O livro de Jean Boustani, figura central no escândalo das “dívidas ocultas”, está a agitar as águas na política moçambicana em pleno ano eleitoral. O “ponta-de-lança” do grupo libanês Privinvest acusa os Estados Unidos da América (EUA) de engendrarem, em conluio com o Fundo Monetário Internacional (FMI), uma conspiração visando travar o crescimento naval de Moçambique, para responder à crescente influência sino- -russa no país e, ao mesmo tempo, assassinar politicamente Armando Guebuza. Para esta última empreitada, diz Boustani, terá sido determinante a colaboração da administração Nyusi.
Texto: Amad Canda
Em 2013, Moçambique, então liderado pelo Presidente Armando Guebuza, começa a relacionar-se com o Grupo Privinvest, que seria responsável pela instalação do Sistema Integrado de Monitoria e Protecção (SIMP) da Zona Económica Exclusiva (ZEE). Através da Ematum, ProIndicus e MAM, “veículos operativos” do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SISE), foi adquirido vasto equipamento naval, como navios e radares.
Esta operação, que foi possível graças à contratação de uma dívida com garantias estatais no valor de USD 2 mil milhões – USD 726,5 milhões da Ematum, USD 622 milhões da ProIndicus e USD 535 milhões da MAM – conferiu ao país, segundo Jean Boustani, uma capacidade naval que “o Pentágono (sede do Departamento de Defesa dos EUA) não gostou”.
“Os americanos não podiam tolerar ver Moçambique prosperar com a ajuda de outros que não eles próprios”, sustenta o libanês no seu livro “Armadilha – Negócios Africanos: Aquele que nunca deveria ter falado testemunha”, uma obra que confessa, logo no início, que nunca teria sido escrita “se tudo tivesse corrido como planeado”.
Mas foi escrito e responsabiliza os americanos pelo facto de, a meio do percurso, as coisas terem deixado de correr como planeado. A conspiração de Washington, no entanto, tinha múltiplos objectivos. Para além de travar o ímpeto naval moçambicano, a acção supostamente coordenada a partir da “terra do Tio Sam” visava travar o avanço da influência dos russos e chineses em Moçambique e “assassinar” a Privinvest e Armando Guebuza nos planos económico e político, respectivamente.
“A justiça americana se apresentou como o ‘cavaleiro branco da ética’, mas, na realidade, estava a promover um jogo político”, escreve.
Colaboração do Governo Nyusi
Na perspectiva de Jean Boustani, o Governo liderado por Filipe Nyusi assumiu um papel preponderante para a efectivação do “plano americano” de assassinar politicamente Armando Guebuza. Lembra o consultor da Privinvest que, assim que assumiu o poder, em 2015, Nyusi procurou a Privinvest, o Credit Suisse e o banco VTB, da Rússia, por forma a encontrar formas de aliviar o peso da dívida, numa altura em que a queda dos preços das matérias-primas, cuja exportação é essencial para a arrecadação de receitas para o Orçamento do Estado, empurrara o país para crise financeira.
“Palomar e Credit Suisse foram oficialmente mandatados pelo Ministério da Economia e Finanças para realizar esta reestruturação [da dívida]. Eu próprio apoiei as autoridades moçambicanas para que Palomar fosse escolhido. Era nossa subsidiária”, conta Jean Boustani, antes de dar conta da mudança “súbita” do rumo dos acontecimentos, na primavera de 2016.
“Em Março, vazou um documento “confidencial” do Ministério das Finanças. O mesmo dizia que a dívida nacional é maior do que o esperado. Portanto, não são 8,1 mil milhões de dólares, mas 11,1 mil milhões de dólares”, narra o autor, que encontra nas articulações entre o Governo e os americanos a explicação para esta postura.
De acordo com aquele que foi o braço direito de Iskandar Safa, falecido dono da Privinvest, o Ministério da Economia e Finanças (MEF) terá enviado um email ao escritório de advogados internacional Clearly-Gottlieb, através do qual perguntava “como poderia escapar ao pagamento da dívida”, ao que um advogado terá respondido que, provando que houve corrupção, o país seria eximido das suas responsabilidades.
“O Governo alegou que não tinha conhecimento dos empréstimos que tinha garantido na esperança de não os pagar”, conclui Boustani, para quem a administração Nyusi “fez uma campanha dissimulada de sabotagem contra os projectos”, o que, na sua perspectiva, é “vergonhoso, pois eram contractos para Moçambique e não para Guebuza”.
A mentira do século
Para Jean Boustani, a narrativa das “dívidas ocultas” constitui a “mentira do século”, alegadamente costurada pelo Governo moçambicano e pelo Fundo Monetário Internacional, cuja então directora, Christine Lagarde, terá declarado, em 2016, numa entrevista à BBC, que “eles esconderam a informação”, referindo-se à Privinvest e a Moçambique (Governo de Armando Guebuza).
“Eu gostaria que ela [Christine Lagarde] explicasse um pouco: o que exactamente estamos a esconder? Os empréstimos, os barcos-patrulha, os radares? Isso não significa nada. No meu julgamento, produzimos um email de 2015 do FMI, provando que o seu representante sabia da existência da ProIndicus. O Fundo Monetário Internacional tem um escritório em Maputo, no mesmo local onde organizámos um desfile no final de 2014 para mostrar os navios comprados com dinheiro de empréstimos alegadamente escondidos, na Marginal (a zona portuária). Quando o Presidente Guebuza veio a Cherbourg em 2013, a televisão nacional de Moçambique estava lá. O que exactamente estamos a esconder? Qualquer coisa”, rebate.
Ademais, Jean Boustani entende que, ainda que as informações tivessem sido ocultadas ao FMI, jamais isso seria problema da Privinvest – acusada de conspiradora – mas sim do Governo/Estado moçambicano.
Texto extraído na edição 563 do Jornal Dossiers & Factos