EnglishPortuguese

CRISE DA DÍVIDA EM ÁFRICA: Um peso Injusto que rouba o futuro

Teve lugar na cidade de Maputo, a Quarta Conferência Africana sobre Dívida, que reúne centenas de activistas de diversos países do continente, destacando as profundas implicações da crise da dívida nos países africanos. A abertura do evento contou com intervenções poderosas que sublinharam o impacto devastador do endividamento insustentável, especialmente nas populações mais vulneráveis, como as mulheres.

Texto: Amad Canda

Dinah Musindarwezo, uma das principais oradoras do evento, iniciou o seu discurso com uma crítica feroz ao sistema económico global, que, segundo ela, está desenhado para perpetuar a opressão e a desigualdade. Dinah afirmou que o capitalismo, aliado ao racismo, à supremacia branca e ao patriarcado, forma um sistema de opressão que afunda os países africanos numa espiral de dívida e pobreza. “O desequilíbrio de poder entre o Norte Global e o Sul Global”, afirmou, “não é acidental, mas sim uma estrutura deliberada de dominação e exploração”.

O quadro que Dinah pintou é alarmante. África enfrenta uma dívida colossal que, em 2024, atingirá um montante de 62 mil milhões de dólares, um aumento dramático em relação a 1 mil milhão de dólares em 2010. Estes números, destacou, são um reflexo das condições desfavoráveis impostas ao continente pelas agências de crédito globais, que aplicam taxas de juros desproporcionalmente elevadas a África, apesar das taxas de inadimplência serem menores em comparação com outras regiões do mundo.

Este fardo financeiro, continuou Dinah, não é apenas um problema de números, mas uma questão profundamente enraizada nas desigualdades de género. O sistema económico global, ao desvalorizar sistematicamente o trabalho reprodutivo social — que inclui tanto o trabalho doméstico como o público — perpetua a exploração das mulheres, relegando-as a papéis de cuidadoras, enquanto os homens são vistos como os principais provedores. Esta divisão de trabalho reforça estereótipos de género e limita o potencial das mulheres, que são desproporcionalmente afectadas pelas políticas de austeridade impostas para gerir a dívida.

A activista continuou, sublinhando que as políticas fiscais regressivas, como o aumento do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) sobre bens essenciais, atingem mais duramente as mulheres, especialmente aquelas em empregos precários e com salários mais baixos. Dinah destacou exemplos em países como o Quénia e Gana, onde a tributação de produtos essenciais, como os absorventes higiênicos, e a remoção de isenções fiscais sobre combustíveis, agravaram ainda mais a situação das mulheres de baixa renda.

 “Dívida rouba o futuro das mulheres”

Na mesma linha, Quitéria Guirengane, activista moçambicana do Observatório da Mulher, fez um discurso que ressoou profundamente na audiência. Quitéria enfatizou que a dívida não é apenas uma questão económica, mas uma ferramenta que rouba o futuro das mulheres africanas. “O endividamento excessivo resulta na erosão dos serviços públicos, deixando as mulheres para compensar o que o Estado já não consegue oferecer”, disse.

Quitéria destacou que, em Moçambique, uma grande parte da dívida é destinada à segurança, resultando numa menor capacidade do Governo de responder às demandas sociais. Esta situação leva a uma maior repressão, com o Estado a perseguir agressivamente as mulheres no sector informal para pagar impostos, enquanto grandes corporações internacionais beneficiam de isenções fiscais. “Eles levam as grandes riquezas e deixam-nos com grandes buracos”, afirmou.

O impacto desta dinâmica é brutal. Quitéria Guirengane descreveu como, em regiões afectadas pelo conflito, como a província nortenha de Cabo Delgado, a violência sexual aumentou drasticamente, com mulheres a serem violadas em troca de assistência social. “O Governo está ocupado a pagar dívidas” , afirmou, lamentando que questões como a protecção social e o bem-estar estejam relegados ao plano secundário.

Apesar deste cenário sombrio, Quitéria foi clara ao afirmar que as mulheres africanas não são apenas vítimas, mas também agentes de mudança. “Movimentos feministas têm proposto uma economia que privilegia o estado social e o bem-estar das pessoas acima do pagamento de dívidas”, disse. Para ela, é fundamental lutar por um sistema onde o cuidado com as pessoas e o planeta esteja no centro das decisões políticas.

A activista apelou à união das mulheres africanas para enfrentar os desafios impostos pela dívida. “Precisamos resistir ao sistema neocolonial que nos oprime”, concluiu. Entre as propostas apresentadas, Quitéria defendeu a criação de uma economia social, a denúncia da exploração, a exigência de reparações históricas, a reestruturação da dívida para incorporar a justiça de género, e a valorização do conhecimento local como base para um futuro mais justo.

A Quarta Conferência Africana sobre Dívida foi centro de debates e propostas para enfrentar a crise da dívida que continua a devastar o continente. A mensagem, até agora, é clara: a dívida não é apenas um problema económico, mas uma questão de justiça social e de género, que exige uma acção concertada para ser resolvida.

“Dívida é usada para perpetuar neocolonialismo”

Antes do painel de que Dinah e Quitéria fizeram parte, e que incluiu outras duas activistas, já o director executivo do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, dissera que a dívida pública está a ser usada pela “arquitectura global” com vista a perpetuar o colonialismo em África. Acto contínuo, defendeu o académico e activista, a dívida está também ao serviço da corrupção dos governantes africanos, o que na sua opinião explica a pobreza de países como Moçambique, apesar da abundância dos recursos naturais.

“A dívida resulta de escolhas erradas. Decisões ao serviço da corrupção. Eles buscam endividamento fácil porque isto facilita a corrupção”, anotou, questionando a riqueza que sustenta vidas opulentas de dirigentes africanos.

A Quarta Conferência Africana sobre a Dívida, marcada pela ausência dos governantes moçambicanos, decorre sob lema “Crise da Dívida em África: Perspectivas e Alternativas Feministas Pan- -Africanistas”.

Gostou? Partihe!

Facebook
Twitter
Linkdin
Pinterest

Sobre nós

O Jornal Dossiers & Factos é um semanário que aborda, com rigor e responsabilidade, temáticas ligadas à Política, Economia, Sociedade, Desporto, Cultura, entre outras. Com 10 anos de existência, Dossiers & Factos conquistou o seu lugar no topo das melhores publicações do país, o que é atestado pela sua crescente legião de leitores.

Notícias Recentes

Edital

Siga-nos

Fale Connosco