Quando o Governo acerta, há instituições que teimam em ir em sentido contrário ou até mesmo perpendicular. O Governo dá um ângulo de 180 graus e elas dão um ângulo de 360 graus…
Quer dizer, o Governo sai de um extremo para o outro, abrindo o maior ângulo possível, que dista de um determinado ponto de partida, para resolver problemas, e elas saem de um extremo, dando uma volta para regressarem ao mesmo ponto de partida. Estas instituições nunca avançam… ficam paradas no mesmo ponto, no tempo e no espaço… quando muito, apenas mudam de nome.
Claro e cientes de que mudar de nome, por si só, pode não ser um problema, o problema surge quando o nome não reflecte… pão, pão, queijo, queijo… aquilo que a instituição faz ou a sua missão.
Para os que trabalham nos sectores de Transportes e Estradas, o novo Governo acertou em cheio ao juntar transportes e estradas no mesmo Ministério. Ao que se diz, este era um casamento há muito almejado — e que deveria ter sido realizado — e estavam convencidos de que ia e vai trazer uma melhor articulação no tratamento das matérias de transporte e segurança rodoviária.
Mas eis que o Governo acerta e o Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO, I.P.) dá um ângulo de 360 graus…
Fiquemos com a questão do ângulo de 360 graus, para deixarmos as matérias sobre mudanças de nomes e nomes pouco condizentes com a missão institucional para as próximas reflexões.
A questão central em análise, nestas linhas, é o levantamento das inibições (acto que consiste em restituir a um condutor, penalizado temporariamente a não conduzir, o direito de voltar a fazê-lo dentro da legalidade) pelo INATRO, I.P. Qualquer divagação fora deste assunto é mero fruto da existência de muitos outros.
A prática de centralizar o levantamento das inibições surgiu em 2017 ou 2018. Não importa aqui debruçarmo-nos profundamente sobre as razões, porque na verdade podemos encontrar, pelo menos, duas, e ambas controversas. Acredita-se que a decisão visava imprimir maior controlo sobre esta actividade (isto é, politicamente falando), porém, pecava e continuará a pecar por prejudicar os utentes.
Portanto, uma das soluções, na nossa opinião, ideal para colmatar qualquer que fosse o problema que tivesse dado origem a esta decisão, podia ser: controlar esta actividade através de auditorias ao sistema informático utilizado ou criar uma solução informática que levantasse automaticamente as inibições. Mas, não obstante, até prova em contrário, o mais prático e razoável, neste momento, é que sejam as Delegações a realizar esta actividade, que é mais operacional do que táctico… E, isso, para o benefício dos utentes que demandam os serviços do INATRO, I.P.
Quando parecia que esta prática de levantamento centralizado das inibições tinha sido descontinuada, eis que, inexplicavelmente, ressurge em 2025… De novo, as Delegações provinciais do INATRO, I.P. devem elaborar listas e enviá-las para o levantamento das inibições em Maputo, como se, pois parece, as Delegações não granjeassem confiança suficiente ou não representassem suficientemente o INATRO, I.P. nas províncias para o fazer. Mas, repetimos, deixar as Delegações fazerem o seu trabalho iria beneficiar muito os utentes. Na nossa opinião, qualquer instituição que tem utentes por servir devia dar primazia a estes.
O INATRO, I.P. tem onze delegações provinciais sediadas nas capitais provinciais. Este Instituto serve utentes que residem em todos os distritos das suas províncias. Quem conhece, nem que seja um pouco de Moçambique, sabe que, por exemplo, de Mabalane a Xai-Xai, percorre-se mais de 298 km; de Vilanculos à cidade de Inhambane percorre-se aproximadamente 300 km; a distância entre Gurúè e Quelimane é de 350 km; a da cidade de Tete a Songo, 150 km; Magude a Matola, 161 km. Estes são alguns exemplos, e estão longe de serem, considerando viagens de carro, os pontos mais distantes das capitais provinciais.
Agora, imaginemos um utente dos serviços do INATRO, I.P. que sai de Vilanculos para a cidade de Inhambane. Outro utente que sai de Mabalane a Xai-Xai, de Gurúè a Quelimane, de Magude a Matola para levantar a sua carta de condução, depois de ter sido inibido de conduzir por três meses, seis meses, um ano e, chegado lá, não consegue ser atendido no mesmo dia… Simplesmente, porque o Delegado Provincial não o pode fazer, apesar de ser a pessoa competente na província para levantar a inibição de conduzir; todavia, em contrapartida, deve enviar a solicitação do levantamento da inibição a Maputo, para que lá os “santos” ou o único santo da instituição, sabe Deus de onde neste Moçambique, o possa ou possam fazer.
Sim, a inibição deste pacato cidadão tem que ser levantada no Conselho de Administração do INATRO, I.P., em Maputo, concretamente na Direcção que responde pela área de Segurança Rodoviária ou Departamento de Informática… Sim, ao que se percebe com esta norma errada, e que uma Direcção Nacional desce do nível táctico e técnico para o operacional, deixa as suas funções para se ocupar das funções de uma Delegação Provincial ou até, quiçá, de um Departamento Técnico Provincial.
E quem paga pelas consequências desta decisão é o utente que percorreu mais de 250 km para chegar a uma Delegação do INATRO, I.P.,… pagando de ida e volta mais de 700,00 Mts, só de transporte, e, se não for atendido no mesmo dia, deve pensar em pernoitar num local mais próximo da Delegação do INATRO, I.P., se tiver condições… ou então as escadas de um prédio ou banco na terminal rodoviária mais próxima o aguardam; paga o cidadão que pediu dispensa no serviço para ir tratar de levantar a sua inibição e a respectiva carta de condução, que terá que pedir dispensa, mais uma vez, ajoelhando e dobrando-se ao seu chefe, para se dirigir a uma Delegação do INATRO, I.P., para resolver algo que um Delegado Provincial podia resolver no toque de um teclado de um computador. Todavia, em vez disso, o Delegado deve preparar uma lista e enviá- -la para ser levantada em Maputo. Viva, o santo ou santos em Maputo!
Viva o santo ou santos em Maputo… mas, o condutor pague a multa, fique um ano sem conduzir e chegue numa Delegação do INATRO, I.P., para levantar a sua carta e fique mais de um dia porque o Delegado ou Chefe Provincial do Departamento Técnico não pode levantar a inibição e entregar a carta de condução ao já penalizado condutor… à espera que o santo ou santos em Maputo possam fazer o trabalho de uma Delegação provincial.
Acompanhámos um caso numa das capitais provinciais do sul do país em que, de tanto acorrer ao INATRO, I.P. e não conseguir o levantamento da inibição, o delegado, vendo que o condutor estava sofrendo com a tamanha injustiça da instituição, acabou por entregar a carta de condução, enquanto o condutor continuava inibido no sistema. Sucede que, na saída, encontra na primeira esquina agentes de fiscalização rodoviária que detectaram que ele estava ainda no sistema, inibido de conduzir, e novamente recolheram-lhe a carta e ele teve que reiniciar com o processo do vai e vem para reaver a carta. Que transtorno… Como se pode ver, não funciona. O ideal é limpar o condutor do sistema e entregar-lhe a sua carta… E, sendo esta uma actividade da Delegação provincial, devia ser resolvido na província.
Porque o INATRO, I.P. continua atrasado na descentralização? Talvez, já devesse estar em distritos como Vilanculos, Nacala, Dondo, Massinga, Chókwè, etc. Aliás, as dimensões das províncias deste país são tão grandes que chegam a ser maiores que alguns países da Europa e, até estas alturas do século XXI, feliz ou infelizmente, acha-se normal que estas províncias dependam de uma única Delegação e, para piorar, estas Delegações continuam amarradas a algumas Direcções em Maputo… onde residem os santos dos santos de Moçambique.
Aliás, os condutores inibidos não são os únicos utentes do INATRO, I.P. que dançam e se desesperam nas Delegações… que o digam as empresas que requerem Autorizações Especiais de Trânsito nas províncias, que têm que esperar que as licenças sejam assinadas em Maputo, quando até há bem pouco tempo os Delegados assinavam as mesmas licenças. De novo… mas, de novo… porque estas licenças são emitidas numa Direcção em Maputo, quando as Delegações até há bem pouco tempo emitiam as mesmas licenças…
A justificação de que as licenças de trânsito podem ser interprovinciais e, por isso, carecem de uma assinatura de nível central, parece-nos meramente burocrática e centralizadora, contrária à descentralização que se almeja alcançar para o bem do povo, e acaba prejudicando as empresas dada a natureza e dinâmica deste tipo de transporte…
Imaginemos o que acontece a uma empresa que tem que movimentar equipamentos ou máquinas, como gruas, para intervir numa via-férrea após um acidente ferroviário… deve correr o risco de circular sem a devida licença e ser multada ou esperar que a licença seja assinada em Maputo e… a empresa ferroviária arcar com os enormes prejuízos que da paralisação são decorrentes.
Das consultas que efectuámos percebemos que o Delegado provincial é o legítimo representante do Presidente do Conselho de Administração do INATRO, I.P., no território provincial e não entendemos o porquê de limitar a Delegação para estes casos.
Na nossa opinião, o INATRO, I.P. devia deixar as suas Delegações provinciais trabalharem e devia abraçar seriamente a descentralização. As instituições devem pensar em aliviar o sofrimento dos utentes, mais do que isso, não dissemos e nem pretendemos dizer!