A antiga primeira-ministra de Moçambique, Luísa Diogo, destacou a necessidade de criar políticas públicas que atraiam a camada juvenil como peça fundamental para alcançar a prosperidade económica e o desenvolvimento do país. Diogo reiterou que é essencial organizar políticas que alinhem o contexto nacional com as oportunidades internacionais, especialmente no que diz respeito à atracção dos jovens para a prática da agricultura. A dirigente falava no âmbito do lançamento do estudo sobre a situação actual do mercado de vestuário em segunda mão no país, realizado pela ADPP, que abrangeu as províncias de Maputo, Sofala e Nampula, por serem consideradas locais com maior concentração de vendedores de roupa usada.
Texto: Milton Zunguze
No meio de 16 países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), Moçambique ocupa o segundo lugar, depois da Tanzânia, no mercado de importação de vestuário de segunda mão, vulgarmente conhecido por “calamidade”. Falando sobre como alcançar a prosperidade económica e o desenvolvimento de Moçambique, Luísa Diogo defendeu que “é preciso organizar políticas que estejam de acordo com o contexto nacional e internacional. É preciso que haja assets em Moçambique: primeiro, o asset terra; segundo, jovens para pôr esses assets a casar. Não amarrar, é preciso que eles namorem e vejam atracção de um lado para o outro”, frisando a criação de políticas que incentivem os jovens a enxergar a agricultura como uma oportunidade de negócio, capaz de gerar renda.
Luísa Diogo destacou que a atracção dos jovens para o sector agrícola passa por políticas e acordos nacionais, regionais e internacionais que garantam oportunidades nos mercados para os produtos. “Os jovens têm que ver a atracção de trabalhar a terra, mas atracção significa organizar políticas que possam atrair, fazer acordos internacionais para o mercado”, afirmou.
“Fazer com que os jovens digam: vou produzir feijão, vou produzir isto… porque quando um país quer alguma coisa, não são 5 nem 20 toneladas, são milhares de toneladas. É preciso casar estas duas coisas, sem forçar, mas criar políticas que comecem a atrair esses dois assets. Essas políticas são as que olham para as oportunidades que existem a nível nacional, regional e internacional”, explicou.
“Então, quando nós vamos crescendo, vamos sair da situação de pobreza e começar a reduzir o número de pobres”, acrescentou.
Além da agricultura, Diogo abordou a necessidade de diversificar a economia, destacando o potencial da indústria têxtil. “Com estilistas, a roupa pode ser produzida em Moçambique com outros custos. Há necessidade de que as empresas que vão produzir o façam num contexto de competitividade”, afirmou. Diogo sublinhou ainda a importância da integração regional e da partilha de oportunidades de negócios para alargar os mercados e tornar a África um destino atractivo para investimentos e exportações.
A antiga primeira-ministra também enfatizou que o crescimento económico e a redução da pobreza dependem da capacidade de Moçambique em aproveitar as oportunidades nacionais e regionais. “Quando nós vamos crescendo, vamos sair da situação de pobreza e reduzir o número de pobres. Mas isso só acontecerá se olharmos para as oportunidades que existem a nível nacional, regional e internacional”, concluiu.
Desafios do sector de roupa de segunda mão
Por sua vez, os praticantes desta actividade exigiram ao Governo, sector privado e outros intervenientes a necessidade de criar políticas e estratégias para tornar o sector da venda de roupa de segunda mão mais sustentável para os moçambicanos, no meio de tantos desafios. Fernando Hin Júnior, do Centro de Desenvolvimento Empresarial da Associação Comercial da Beira, baseando-se em factos quotidianos, apontou alguns desafios que inquietam a classe, com maior ênfase para a questão ligada ao empoderamento e capacitação dos comerciantes, até à formalização do sector.
“Primeiro, é preciso organizar o sector em associações, o que irá facilitar as actividades de formalização deste sector”, afirmou Fernando Júnior.
O responsável apontou ainda a necessidade de alargamento da actividade de triagem para o processo de roupa inutilizável. “Na cidade da Beira, só há um centro da ADPP. Achamos que é importante que haja mais centros de triagem para garantir a gestão da sustentabilidade ambiental do vestuário de segunda mão”, disse.
Além da urgente necessidade de integração da classe no sistema de segurança social, Fernando Júnior destacou a questão da gestão dos resíduos sólidos têxteis. Apesar de reconhecer o défice dos municípios na gestão destes resíduos, propôs a criação de parcerias com os recicladores locais, de modo a separar e processar as peças de vestuário que não podem ser revendidas.
Dualidade do sector
De acordo com a fonte, o sector é, por um lado, visto como garantia de rendimento para milhares de moçambicanos, mas, por outro, é considerado uma das razões do fracasso do desenvolvimento da indústria têxtil local. Diante deste cenário, Fernando Júnior apelou ao Governo, sector privado e outros intervenientes para a criação de políticas e estratégias que tornem o sector sustentável, sem prejudicar o meio ambiente e o desenvolvimento da indústria têxtil local.
“O sector de vestuário de segunda mão tem uma dualidade: por um lado, é visto como um sector que gera emprego e sustento para as famílias, mas, por outro, é visto como um sector que cria barreiras para o desenvolvimento da indústria têxtil local. Perante este cenário, é importante reflectirmos sobre como este sector pode transformar-se numa situação de sustentabilidade. Para isso, será necessário que o Governo e o sector privado criem políticas para ajudar o sector e as PME, sem criar barreiras para a indústria têxtil local”, afirmou.
Rumo à formalização do sector
Fernando Júnior exortou ainda à simplificação dos processos de licenciamento das pequenas empresas e ao acesso deste grupo ao sistema do INSS. “A maior parte não está no sistema de segurança social. O Governo sai a ganhar: vai cobrar impostos e teremos uma base tributária mais alargada”, explicou. ~
Contribuição do sector
De acordo com Orlando Mapute, oficial do programa da ADPP em Moçambique, o sector contribui para os cofres do Estado com cerca de 35 milhões de dólares anualmente. Segundo Mapute, actualmente são vendidas, em média, 4 mil toneladas de roupa por ano, com as províncias da região Centro e Norte a destacaremse, enquanto “na zona sul ainda é em pequena escala”.
“A ADPP importa entre 5.000 e 5.500 toneladas por ano e vende aproximadamente a mesma quantidade”, afirmou.
Para Mapute, cada vez mais moçambicanos estão a aderir à reciclagem de roupa, transformando peças usadas em artigos como pastas, tapetes e outros produtos domésticos. Segundo observações feitas pela ADPP, a quantidade de roupa descartada como lixo é significativamente menor quando comparada a outros resíduos, como o plástico.
De referir que, até ao ano de 2023, o país importou cerca de 40 toneladas de roupa de segunda mão, provenientes principalmente da Europa (Reino Unido, Espanha, Alemanha e Itália, por esta ordem), dos EUA, Austrália, Emirados Árabes Unidos, Paquistão, Coreia do Sul e China