes bairros da cidade e província de Maputo que têm na lixeira uma fonte de renda.
Este facto constitui um verdadeiro dilema para as famílias que moram ao redor da lixeira, que, embora entendam a necessidade de encerrá-la, temem que esta decisão, a concretizar-se, agudize os níveis de pobreza.
“Como munícipe, acho que a lixeira não é uma mais-valia. O simples facto dela estar aqui, próximo às nossas residências, faz com que corramos vários riscos de saúde, há várias doenças que podemos contrair. Mas, ao se encerrar a lixeira, o nível de pobreza, violência, furto e muito mais vão aumentar”, alerta Tomás Simango, de 28 anos.
Já o chefe do quarteirão 121 de Hulene compreende os argumentos de quem alega que o encerramento criará “desemprego”, mas sublinha que é necessário, apontando como único entrave o facto de o aterro de Matlemele ainda não estar disponível.
Outro facto preocupante destacado pelos moradores é que algumas crianças são obrigadas pelos pais a largar a escola para ajudar os mesmos na reciclagem do lixo, acabando por desenvolver vício pelo dinheiro e perder o gosto pelas aulas.
“Eu sou da opinião de que a lixeira deve ser encerrada porque a maioria dos catadores que estão neste local não tem nível médio concluído. Por causa da lixeira, as crianças deste bairro não têm tempo para estudar, estão sempre na lixeira. Isso acontece quando os pais frequentam aquele sítio e os seus filhos são obrigados a largar a escola para ajudar os seus pais a fazer dinheiro”, declarou Elina Francisco.
Os munícipes são unânimes em apelar para o encerramento, mas exortam quem de direito a encontrar alternativas para os catadores de lixo.
Educação ambiental pode ser a solução para “Hulene”
A proclamação da independência nacional foi seguida de uma guerra civil de 16 anos que provocou uma enorme onda migratória para o Sul do País, especialmente para a cidade de Maputo, o que, por sua vez, gerou uma série de desafios, incluindo na gestão de resíduos sólidos.
De acordo com o ambientalista Rui Silva, a capital moçambicana não tem condições para responder ao fluxo populacional que se têm registado desde então e, como resultado, surgiram assentamentos informais, incluindo em áreas ao redor de antigos locais de despejo, como é o caso da lixeira de Hulene.
“Após a independência, muitas pessoas acabaram saindo das suas zonas para o sul do País, concretamente Maputo e Matola. Na altura, a cidade de Maputo era uma cidade que estava preparada para cerca de 450 mil pessoas e, neste momento, temos basicamente o triplo, ou seja, por um lado, as autoridades não estão preparadas para acolher tanta gente e, por outro lado, as pessoas acabaram por se aproximar à zona da lixeira”, anota.
Silva acredita que, em vez de apenas focar-se nas dificuldades, é procurar soluções positivas, como a separação de resíduos, que pode contribuir para a redução da poluição e ajudar na melhoria das condições de vida das pessoas que vivem perto da lixeira.
“Nós podemos colaborar bastante se fizermos uma separação básica. Ou seja, se nos habituarmos a fazer uma simples separação do lixo húmido, o papel, o vidro, o metal etc., estaremos a ajudar bastante na redução do impacto, enquanto não temos um aterro sanitário que será o ideal”.
Silva sublinha ainda que separar devidamente o lixo ajudaria os próprios catadores a trabalhar com mais eficiência, contribuindo assim para a melhoria das suas condições de vida.
Aproveitar o lixo para gerar energia renovável
O Governo moçambicano lançou, em Novembro de 2018, o projecto “Energia para Todos”, com o objectivo de electrificar todo País até 2030. Porém, o acesso à energia em Moçambique ainda é limitado, principalmente nas zonas rurais.
Ora, na opinião de Rui Silva, o lixo pode ser importante para o alcance desse desiderato. “Há um estudo que diz que, se transformássemos os gases que são libertados da lixeira de Hulene, conseguiríamos garantir, em termos energéticos, cerca de 12% de energia que é necessária na cidade. Ou seja, se houvesse um apagão geral, determinados pontos teriam energia garantida. Estamos a falar de hospitais, esquadras e outras instituições que sejam fundamentais”, disse.
Entretanto, Silva diz que Moçambique não tem capacidade para gerar energia através do lixo, pelo que seria necessário recorrer à famigerada ajuda externa. “Este tipo de projecto é muito caro e carece de apoios internacionais” afirmou
Chuva aumenta o perigo
Em finais de Outubro, o Instituto Nacional de Gestão e Redução de Riscos e Desastres (INGD) anunciou a previsão de chuvas acima do normal na cidade de Maputo entre Outubro e Março de 2025. O INGD afirmou ainda que cerca de 72 000 pessoas em 34 bairros da cidade de Maputo poderão ser afectadas. Entre eles está o bairro de Hulene, que até ao momento tenta se recuperar dos efeitos das inundações passadas.
Tendo isso em mente, Rui Silva apela aos moradores do bairro para tomarem as devidas precauções e manterem-se informados. “Desde logo, estar atento às informações que as próprias autoridades irão dar na preparação dessa época chuvosa e cada pessoa tem que tomar próprias precauções”.
De salientar que o deslizamento da lixeira de Hulene, que ocorreu na madrugada da terça-feira (19.02.2018), foi causado, em parte, pelo impacto das chuvas que se fizeram sentir à época.