Por: Régio Conrado
Em 1576, Jean Bodin escreve um dos mais relevantes livros sobre o Estado, ” _Les six livres de la République“,_ onde formula, entre outras coisas, a ideia ou o conceito de _summa potestas_ ( potência suprema)- o Estado- que se exprime ou se efectiva por meio da lei.
Este princípio, na Teoria Geral do Estado e do Direito, supõe uma obediência absoluta à lei. Desse prológomeno teórico decorre uma ideia central seja para o Estado seja para a sociedade que é de que nenhum indivíduo pode negacear o cumprimento da lei ou ainda de agir dentro dos limites que säo impostos pela Lei concebida pelo Estado, como sugereriam os CientistasPolíticos e Juristas José Fontes ( Teoria Geral do Estado e do Direito) et Ferdinand Sucramanien ( Droit constitutionnel).
Na Teoria Geral do Estado, na tradição francesca e alemã, o Estado é o resumo e a consagraçāo de todo o processo de acumulação de todos capitais fundamentais para a sua Constituição ( capital jurídico, militar, fiscal e político).
Desse ponto de vista, o Estado não apenas é o que deve produzir a Ordem Pública Suprema (Spinoza- Tratato Político), mas deve outrossim salvarguar a sua própria honra como elemento essencial da sua própria existência e continuidade. É o princípio da sacralidade do Estado.
É nestes termos que o Estado, olhando para o essencial dos trabalhos de Elias, Tilly e Bourdieu, é um ente sacro ou hierático. Ou seja, não é uma instituição cuja autoridade é negociável, mesmo nos casos extremos.
Se por um lado, o Estado deve garantir a efectivação de todo o potencial dos indivíduos, por outro deve assegurar que a lei é respeitada rigorosamente (Platão, no O Político, A Justiça, a Carta VII, e na A República). Em Moçambique, essa noção de Estado não é estranha, não se trata de uma ideia forânea, pelo contrário trata-se de uma ideia que esta consubstanciada ao Projecto de construção do Estado em Moçambique.
Contudo, as últimas manifestações mostraram que determinados actores políticos, mormente o Candidato presidencial apoiado pelo Podemos, Venâncio, fez do espectro das mobilizações radicalizadas e violentas contra a Ordem Pública um dispositivo de negociação da sua entrada na esfera máxima do Estado.
De outra forma, ao proferir discursos ultrajantes ou belicosos contra o Estado e os seus representantes, saia imediatamente da esfera da lei, da ordem legal moçambicana e do espírito da nossa CR, entrando para a esfera da contestação dos próprios fundamentos do Estado, da sua legitimidade e da sua honra. Das práticas discursivas e de mobilização política encetadas por ele e seus apoiantes vislumbra-se um questionamento radical do sentido da existência do Estado Moçambicano e da sua Ordem Constitucional.
Onstensivamente, esta atitude coloca um problema central no que concerne aos limites que um cidadão cônscio deve ter em relação às suas acções na esfera estatal.
O que se constatou nestas manifestações, e que elas não eram apenas uma mobilização contra a carestia de vida, pobreza, corrupção, e outros elementos associados era a Introdução de técnicas de subversão da Ordem Pública e Constitucional moçambicanas.
Na Teoria Geral do Estado, olhando para os trabalhos de Burdeau, Braud e Laboulaye, a subversão do Estado ocorre quando o fito de qualquer manifestação ultrapassa os limites legalmentes instituidos para se tornar um acto que visa solapar, depredar ou destruir as instituições, mermar ou ceifar a Ordem instituida usando meios violentos.
Partindo da Sociologia política articulada à Sociologia do Estado e do Direito, a subversão política foi o método usado pelo Venâncio e pelos seus acólitos mais radicais e radicalizados, pois a tensão ou objecto de suas acções, não se concentrando no que dizia inicialmente, era enfraquecer o Estado, as suas instituições e o poder político e manipular e condicionar massas por meio da exploração da ignariedade ou incompetência teórico-intelectual das massas para contribuirem para a destruição completa do Estado.
Didier Eribon ( _De la subversion_ ), um dos mais reputados cientistas políticos Franceses sobre matérias inerentes à subversão política, permite-nos entender que o substracto sobre o qual se funda a acção política do Venâncio e seus seguidores é a violência extrema e o “terrorismo político” para criar pânico nas massas, e dessa forma explorar esse medo, essa comoção, essa fraqueza psicológica ao serviço dos seus intentos que é chegar ao poder por meio de actos extralegais ou ilegais.
Em 1975, Jacques Freymqnd escreveu um brilhante texto sobre a matéria “Subversion et Violence”, onde mostra que a o múnus da subversão, é a incitação ao caos, ao desrespeito da lei, à violência contra os que representam o Estado, entre outros aspectos. Podemos constatar que o esta ocorrer em Moçambique desde Outubro preenche grande parte dos elementos senão os mais importantes da subversão política.
Contudo, não obstante todos estes elementos colocados sobre o Estado e a subversão, e analisados os aspectos ligados estritamente à subversão política , é importante dizer que existe um elemento fundamental que não se pode desatentar dele que é a questão da ” _raison d’État_ “.
Este conceito primeiramente formulado pelo grande homem de Estado e Filósofo romano, Cicero, como _ratio reipublicae_ sugere a capacidade do Estado de agir para garantir a sua continuidade independemente das circunstâncias. Com Maquiavel a questão da “raison d’État” ganha contornos importantes, pois sugere que o Estado deve agir sempre que a Ordem Política e a Ordem Estatal instituidas estiverem em risco ou perigo ou estiverem a ser atacadas com violência.
Todos os elementos finamente analisados desde Outubro a esta parte mostram que era a Ordem Estatal que se pretendia destruir ou arruinar. Nessas condições, recordando a Teoria Geral do Estado e do Direito, o Estado teve e deve continuar a impor o respeito pela legalidade, pela Ordem Política e Estatal instituidas, assim como garantir que o Estado não seja colocado em causa nos seus alicerces, o que constituia o objectivo das manifestações violentas, agressivas e que atentavam contra a Paz política e Social em Moçambique.
Contudo, tal como referiram os estudiosos da Sociologia das Reformas ( Michel Crozier, Michael Hill, Herbert Simon, William Dunn, Guy Peters, entre outros) todo o Projecto de Estado deve ser sempre o Projecto societal que congrega as principais aspirações de todos os que vivem sobre ele. Isto implica uma responsabilidade de todos os cidadãos respeitarem a dignidade do Estado. O entendimento que fica de todo esse processo reflexivo, olhando para os trabalhos de Cistac, Macie, Serra Júnior, Ribeiro, para a situação moçambicana, entre outros, a afirmação do Estado passa igualmente pelas reformas profundas que devem sempre visar melhorar a sua eficácia e eficiência. Disso decorre a relevância do Gabinete de Reformas e Grandes Projectos que deverá fazer do Projecto de Estado e de reformas um dispositivo para criar uma osmose mais profunda entre o Estado e o cidadão, uma fusão entre os interesses dos Estado e dos cidadãos e aprofundar as reformas que têm sido encetadas com mais vigor desde os anos 2000.
Todo o processo de construção e reconstrução de um Estado é sempre um processo de afirmação eterna da legitimidade, autoridade e honra do Projecto do Estado. Isto sugere que cabe aos cidadãos aderirem e respeitarem o Estado e cabe ao Estado, como diria Rousseau ( Du contrat social), efectivar a vontade popular como seu critério moral. Todo aquele que coloca em causa os elementos fundacionais do Estado, tal como temos assistido, deve, a partir do poder jurídico do Estado, responder pelos actos por si causados. Subverter a Ordem Constitucional é subverter a possibilidade de uma convivência pacífica entre os cidadãos, no sentido que Locke (Traité du gouvernement civil) dá ao termo de “lien social“.
Dos elementos acima elecados, julgamos que é premente proceder à uma reflexão profunda sobre tudo quanto ocorreu para que lições sejam tiradas para o bem dos Moçambicanos e da honra do Estado Moçambicano.