– “Não se sabe o dia nem a hora em que será pago, tal como não se sabe em relação à vinda de Cristo”
Os vogais provenientes dos partidos políticos e um grosso número de técnicos do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), afectos aos 14 distritos da província de Gaza, e que trabalharam de Julho de 2022 a Janeiro de 2025, na condição de contratados, clamam pelo pagamento dos seus salários referentes ao mês de Janeiro e pelo décimo terceiro salário do ano passado, mas também pelas ajudas de custo a que têm direito à luz do Estatuto do Funcionário e Agente do Estado.
Texto: Maidone Alberto, em Gaza
É um problema com barba rija. Os agentes eleitorais, nomeadamente vogais e técnicos do STAE, do nível distrital, sobreviveram a quatro meses sem salários (Junho, Julho, Agosto e Setembro do ano passado), num contexto em que nem meios materiais tinham, como é o caso da legislação eleitoral, que não estava disponível em formato físico, obrigando os agentes eleitorais a utilizar os seus próprios telemóveis para leitura ou consultas.
Contam os nossos entrevistados que, por conta do “trabalho escravo” a que foram submetidos, tiveram que fazer outros arranjos, inclusive, em alguns casos, até tiraram dos próprios bolsos contribuições financeiras para dar andamento às actividades do STAE.
Mas, numa atitude descrita como “chico-espertismo”, justamente quatro dias antes das eleições gerais, a dívida em alusão foi toda ela liquidada. Provavelmente, o Governo temia um boicote na votação de 09 de Outubro passado, cogitam as fontes. ºNo entanto, finda a votação, o STAE em Gaza furtou-se, de novo, de pagar mais três meses, referentes a Outubro, Novembro e Dezembro últimos. Para pressionar o patronato a cumprir com as suas obrigações, os vogais e técnicos desencadearam uma manifestação que culminou com o amotinar e a pernoita defronte às instalações deste órgão de administração eleitoral, na cidade de Xai-Xai, na primeira semana de Janeiro deste ano, tendo sido pagos de imediato, dando a entender que, afinal, trata-se de falta de vontade.
Na província de Gaza, existem 14 distritos, e cada distrito contou com 16 vogais. Neste caso, ao todo são 240 vogais (incluindo vogais do nível provincial) que estiveram em serviço entre Julho de 2022 e Janeiro de 2025. O vogal de nível distrital aufere pelo menos 29.600 meticais. Já o de nível provincial encaixa mais de 40 mil.
No que diz respeito à falta de pagamento do décimo terceiro salário (50%), os vogais das comissões distritais, assim como provinciais, ainda não tinham recebido absolutamente nada, pelo menos até domingo (23 de Março), antes da publicação desta reportagem.
Também não receberam o último salário correspondente ao mês de Janeiro. O que receberam foram apenas algumas “ladainhas” do director provincial do STAE em Gaza, Mário Konsana, e da financeira Constância Ofício.
Irritados com a situação, na passada quarta-feira (19.03), voltaram a amotinar-se, com alguns bens, a exemplo de colchões e esteira, como forma, mais uma vez, de exigir o pagamento de Janeiro, do décimo terceiro salário e ainda das ajudas de custo. “Estamos exaustos e sem opções. Decidimos manifestar a nossa insatisfação na instituição por três vezes este ano, mas ignoram-nos com promessas falsas.
Portanto, continuaremos a manifestar-nos onde fomos contratados, até que os nossos pagamentos sejam realizados. Exigimos os nossos salários e basta de promessas vazias”, desabafou um dos protestatórios.
STAE promete pagar até ao final de Março
Dossiers & Factos, que presenciou este momento no local dos acontecimentos, constatou que o STAE provincial de Gaza adoptou uma nova postura, uma vez que, nas duas últimas ocasiões de tentativa de diálogo para entender e resolver o problema dos salários, o STAE optou pela estratégia do silêncio, tendo inclusive usado a polícia para dispersar os seus colaboradores, que simplesmente lutavam para que fossem pagos pelo trabalho prestado à instituição.
Entretanto, após um encontro de concertação, os vogais e técnicos do STAE saíram com rostos aparentemente a brilhar. Segundo eles, receberam a promessa de que esta semana seriam pagos os seus ordenados. Caso contrário, na próxima quinta-feira (27.03), retornarão aos protestos.
Por sua vez, contactado pelo Dossiers & Factos, o director provincial do STAE em Gaza, Mário Konsana, através de um dos seus subordinados, visto que não se encontrava no local de trabalho na última quarta-feira, mandou informar ao jornal que, ainda no final deste mês, o problema dos salários será ultrapassado.
O STAE em Gaza ressalva que não se trata necessariamente de falta de vontade e alega que se trata de um assunto do nível central. Dito por outras palavras, Konsana deu a entender que estão reféns do Ministério da Economia e Finanças.
Cessação estranha de contratos em Maputo
Não é só em Gaza; em quase todo o País o STAE está embrulhado em dívidas. A nível central, por exemplo, há também relatos de não pagamento do 13 salário. Para além disso, as nossas fontes indicam que, em Dezembro do ano passado, através de uma circular, o director-geral do STAE, Loló Correia, mandou cessar os contratos de nível provincial, antes da data prevista, mantendo os contratos de nível distrital até Fevereiro.
As fontes alegam que, em condições normais, os contratos são estendidos até um mês após a investidura do Presidente da República, para permitir a conclusão de relatórios, entre outros expedientes.
Para reagir a estas alegações, Dossiers & Factos contactou a porta-voz do STAE, Regina Matsinhe, que não atendeu às chamadas, nem respondeu às perguntas enviadas.
Problemas pioram com Loló Correia
O director-geral (DG) do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) é considerado um gestor com histórico de má liderança. “Por onde passa, sai mal na fotografia”, acusam nossas fontes, apontando os casos de Sofala e Tete, onde foi duramente criticado devido à sua suposta arrogância e prepotência.
Desde que ascendeu ao cargo de DG do STAE, em Setembro de 2022, envolto em polémica, a liderança de Loló Correia tem sido posta à prova, o que se justifica pela forma como chegou ao órgão mais importante de gestão dos processos eleitorais no País.
Num processo nebuloso, Correia venceu num concurso público no qual também participaram José Grachane, Mário Cossane, Helena Garrine e Jossias Gandachaco. Em meio à contestação, acabou sendo respaldado pela plenária da CNE, ao conquistar 10 dos 17 votos.
Internamente, Correia é descrito como um homem que guarda mágoas, daí ter supostamente isolado os seus adversários, com destaque para José Grachane, que chegou a requerer a suspensão da eleição de Correia.