A província de Inhambane, na zona sul do País, transformou-se no epicentro de uma onda de anarquia que varre Moçambique, com acções que se intensificaram na última semana, deixando um rasto de caos, sofrimento e desespero. A situação que se viveu no distrito de Jangamo, concretamente na região de Cumbane, foi particularmente dramática, servindo como um microcosmo do que se vive em várias partes do País. Bloqueios de estradas, confrontos com as autoridades, e um governo que parece cada vez mais distante da população são apenas alguns dos elementos que caracterizam este cenário de desgoverno.
Texto: Dossiers & Factos
A Estrada Nacional Número 1 (N1), principal corredor logístico de Moçambique, esteve bloqueada desde a última sexta-feira, 21 de Fevereiro, até domingo à noite em Cumbane, distrito de Jangamo. Os bloqueadores, maioritariamente jovens, exigiam dialogar directamente com o governador da província, Francisco Pangule. No entanto, tal não chegou a acontecer. Pangule chegou a encetar viagem para o local, mas não passou de Lindela, delegando a tarefa ao administrador de Jangamo, que foi mandado “passear” pelos manifestantes.
Enquanto isso, o cenário que se vivia em Cumbane continuava desolador. Camiões e autocarros de passageiros formavam filas intermináveis, enquanto bancas de venda de coco e outros produtos permaneciam encerradas. Os camionistas dormiam debaixo dos veículos, e a juventude transformava a estrada num “beer mail”, ocupando a via sem trânsito. A população reclama do custo de vida elevado, da falta de acesso a energia eléctrica e das promessas não cumpridas pelo governo. A polícia, por sua vez, parecia impotente perante a revolta popular.
A Nagi Investimentos, uma das maiores transportadoras de passageiros do País, viu-se obrigada a paralisar as suas actividades no sábado, 22 de Fevereiro, devido aos bloqueios. Testemunhas relatam algumas negociações que permitiram a abertura de um corredor para autocarros de passageiros no sábado, mas o desbloqueio definitivo só ocorreu no domingo, já depois das 20h, graças à intervenção da comandante provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM), que mobilizou uma grua para a remoção parcial dos camiões que bloqueavam a estrada.
Caos instala-se em toda a província
Em Inhambane, a situação é muito grave. Nos distritos de Inharrime, Maxixe, Morrumbene, Panda, Homoíne e Massinga, a população bloqueou vias de acesso, exigindo redução dos preços dos produtos de primeira necessidade e acesso a serviços básicos. Em Homoíne, uma viatura do director da Escola Secundária Joaquim Alberto Chissano foi incendiada, e a sede do partido FRELIMO foi vandalizada. Dirigentes locais fugiram para partes incertas, temendo a fúria popular.
A população exige que os preços dos produtos baixem, com um saco de cimento a ser vendido a 300 meticais, e o açúcar a 65 meticais por quilo. Estabelecimentos comerciais foram obrigados a encerrar, e a sua reabertura só foi possível após a redução dos preços. Os manifestantes, na sua maioria jovens, estão determinados a continuar as acções até que as suas exigências sejam atendidas.
O drama dos passageiros
Os bloqueios não são apenas um incómodo logístico; são uma fonte de profundo sofrimento humano. Em Jangamo, encontramos uma senhora que viajava com o filho autista. Ambos já tinham enfrentado um bloqueio na Macia, província de Gaza, a caminho de Maputo para receber assistência médica. Com o bloqueio de Cumbane, já de regresso à Vilankulo, ela e o filho ficaram presos na estrada por mais quatro dias do que o planeado, enfrentando calor, frio e outras adversidades que agravaram o estado de saúde do menino.
Efectivamente, milhares de passageiros são apanhados de surpresa pelos bloqueios, obrigados a permanecer dias na estrada sem dinheiro para satisfazer necessidades básicas, como alimentação. Um jovem que viajava de Xai-Xai para Maputo para uma entrevista de emprego chegou um dia tarde, perdendo a oportunidade. Em Bobole, província de Maputo, três corpos chegaram a decompor-se em plena via pública após três dias de bloqueios, exalando um cheiro insuportável que forçou a abertura da estrada.
A anarquia alastra-se
A semana de 16 a 23 de Fevereiro foi marcada por uma série de acções que reflectem um Estado em colapso. Bloqueios de estradas, interdições de vias e destruição de bens públicos e privados tornaram-se comuns. As manifestações são, ao que se diz, motivadas pelo aumento do custo de vida e pela insatisfação com a implementação de portagens em algumas vias.
Em Maputo, a primeira-ministra Maria Benvinda Levi viu-se obrigada a interromper a sua locomotiva devido ao bloqueio da Avenida Marginal, na zona da Costa do Sol. Na província de Gaza, a população bloqueou várias vias em protesto contra a falta de serviços básicos como energia eléctrica e água potável. Em Manica, manifestantes exigiram responsabilidade social das empresas chinesas, enquanto em Nampula, um posto policial foi incendiado em resposta a supostos abusos de autoridade.
O impacto na economia
A crise política e social está a ter um impacto devastador na economia moçambicana. Os bloqueios de estradas estão a paralisar o comércio e a logística, afectando negócios de todos os tamanhos. As empresas estão a enfrentar perdas significativas, e muitos trabalhadores estão a ser obrigados a ficar em casa, sem receber salários.
O sector do turismo, que já estava fragilizado pela pandemia de COVID-19, está a sofrer ainda mais com a instabilidade. Em Inhambane, uma das principais regiões turísticas do país, os estabelecimentos comerciais estão encerrados, e os turistas estão a cancelar as suas reservas em massa. A economia local, que depende em grande parte do turismo, está à beira do colapso.
O futuro de Moçambique é incerto. A anarquia que tomou conta do país é um sinal claro de que algo está profundamente errado. A população, exasperada com a corrupção, a má gestão e a falta de oportunidades, está a levantar-se contra um sistema que parece ignorar as suas necessidades mais básicas.
As autoridades parecem estar num impasse. A polícia, muitas vezes vista como um braço repressivo do governo, está a enfrentar dificuldades em conter a onda de protestos. Em vários distritos, os agentes da lei foram obrigados a recuar perante a fúria popular, deixando um vácuo de poder que só alimenta a anarquia.
O Governo, por sua vez, parece incapaz de oferecer soluções concretas. As promessas de redução dos preços dos combustíveis e dos produtos básicos foram consideradas insuficientes pela população, que continua a exigir medidas mais drásticas. A falta de diálogo entre o governo e os cidadãos só agrava a situação, criando um ciclo vicioso de desconfiança e revolta.
Enquanto o Governo não tomar medidas concretas para resolver os problemas que afectam o quotidiano dos moçambicanos, a anarquia continuará, provavelmente, a espalhar-se, deixando um rasto de sofrimento e desespero. Moçambique precisa urgentemente de soluções que restaurem a confiança entre governantes e governados, antes que o caos se torne irreversível.
A situação é dramática, e o futuro incerto. Moçambique precisa urgentemente de soluções que restaurem a confiança entre governantes e governados, antes que o caos se torne irreversível. Para isso, muitos consideram imprescindível dialogar com Venancio Mondlane