Num momento crucial em que Moçambique busca desesperadamente sair da lista cinzenta do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI), o País enfrenta um escândalo de proporções alarmantes com a operação “STOP BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS”, conduzida pelo Gabinete Central de Combate à Criminalidade Organizada e Transnacional (GCCCOT). Esta operação, que visa combater o crime de branqueamento de capitais, revelou a existência de uma complexa rede que envolve não apenas indivíduos, mas também empresas tidas como clientes pilares da banca comercial moçambicana.
Texto: Serôdio Towo
Em Maio do presente ano, o Ministério Público fez saber que, entre 2019 e 2023, foram ilegalmente exportados mais de 330 milhões de dólares, através de falsificação de documentos, fraudes fiscais, e com a colaboração de despachantes aduaneiros e funcionários bancários. Recentemente, soube-se que este valor subiu para mais de 802 milhões de dólares, na sequência de mais acções do GCCCOT, que incluíram a apreensão de imóveis de alto valor, dentre eles hotéis, estabelecimentos comerciais e residências pertencentes aos arguidos.
O impacto desta operação estende-se muito além dos tribunais. As empresas envolvidas em práticas criminosas, que durante anos foram vistas como pilares da economia nacional, agora podem colocar a banca comercial moçambicana à beira de uma crise sem precedentes. Fontes do Dossiers & Factos fazem notar que, com as contas congeladas, estas empresas deixaram de realizar transacções financeiras, resultando na perda de depósitos e no não pagamento de empréstimos elevados, o que agrava ainda mais a situação.
Alertam ainda que a falta de transacções e o congelamento das contas destas empresas não só enfraquecem a posição financeira dos bancos, como também geram um efeito dominó que pode levar a uma retracção significativa na economia. Ou seja, os moçambicanos, que já sofrem com a pobreza e a falta de recursos, poderão enfrentar ainda mais dificuldades à medida que o dinheiro se torna escasso e o custo de vida aumenta.
Empresas fantasmas e o truque que alimentou a banca e agora a prejudica
Ao que Dossiers & Factos apurou de fontes ligadas a alguns destes processos, muitas das empresas envolvidas no escândalo foram criadas com documentos falsos e apresentavam instalações fictícias como seus domicílios. Movimentavam grandes somas de dinheiros nas contas bancárias e, a posterior, contraíam empréstimos elevados, causando prejuízos significativos à banca comercial.
Na sua abordagem, as nossas fontes sublinham que no funcionamento dessas empresas, algumas das quais há mais de 10 anos, abre espaço para questões preocupantes sobre a origem de valores que resultaram em lucros declarados pela banca ao longo deste período, ficando por perceber, igualmente, até que ponto os bancos não terão sido coniventes com estas práticas ilícitas.
Certo é que o congelamento ou encerramento das contas dessas empresas terá um impacto directo e negativo nos balanços anuais dos bancos comerciais. Por exemplo, Dossiers & Factos sabe de fontes bem posicionadas no âmbito destes processos que instituições como First National Bank (FNB), Moza Banco, ABSA, Milennium BIM e Acces Bank tinham na sua carteira estas empresas, sendo que alguns dos bancos estão verdadeiramente lesados, porque não apenas os créditos que estas empresas tinham com a banca ficam em risco, mas também a reputação dos próprios bancos está comprometida. A presença de uma lista extensa de clientes com operações suspeitas pode manchar a imagem institucional dos bancos, levando à saída massiva de clientes e à queda da confiança no sistema bancário moçambicano, referiram as fontes.
Cerca de 50 empresas envolvidas
Cerca de 50 empresas estão sob investigação no âmbito da operação “STOP BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS”. Estas empresas, que operam principalmente nas cidades de Maputo, Nacala e Nampula, estão envolvidas em actividades ilícitas, de acordo com a
O principal destaque vai para a empresa Auto- -Pac Limitada, a maior distribuidora de açúcar em Moçambique, cujo proprietário, Ismael Hagi Noor Mahomed, foi formalmente acusado de branqueamento de capitais. Noor Mahomed, que detém o monopólio da embalagem e distribuição de açúcar no mercado nacional, enfrenta acusações graves que incluem, além do branqueamento de capitais, fraude fiscal, falsificação de documentos, tráfico de droga, financiamento ao terrorismo, abuso de confiança e conspiração criminosa.
Além da Auto-Pac, Noor Mahomed é proprietário de mais três empresas que estão a ser investigadas por crimes semelhantes. A Lifepack Limitada e o empreendimento turístico Together in Palma Lodge, ambos localizados no distrito de Palma, na província de Cabo Delgado, estão sob suspeita de branqueamento de capitais e tráfico de droga. A terceira empresa é a Creative SU Limitada.
Entre as outras empresas em investigação, destacam-se as detentoras do luxuoso hotel Fénix, localizado na Avenida FPLM, na cidade de Nampula, e da casa de pastos “Su Kasa”, situada no bairro de Bagamoyo, na cidade de Maputo.
Gestores que Aprovaram Empréstimos Buscam Salvação
Como temos vindo a referir, algumas dessas empresas têm contas abertas há mais de 10 anos. Isso significa, de acordo com as nossas fontes, que os bancos permitiram a movimentação, durante anos, de dinheiro de proveniência ilícita, o que pode abrir espaço para a responsabilização, caso a Procuradoria-Geral da República (PGR) assim o entenda.
No plano interno, o escândalo atinge diferentes gestores bancários que estiveram envolvidos em processos que culminaram com a aprovação de empréstimos a esses clientes. Conforme apurou o *Dossiers & Factos*, os bancos, citados repetidamente, financiaram em grande medida empresas ligadas ao branqueamento de capitais. Com o cerco a apertar por parte da PGR, além das empresas já anunciadas, outras viram seus proprietários desaparecerem, levantando a pergunta que não cala: quem pagará os empréstimos contraídos?
É neste contexto que estão a decorrer processos disciplinares dentro dos bancos contra os gestores, e tudo indica que a corda poderá rebentar pelo lado mais fraco.