– Sérgio dos Céus Nelson
O Tribunal Penal Internacional (TPI) tem sido alvo de severas críticas por parte de grande parte dos países, por conta da sua alegada parcialidade na forma como actua. Sérgio dos Céus Nelson, jornalista e mestrando em relações internacionais, reforça essa crítica, vincando a necessidade de o órgão com sede em Haia, nos Países Baixos, deixar de funcionar “com base em lobbies”.
Texto: Dossiers & Factos
Sérgio dos Céus Nelson aponta que a maior parte dos processos abertos pelo TPI envolve países africanos, o que na sua opinião reflecte uma parcialidade evidente e uma fraqueza perante nações com maior poder diplomático e de lobby. “Os EUA, por exemplo, não fazem parte do TPI e têm frequentemente atritos com o tribunal. Isso demonstra a incapacidade do TPI em investigar actores poderosos na política internacional”, explica, antes de rememorar o célebre caso de 2017.
“Em 2017, a então procuradora-geral do TPI, Fatou Bensouda, tentou abrir uma investigação contra os Estados Unidos. Um ano depois, os EUA entraram em guerra diplomática com o TPI, ameaçando com sanções e detenções os juízes que processassem soldados norte- -americanos e membros da CIA por alegados crimes cometidos no Afeganistão. Isto revela o quão parcial é o TPI, pois não faz braço de ferro com países de notável e reconhecida pujança.
” Debruçando-se sobre os mandados de captura emitidos recentemente contra altos dignitários israelitas – o primeiro-ministro Benjamin Netaneyahu e o ministro da Defesa Yoav Galant – bem como contra responsáveis do grupo Hamas, Dos Céus não deixa de detectar uma incongruência. “O procurador do TPI solicitou mandados de captura contra o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e os principais dirigentes do Hamas, tratando actores diferentes da mesma forma. Israel, um Estado soberano, é equiparado a um grupo considerado terrorista, o que não faz sentido lógico”, destaca Sérgio.
Lógica não há, igualmente, na equiparação entre as acções israelitas em Gaza, na Palestina, e as levadas a cabo pelas tropas russas na Ucrânia. “O TPI citou [no caso de Israel] crimes como abuso sexual, tomada de reféns e violência sexual, mas é importante notar que estes cenários não são notórios no contexto da guerra Rússia- -Ucrânia”, distrinça.
Embora destaque o facto de, pela primeira vez na história, o tribunal ter visado um parceiro estratégico do ocidente – Israel – o entrevistado ainda entende que a corte tem um longo caminho a percorrer para vestir a “toga” da credibilidade, o que passa por “deixar de funcionar com base nos lobbies, criando bases para a sua real independência”.
Neste momento, convém referir, o tribunal que é tido como carrasco dos africanos é fundamentantalmente financiado pelo ocidente, mormente por países como Japão, França, Reino Unido e Itália, por sinal todos próximos a Washington.
Riscos de adesão para Moçambique
Moçambique é signatário do Estatuto de Roma, que cria o TPI. Mas não é membro da corte, dado que o estatuto não foi ainda ractificado pela Assembleia da República. Na opinião de de Sérgio dos Céus, essa hipótese sequer deve ser cogitada.
“Não é aconselhável Moçambique ractificar o Acordo de Roma”, defende, alertando para o risco de perda de soberania e também para a incompatibilidade com a Constituição da República de Moçambique. Em causa, argumenta, estão aspectos como a imunidade dos Chefes de Estado e a questão de penas não aceites no País.
O jornalista reforça, outrossim, que a adopção dos pressupostos do TPI poderia colocar em risco a actuação do Estado moçambicano no combate ao terrorismo em Cabo Delgado e em outras questões internas. “Não podemos pôr em causa nossa soberania apenas para seguir uma agenda internacional. É crucial que qualquer acordo internacional salvaguarde os interesses nacionais”, conclui.
Texto extraído na edição 570 do Jornal Dossiers & Factos