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CHUMBO DA CAD NÃO ELIMINA O PERIGO: “Inimigo” da Frelimo é o povo

Sem surpresas, o Conselho Constitucional (CC) confirmou o afastamento da Coligação Aliança Democrática (CAD) das eleições Legislativas, de Governadores e das Assembleias Provinciais, enquadradas nas Eleições Gerais de Outubro deste ano – 2024. Apesar disso, no seio do partido Frelimo, há o entendimento de que este facto não dissipa completamente o perigo de obtenção de maus resultados. Para os defensores desta corrente de opinião, o verdadeiro “inimigo” do partido no poder está dentro da própria Frelimo e, de seguida, é o povo.

Texto: Serôdio Towo

O acórdão nº 10/CC/2024, de 31 de Julho, “cortou as pernas” à CAD, deitando por terra o seu sonho de eleger governadores provinciais, membros das Assembleias Provinciais e Deputados da Assembleia da República. A avaliar pelo aparente nível de desilusão nas redes sociais e nas zonas urbanas, fica a sensação de que uma boa franja da população via nesta coligação a verdadeira alternativa à Frelimo.

No entanto, o seu afastamento, embora possa constituir algum alívio no seio dos partidos dominantes (Frelimo, Renamo e MDM), não deve ser interpretado como “caminho aberto” para as propaladas “vitórias retumbantes”. Esse pensamento está cristalizado entre os sectores menos eufóricos do partido no poder, que fazem questão de sublinhar que mais do que qualquer força política da oposição, o grande “inimigo” do “glorioso” nestas alturas é o povo, e em especial, as camadas mais jovens, que são a maioria.

Citado pela Carta, um estudo do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre as condições socioeconómicas da juventude revela que, em 20 anos (1997 – 2017), a população jovem (que compreende idades entre 15 e 35 anos) cresceu na ordem de 4,1 milhões de pessoas, passando de 5,3 milhões de pessoas, em 1997, para 9,4 milhões de pessoas, em 2017. Até 2017, ano da realização do último Censo Geral da População e da Habitação, os jovens correspondiam a 33,6% da população moçambicana, sendo que a média de idade era de 16,6 anos.

Frustrados e com raiva da Frelimo

Com o desemprego juvenil a crescer a cada ano, é lógico que a frustração vai tomando conta desta classe etária, sendo agravada pela percepção de desinteresse por parte das elites políticas, que são tidas como aquelas que vivem “à grande e à francesa” num País pobre. É este conjunto de ingredientes que, de acordo com a interpertaçao de certos membros bem posicionados na Frelimo, gera sentimento de raiva e, por consequência, leva a que os jovens se afastem cada vez mais do partido libertador.

De resto, e fazendo uma retrospectiva, as nossas fontes recordam, com certa nostalgia, que, entre os anos 80 – 95, pertencer a grupos como Continuadores e Organização da Juventude Moçambicana (OJM) era um orgulho, de tão prestigiantes que eram estas agremiações. Prosseguindo, assumem que as coisas sofreram alterações a partir do final da decada 90 e início dos anos 2000, quando a pertença à OJM se tornou, digamos, um “imperativo” por conta das facilidades associadas, mormente no acesso ao emprego no Aparelho de Estado, entre outros benefícios.

A fase mais crítica, na interpretação das fontes do Dossiers & Factos, começou já na segunda metade da década de 2010, quando alegadamente se começou a assistir ao início do fim da identificação com os valores político-ideológicos do partido Frelimo. Nesta fase, que se estende até aos dias que correm, até os membros com longa estrada passaram a ter vergonha de pertencer às organizações sociais desta formação política, assim comentam as nossas fontes, que ainda acrescentam que a vergonha é tal que até mesmo o trabalho político-partidário é feito apenas para não deixar que a oposição passeie a classe, mas não por paixão ou convicção.

As nossas fontes vão mais longe, indicando que a última vez que a OJM demonstrou robustez foi no mandato de Pedro Cossa como secretário-geral. Desde então, dizem, há um “processo de progressiva degradação moral interna”.

Classes operárias frustradas com a actual governaçao

Ainda na esfera de análises profundas e não emocionais, as nossas fontes chamam igualmente a atenção para a insatisfação quase que generalizada das diferentes classes profissionais, sobretudo as do Aparelho do Estado, nomeadamente os profissionais de saúde a todos os níveis, professores do básico ao nível superior, polícias, magistrados judiciais e do Ministério Público, agricultores, operários e até o empresariado.

Falando desta última classe, sublinham as fontes que sempre foi recorrente a Frelimo obter forte apoio dos empresários para a realização da sua campanha eleitoral, mas, para este ano, com os níveis assustadores dos raptos, os empresários mostram-se reticentes.

Recuando para espreitar o papel dos diferentes sectores para a garantia da vitória da Frelimo nos processos eleitorais, as nossas fontes chamam a atenção para o papel desempenhado pelos professores, sobretudo os jovens, nas urnas, o que eventualmente venha a acontecer de forma reduzida comparativamente às eleições anteriores, isto porque o descontentamento desta classe é bem enorme.

Aliás, entendem ainda as nossas fontes que terá sido por este factor que a nível das grandes cidades e seus arredores, a Frelimo experimentou dificuldades acrescidas nas eleições autárquicas do ano passado, pelo que é imperioso um movimento de reconciliação com estas classes de funcionários.

Candidato “órfão”

As fontes chamam a atenção para um outro aspecto que consideram relevante. É que, segundo o entendimento dos mesmos informantes, Daniel Chapo só será salvo pelo facto de a oposição não estar tão forte como era suposto, pois, olhando para os quatro candidatos, este, é o único que está numa situação de “desamparo”, ou seja, de “candidato órfão”.

Segundo as fontes, isso decorre da natureza do processo que levou a que Chapo fosse eleito candidato da Frelimo, em que todos os outros candidatos, entre os assumidos e os não assumidos, tinham já montados os seus Gabinetes Eleitorais. Ou seja, se um deles se tivesse sagrado vencedor, já não precisaria mais de montar a estrutura do zero.

Estrategicamente, o presidente do partido, Filipe Nyusi, e o então secretário-geral, Roque Silva, impuseram, através da Comissão Política, que não houvesse Gabinete Eleitoral, no âmbito do seu plano de fazer eleger Roque Silva. Se esse plano tivesse triunfado, sublinham as fontes, Silva se beneficiaria da influência que foi construindo ao longo dos cerca de sete anos em que foi número dois do partido e usaria, inclusivamente, a estrutura do partrido que ele próprio montou.

Entretanto, porque o tiro lhes saiu pela culatra e Chapo venceu sem preparação nenhuma, este factor, mesmo que não seja assumido, coloca o candidato da Frelimo atocar amparentemente a solo, sem apoio de gente que, embora tenha poderio financeiro e influência politica invejavel, pode estar a recear ajudá-lo para evitar ser conotada como ambiciosa.

Outra desvantagem que Chapo encara é o monte de sujidade criado internamente na era de Roque Silva e que se agudizou ou se manifestou mais aquando das eleições internas. Defendem as fontes que esta situação precisa ser bem enfrentada, sugerindo-se até a realização urgente de uma Reunião Nacional de quadros antes do arranque da campanha eleitoral, que serviria para lavagem da roupa suja e garantiria a entrega total e completa dos membros do partido.

Sinais de perigo dentro e fora

Para as fontes que temos vindo a citar, Daniel Chapo e o partido Frelimo devem fazer muito mais do que estão a fazer para mostrar ao povo, especialmente à juventude, que vale a pena ainda apostar neles depois de anos de “frustração e raiva”. “Temos que mostrar que merecemos o perdão da juventude”, pontuam.

Estes membros seniores consideram que os sinais de frustração ficaram mais do que evidentes nas VI eleições autárquicas, realizadas em Outubro do ano passado. É que, apesar de os dados oficiais indicarem que a Frelimo ganhou 60 das 65 autarquias do País, a ideia generalizada, mesmo dentro do partido, é de que o histórico partido libertador sofreu derrotas em vários municípios, incluindo na zona Sul, tendo sido salvo por alegadas artimanhas da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e do CC.

Mas há, ainda na óptica das nossas fontes, sinais preocupantes vindos da região, a começar pela África do Sul, onde o ANC, nas eleições realizadas este ano, perdeu a maioria absoluta pela primeira vez em 30 anos, vendo-se obrigado a formar governo de coligaçao com alguns partidos da oposiçao.

Ainda mais alarmante foi a situação do MPLA, em Angola, nas eleições havidas em 2022. À semelhança do que sucedeu nas autárquicas em Moçambique, naquele País falante de língua portuguesa todas as contagens davam vitória à frente ampla liderada pela UNITA de Adalberto Costa Júnior, excepto a contagem da Comissão Eleitoral, que dava vitória tangencial (51,17%) ao MPLA de João Lourenço.

Também em 2022, outro partido libertador, desta feita o ZANU-FP, foi derrotado nas eleições autárquicas e parlamentares do Zimbabwe, com o partido Citizens Coalition for Change (CCC) de Nelson Chamisa, a conquistar a vitória em 19 círculos eleitorais parlamentares dos 28 disputados. Ao nível dos governos locais, o CCC conquistou 61% dos votos em vários municípios urbanos e rurais.

Diante desta conjuntura, as preocupações são enormes entre os membros mais cautelosos da Frelimo, daí chamarem a atenção para a necessidade de evitar “relaxamento” depois de se ter chumbado as listas da CAD, uma vez que, reforçam, o “inimigo da Frelimo não é a CAD nem qualquer outra força política, mas, sim, o povo moçambicano”

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