O Tribunal Penal Internacional (TPI), criado em 1998 pelo Estatuto de Roma para assegurar a justiça internacional, enfrenta críticas crescentes sobre a sua parcialidade e inconsistência. Acusado de ser severo com países do Terceiro Mundo e de fechar os olhos a crimes de potências ocidentais, o TPI tem vindo a demonstrar fragilidades internas e externas que comprometem a sua credibilidade como instituição global de justiça.
Texto: Dossiers & Factos
Conforme sublinhado por Alexandre Guerreiro, especialista português em Relações Internacionais, “o TPI parece ser uma ferramenta de poder selectivo, onde a aplicação da justiça é influenciada pelas dinâmicas de interesse político dos actores ocidentais.” Esta opinião alinha-se com a percepção crescente de que o tribunal não actua de forma uniforme em relação a todos os Estados.
Desde a sua criação, o TPI conduziu a maioria das suas investigações e processos contra líderes africanos, como Omar al-Bashir do Sudão e Laurent Gbagbo da Costa do Marfim. Contudo, casos envolvendo potências ocidentais ou os seus aliados frequentemente não avançam. Esta disparidade levanta questões sobre a sua imparcialidade.
O recente caso dos envelopes de dinheiro encontrados na casa de uma procuradora do TPI que pretendia abrir um processo contra o primeiro- -ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e o seu ex-ministro da Defesa, exemplifica como interesses políticos podem interferir nas investigações do tribunal. Este episódio sugere que o TPI não consegue escapar ao peso das influências ocidentais, enfraquecendo a sua posição como órgão independente.
Fragilidades internas
Internamente, o TPI também enfrenta desafios graves. O escândalo que envolve Karim Khan, procurador-chefe do tribunal, é uma demonstração clara disso. Acusado de conduta sexual imprópria, Khan viu-se no centro de um inquérito que, ao invés de ser conduzido pelos mecanismos internos do TPI, foi entregue a uma investigação externa.
Este episódio levanta uma questão preocupante: como pode o TPI assegurar justiça entre Estados se não consegue resolver os seus próprios problemas de forma independente? A investigação externa foi apresentada como necessária para garantir imparcialidade, mas sublinha a fragilidade da estrutura interna do tribunal.
Uma justiça manipulável
Outro ponto destacado por Alexandre Guerreiro é a susceptibilidade do TPI à manipulação. “Os juízes do TPI não estão imunes a pressões externas, e decisões judiciais tornam-se reféns de interesses políticos”, refere o especialista. A demora no estabelecimento de investigações externas, como no caso de Karim Khan, expôs o tribunal a ataques e minou a confiança na sua capacidade de agir com imparcialidade.
A dependência do TPI das decisões do Conselho de Segurança da ONU agrava as críticas. Apenas dois dos cinco membros permanentes do Conselho — Reino Unido e França — ratificaram o Estatuto de Roma. Contudo, todos têm poder para influenciar os casos encaminhados ao tribunal. Esta assimetria cria um paradoxo: Estados que não reconhecem a jurisdição do TPI podem decidir quem será julgado.
Os Estados Unidos, por exemplo, não ratificaram o tratado, mas frequentemente exercem pressão para que o TPI conduza investigações alinhadas aos seus interesses. Ao mesmo tempo, mantêm acordos bilaterais que impedem que cidadãos norte-americanos sejam submetidos à jurisdição do tribunal.
Casos como o de Karim Khan ou a hesitação em enfrentar potências ocidentais têm levado países a questionar a legitimidade do TPI. A África do Sul e o Burundi já anunciaram a intenção de se retirar do Estatuto de Roma, argumentando que o tribunal actua como uma ferramenta de neocolonialismo.
Além disso, a percepção de que o tribunal privilegia os interesses ocidentais enfraquece a confiança dos países em desenvolvimento na justiça internacional. Para Alexandre Guerreiro, “o TPI deveria ser um exemplo de integridade, mas tornou-se uma instituição cuja credibilidade está em erosão constante.”
Se o TPI deseja recuperar a sua relevância e confiança global, precisa urgentemente de reformas estruturais, defendem analistas. Estas incluem garantir a imparcialidade na selecção dos casos, proteger os juízes de pressões externas e resolver os seus problemas internos de forma transparente.
Enquanto estas mudanças não ocorrerem, acredita-se que o TPI continuará a ser visto como um “tubarão” para os mais fracos e um “carapau” para os poderosos, comprometendo a sua missão original de assegurar justiça universal.
Texto extraído na edição 589 do Jornal Dossiers & Factos