Por Sérgio dos Céus Nelson [2]– Terapeuta
E-mail: sergiodoscnelson@gmail.com
Vivemos tempos de batalhas silenciosas, onde muitas feridas não são vistas a olho nu, mas são sentidas no peso dos dias, na exaustão da mente e no aperto sufocante do coração. As cicatrizes, que prefiro apelidar de “invisíveis”, da alma carregam dores que palavras nem sempre conseguem descrever, mas que moldam vidas, influenciam escolhas e limitam sonhos.
Ansiedade, depressão, esgotamento emocional e outros sentimentos similares são doenças psicológicas muitas vezes subestimadas, mas que afectam multidões. Quem olha de fora pode não enxergar as tempestades que devastam por dentro, afinal, muitos aprendem a sorrir enquanto sangram internamente e decidem seguir em frente mesmo sem forças, escondendo suas vulnerabilidades, por medo do julgamento ou da incompreensão.
Em 2016 (enquanto residente do Bairro de Maxaquene – Maputo) recebi uma ligação de uma pessoa então conhecida. Ela queria se despedir, porque achava que o mundo já não tinha sentido. Acreditava que no suicídio sobejava o remédio para os traumas que enfrentava. Parei todas as actividades para compreender a dor que ela estava a enfrentar e sugerir caminhos para que ela enfrentasse, ultrapassasse e encontrasse curas para a dor que sentia. Digo isto porque muita das vezes as pessoas sentem-se só e sem alguém que os dê o devido amparo quando a neblina e os trovões da vida são demasiadamente fortes.
A verdade é que a saúde mental não pode mais ser tratada como um detalhe, um luxo ou uma questão de força de vontade. Talvez o País (Moçambique, em particular) e as devidas políticas públicas precisem anexar estes desafios no contexto da saúde pública. Ademais, o sofrimento emocional tem impacto real: destrói relacionamentos, paralisa carreiras, afecta o corpo e tira a cor (o arco íris) da vida. Não se trata de fraqueza, mas de um peso que ninguém deveria carregar sozinho.
Acredito fortemente que precisamos olhar para tais feridas com empatia e criar espaços onde as pessoas possam falar sem medo, onde pedir ajuda seja um acto de coragem e não de vergonha, até porque cuidar da mente é tão essencial quanto cuidar do corpo. Tenho notado cenários de pessoas que preferem engolir suas dores porque acredita que ninguém as vai compreender – e nessa letargia acabam por se isolar do mundo, das pessoas próximas, sem perceber que os traumas vão inundando sua paz interior.
O meu Professor Jair Soares (Psicólogo e Terapeuta), aquando da minha mais recente curta formação sobre Terapia de Reprocessamento Generativo (TRG) disse que – e cito: “toda emoção/sentimento tem lógica”. Compreendo este raciocínio mencionando o facto que muitas vezes notamos baixos índices de serotonina por causa dos medos e escuridão que assombram nossas mentes. É preciso e fundamental que compreendas que a sua dor é válida e que existem saídas para as cicatrizes invisíveis que enfrentas. Tais desafios não precisas enfrentá-los sozinho. Buscar apoio é um passo fundamental, e cada passo conta na jornada para a leveza e o reencontro consigo mesmo.
O nosso maior desafio como pessoas é que possamos enxergar além dos sorrisos forçados e oferecer acolhimento, compreensão e amor, porquanto algumas feridas não se vêem, mas todas merecem ser tratadas. Aliás, note-se que vivemos em uma era de avanços tecnológicos, conectividade instantânea e informação ilimitada. No entanto, paradoxalmente, também enfrentamos um aumento alarmante de problemas emocionais e psicológicos.
A ansiedade e a sensação de vazio tornaram-se parte da realidade de milhões de pessoas ao redor do mundo, por vezes por causa das comparações feitas: postura física, lutas por legitimidades virtuais, sonhos defraudados, etc. Diferentemente das cicatrizes físicas, as feridas emocionais são invisíveis aos olhos, apesar de terem um impacto devastador na vida daqueles que as carregam.
Muitas pessoas enfrentam lutas internas que passam despercebidas aos outros. Elas acordam todos os dias vestindo um sorriso enquanto travam batalhas silenciosas contra medos, inseguranças e traumas do passado. Freud já dizia: “As emoções não expressadas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e retornam de formas piores.” E, de facto, a repressão da dor emocional pode se manifestar em sintomas físicos, como dores crónicas, insónia, fadiga extrema e até doenças auto-imunes.
A sociedade moderna – e por que não dizer sociedade moçambicana – por mais conectada que pareça, muitas vezes impõe um ritmo de vida exaustivo, onde a produtividade é valorizada acima do bem-estar. Há uma expectativa silenciosa de que todos sejam resilientes, fortes e incansáveis, mas a verdade é que o peso das cicatrizes invisíveis se torna insuportável quando não há espaço para expressar a dor.
Mas como analisar estes aspectos tendo em conta os impactos na vida pessoal e profissional?
As doenças emocionais afectam todos os aspectos da vida. No ambiente laboral, o esgotamento mental leva à queda da produtividade e ao fenómeno do burnout[1], que a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece como uma síndrome ocupacional. No âmbito pessoal, relacionamentos são prejudicados pela falta de energia emocional para se conectar verdadeiramente com os outros. Num outro prisma, podemos citar a psicóloga norte-americana Brené Brown, que defende que a vulnerabilidade não é fraqueza, mas a essência da coragem. No entanto, ainda existe um grande estigma em relação à busca por ajuda psicológica, porque muitas pessoas sentem vergonha de admitir que estão lutando internamente, temendo serem vistas como frágeis ou incapazes.
É preciso perceber que o primeiro passo para lidar com as cicatrizes invisíveis é reconhecer que elas existem. A dor emocional é tão real quanto a dor física, e ignorá-la apenas prolonga o sofrimento. Carl Jung disse, uma vez, que “até que você torne o inconsciente consciente, ele dirigirá sua vida e você o chamará de destino.” Há uma aparente confusão neste pensamento, mas é o real, se tivermos que ter em conta a necessidade de ultrapassarmos medos internos, para sermos “completos” no exterior.
No meio disto tudo, creio que seja essencial perceber que a jornada para a cura não é instantânea, mas um processo contínuo, que pode requerer enfrentar tudo de horrível que se tem na mente e encontrar ajuda em pessoas com quem se pode conversar, desabafar e expulsar a dor que te consome por dentro. Buscar ajuda psicológica num terapeuta, etc, praticar o autocuidado e desenvolver a autocompaixão podem ser – e são inquestionavelmente passos essenciais. Além disso, aprender a ressignificar a dor é um passo fundamental. Note que muitas pessoas que superaram traumas acabam encontrando propósito naquilo que um dia as feriu, conforme asseverou Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, quando disse que “quando não podemos mais mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.”
As cicatrizes invisíveis são um lembrete de que todos, em algum momento, enfrentamos batalhas internas, mas o que se nos sugere fazer é oferecer compreensão, escuta e acolhimento para aquele que de nós precisar, afinal, a saúde mental não deve ser tratada como um luxo, mas como uma prioridade.
[1] Burnout ou síndrome de esgotamento profissional, é um distúrbio emocional que resulta do stress crónico no trabalho. É caracterizado por exaustão física e mental, despersonalização e baixa realização pessoal.
[2] Sérgio dos Céus Nelson concluiu formação orientada pelo psicólogo e terapeuta Jair Soares – Presidente do Instituto Brasileiro de Formação de Terapeutas e tem formação livre em Psicologia.