A Polícia da República de Moçambique (PRM) na província de Gaza alega que um grupo de indivíduos tentou assaltar o Comando Provincial, mas que a acção foi frustrada pelos agentes. No entanto, essa versão surge como tentativa de justificar o assassinato de um jovem que seguia para o Mercado Limpopo, na cidade de Xai-Xai.
Texto: Maidone Alberto, Gaza
Vamos aos factos! Agentes da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) dispararam contra a cabeça de um jovem, na Estrada Nacional Número Um, concretamente no Bairro 8 da cidade de Xai-Xai, província de Gaza. A vítima, cobrador de “chapa 100” na praça, caminhava em direcção ao Mercado Limpopo por volta das 15 horas de ontem (26 de Março), quando foi alvejada. Testemunhas relatam que, após ser atingido por três tiros, o jovem ainda tentou levantar-se e caminhar, mas acabou por sucumbir.
Após o crime, alguns agentes da UIR, aparentemente abalados e provavelmentecom peso de consciência, envolveram-se numa acalorada discussão, acusando-se mutuamente pela autoria dos disparos e questionando os motivos do ataque a um jovem indefeso.
Não é a primeira vez que a UIR dispara indiscriminadamente contra civis. Um idoso residente no Bairro 8 de Xai-Xai afirmou que o seu quintal se transformou num verdadeiro depósito de cápsulas de munições disparados sem que nada o justifique.
Dossiers & Factos, que acompanhou os protestos de ontem (26 de Março), não registou qualquer tipo de distúrbios. Para obter esclarecimentos sobre as circunstâncias do homicídio, tentou contactou, via telefone, o porta-voz da PRM na província de Gaza, Júlio Nhamussua. Inicialmente, este não atendeu as chamadas, mas, após a identificação da equipa de reportagem, limitou-se a cumprimentar com um “boa noite” e, em seguida, recusou-se a responder às perguntas.
Já esta quinta-feira, Júlio Nhamussua convocou uma conferência de imprensa em que suas declarações pareceram uma autêntica fábula.
“Temos a informar que, devido às paralisações e obstruções das vias registadas nos principais distritos da província, a polícia foi chamada para repor a ordem e remover os obstáculos nesses locais”, afirmou o porta-voz, sem especificar as zonas afectadas.
Acrescentou ainda que “as manifestações não preveem a obstrução das vias”.
Foi nesse contexto que, segundo a sua versão, a polícia foi chamada ao local e terá enfrentado resistência por parte dos manifestantes. “A polícia foi obrigada a usar todos os meios ao seu dispor para dispersar a força”, afirmou.
Os “meios” a que se referia eram munições reais. Júlio Nhamussua justificou o uso de balas letais com a alegada escassez de munições de borracha e gás lacrimogéneo.
Falando especificamente sobre o assassinato do jovem cobrador, declarou: “Nas últimas 24 horas, das ocorrências que registámos, um indivíduo foi alvejado mortalmente nesses locais de manifestações. Lamentamos o sucedido, mas foi uma morte não intencional. A polícia nunca vai ao terreno com a intenção de matar”, disse, alegando que a acção policial visava apenas a reposição da ordem.
Além disso, afirmou que “o que aconteceu ontem foi uma rebelião, onde indivíduos se juntaram com a intenção de assaltar o comando provincial. A polícia foi obrigada a posicionar-se para impedir essa acção”.
O porta-voz anunciou a criação de uma equipa de inquérito para apurar as circunstâncias dos disparos, mas recusou-se a comentar os incidentes ocorridos no sábado passado (21 de Março), em que duas pessoas foram atingidas por balas reais – uma no pé e outra no peito – no decorrer das manifestações. Argumentou que esse assunto é da alçada do comandante provincial, mas, ainda assim, afirmou que os disparos foram feitos para o ar e que “seria necessário recorrer à Física para explicar como as balas atingiram os manifestantes no pé e no peito”.
Entretanto, os “chapeiros” de Xai-Xai continuam a queixar-se de que são obrigados a pagar subornos de 200 meticais aos agentes da Polícia de Trânsito e rejeitam a retoma da fiscalização no posto da Pontinha.
Importa referir que, esta quinta-feira, a circulação de transportes foi reduzida, e houve relatos de cidadãos que percorreram mais de 20 quilómetros a pé para chegarem aos seus destinos.