O presidente do Podemos, partido cujo desempenho surpreendeu a muitos nas eleições gerais de 09 de Outubro, considera que Ossufo Momade falhou no exercício do papel de líder da oposição em Moçambique, associando tal facto a um alegado comodismo nas mordomias conferidas pela lei. Dissidente da Frelimo, Forquilha garante que, com ele, a história será outra.
Texto: Milton Zunguze
Apesar de se autoproclamar vencedor com base na sua contagem paralela, o Podemos surge na segunda posição ao nível dos resultados apresentados pelos órgãos eleitorais, estando já claro que suplantou a Renamo, tornando-se na segunda maior força política do país, o que fará do seu presidente o “líder da oposição”, estatuto até então detido por Ossufo Momade, presidente da Renamo.
A posição de “líder da oposição” é também privilegiada, pois traz consigo uma série de mordomias que inclui salário equivalente ao de um vice-ministro, gabinete, casa protocolar e viaturas, tudo pago pelo Estado. Ossufo Momade tem-se beneficiado dessas regalias desde que se tornou presidente da Renamo, em substituição do falecido Afonso Dhlakama — que, em vida, rejeitou-as — e, segundo uma grande parte da sociedade, tais benefícios levaram-no a acomodar-se.
Em conversa no CIPCAST, na última semana, Albino Forquilha alinhou com esta percepção: “Ossufo Momade não cumpriu o seu papel de oposição”, afirmou o político, para quem Momade poderia ter feito muito mais, “especialmente em termos de interacção, programação e consulta ao povo”.
O presidente do Podemos considera, aliás, que é preciso redefinir o papel do líder da oposição em Moçambique, e a proposta da organização que dirige é que essa figura actue não apenas como representante de um partido, mas como representante dos interesses da população.
Relativamente às regalias, Forquilha entende que estas não devem ser vistas como um mecanismo de acomodação, mas antes como uma “responsabilidade na condução de uma causa”. “Eu não vejo as regalias como o presidente da Renamo as vê hoje”, demarca-se, antes de criticar a actuação da “perdiz” na Assembleia da República, onde “poderia ter sido mais activa, trazendo mais propostas de leis e reivindicando o seu espaço como oposição”.
O político sublinha, no entanto, que este problema não é apenas da Renamo, mas que afecta toda a “magna casa”. Defende que a “Assembleia da República deveria ser um espaço para debater assuntos sérios da Nação”, o que “raramente aconteceu” nas últimas legislaturas, “com muitos deputados apenas elogiando ou defendendo o Governo”.
Com o Podemos, partido sobre o qual diz haver grande expectativa para melhorar a qualidade dos debates, garante que será diferente, apesar da inexperiência dos seus deputados.
Um partido de “filhos da Frelimo”
Em conversa com o jornalista Raul Massingue, houve ainda espaço para falar do surgimento do partido Podemos, fruto de uma dissidência da Frelimo em 2019, motivada pelo descontentamento com várias situações. “Essa decisão foi difícil. Às vezes, não dormia em casa por causa da perseguição”, contou Forquilha, que, ainda assim, preferiu seguir o seu caminho a ser “cúmplice” de práticas que considera erradas.
Mesmo assim, a ligação com o partido Frelimo continua, embora de forma indirecta e “clandestina”. “Temos uma base clandestina muito forte dentro da Frelimo. Num Estado autoritário, onde não há liberdades, as pessoas agem de forma subtil”, explicou, acrescentando que esse apoio não se limita ao plano financeiro, mas também envolve o compartilhamento de informações estratégicas.
Algumas destas informações têm a ver com as perseguições, num país onde a violência política é uma realidade, sendo a Frelimo parcialmente culpada. “Não diria que é a Frelimo directamente, mas ela está no poder e sabe que o Estado já matou muita gente, com mortes planeadas e direccionadas”, declarou.
Militar e licenciado em Sociologia, Forquilha tem estudado questões relacionadas ao crime organizado e à segurança interna. Com base nisso, alertou que a estrutura política actual facilita práticas ilícitas e que muitas vulnerabilidades são intencionalmente programadas para beneficiar grupos específicos dentro do governo.
“O nosso Estado é vulnerável. Todo país com grandes recursos e crescimento desigual, onde os beneficiários desses recursos os depositam no exterior, tem ligações com o crime. Nós acolhemos o terrorismo; há pessoas que vivem do terrorismo em Cabo Delgado”, alertou.
Texto extraído na edição 584 do Jornal Dossiers & Factos