O presidente da Assembleia Provincial de Gaza, José Tsambe, considera Venâncio Mondlane (VM) um “agente do diabo, boateiro e bebé chorão”. Alega que Mondlane não tem agenda própria e, ao contrário de uma grande franja da sociedade, acredita que uma “sentada” para diálogo com o auto-intitulado “presidente do povo” seria “água por cima do pato”, ou seja, não teria nenhum desfecho. Entretanto, na mesma província, há ainda quem defenda a prisão, tortura e massacre de VM e seus apoiantes.
Texto: Maidone Capamba, em Gaza
Num evento na residência protocolar da governadora de Gaza, Margarida Mapandzene, organizado para colher propostas sobre como devolver o país, mergulhado em convulsões sociais, aos carris, José Tsambe teve uma das intervenções mais contundentes. O presidente da Assembleia Provincial começou por reconhecer os problemas sociais – pobreza, desemprego, alto custo de vida – que assolam a maioria dos moçambicanos, assumindo que os mesmos poderão estar a contribuir para a indignação da sociedade. Contudo, pouco tempo depois, virou os canhões para Venâncio Mondlane, sobre quem desferiu vários ataques verbais.
Debruçando-se sobre as manifestações que assolam a província de Gaza e não só, Tsambe perguntou aos presentes se Venâncio Mondlane era “pastor da igreja”, ao que responderam negativamente. O responsável concordou com a resposta, dando ainda a entender que VM não apresenta, nem de longe, as qualidades de um servidor de Deus.
Prosseguindo, disse que as acções de VM condizem com a sua personalidade, supostamente baixa, acrescentando que este devia ser mais moderado nas suas aparições públicas, para evitar mais “protestos”, que, afinal, até podem estar associados a fenómenos supersticiosos. É que, para José Tsambe, os que morreram carbonizados quando tentavam saquear produtos num armazém de chineses, no bairro George Dimitrov, vulgo Benfica, na cidade de Maputo, no auge das manifestações, podem ter sido vítimas de rituais satânicos do “não pastor”, porque “um pastor da igreja não deixa as pessoas morrerem”.
“Um boateiro sem ideias próprias”
As críticas de José Tsambe continuaram, desta vez a propósito das iniciativas de diálogo do ex-Presidente da República, Filipe Nyusi, no ano passado. Tsambe recordou que Venâncio Mondlane foi convidado por Nyusi a participar no diálogo, numa altura em que ainda se encontrava fora do país. Na ocasião, Mondlane respondeu com uma proposta de termos de referência que, de acordo com Tsambe, não passou de “pré-condições absurdas”, até porque “nem sempre se pode sentar à mesa com um Chefe de Estado”.
Mais adiante, o articulista quis saber da plateia se era razoável “encostar à parede um Presidente da República”. Depois de ouvir um uníssono “não”, continuou com o seu discurso, caracterizando VM como um boateiro e sem ideias próprias. “Primeiro reclamou da verdade eleitoral, depois do alto custo de vida, mais tarde ordenou o bloqueio de estradas”, disse, garantindo que o eventual diálogo com este político tem tudo para encalhar.
A “diabolização” de Venâncio Mondlane
Durante a colecta de propostas para ultrapassar a actual crise sociopolítica, marcada por violência contra pessoas, destruição de bens públicos e privados, incluindo sedes do partido Frelimo, para além de ocupação de espaços considerados ociosos, um líder comunitário pediu a palavra para sugerir que as autoridades sejam mais radicais.
O responsável, cuja identidade preferimos ocultar, sublinhou que, no passado, não se tolerava o que designou de abuso, lamentando o facto de, agora, as coisas estarem supostamente de qualquer maneira. O líder comunitário foi mais longe, sugerindo que Venâncio Mondlane e seus apoiantes sejam torturados ou presos, como forma de os castigar pelo caos alegadamente por eles provocado após a confirmação da vitória de Daniel Chapo e da Frelimo pelo Conselho Constitucional.
Seguidamente, uma outra líder comunitária tomou a palavra para expressar revolta pela presença de crianças em actos de protesto, chegando mesmo a propor o recurso a “palmadinhas” para as dissuadir.
“Nos nossos tempos, a minha criança podia levar porrada do vizinho”, disse, para a satisfação do presidente da Assembleia Provincial, demonstrada pela seguinte declaração: “Há uma senhora aí que falou em bater nas crianças que se comportam mal, gostei!”.
Entretanto, a palavra passou para um terceiro líder, que se apresentou como desmobilizado da guerra civil dos 16 anos e aproveitou a ocasião para criticar o Governo, a quem acusa de o marginalizar ao, alegadamente, não pagar o subsídio a que tem direito.
Depois do desabafo, o líder comunitário, que também é patrono de uma igreja, pediu armas para fazer render os manifestantes, incluindo o próprio Venâncio Mondlane. No entanto, este discurso de guerra foi repreendido por Carlos Mula, membro da Sociedade Civil (SC) entrevistado à margem do encontro.
Para Mula, as forças das armas não vencem um povo determinado a ir até às últimas consequências para ver os seus problemas resolvidos. “As armas só semeiam o luto e a dor”, lembrou, exigindo que Daniel Chapo faça de tudo para pacificar o País.
“Manifestantes contribuíram para encarecimento de vida”
Na sua vez, a governadora da província de Gaza, Margarida Mapandzene, assumiu que são legítimas as reclamações sobre o alto custo de vida e a necessidade de expansão da energia eléctrica, prometendo que o Governo vai resolver tais situações. Mas sublinhou que as reclamações não podem acontecer nos moldes actuais, pois pioram a situação.
“Essas manifestações, consideramo-las violentas, porque há incêndios, há bloqueio de estradas, há vandalização de postes de transporte de energia”, afirmou.
A governadora acrescentou que são os manifestantes que provocam o disparo de preços dos produtos, por isso, pediu que se pare com as manifestações violentas e se opte por manifestações pacíficas.
Margarida Mapandzene afirmou ainda que o Presidente Daniel Chapo não dorme, porque está à procura da melhor fórmula para melhorar as condições de vida. “Foi aprovado o fundo de reabilitação económica, foi aprovado o fundo de desenvolvimento local”, explicou a governante, garantindo que essas medidas serão uma lufada de ar fresco para mais de 60% dos jovens que saíram do desemprego. Ainda apontou a isenção do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nos produtos básicos, até dia 31 de Dezembro, como parte dos esforços do Governo visando devolver dignidade aos moçambicanos.
O roteiro das manifestações
Está cada vez mais claro que a Frelimo em Gaza, província tida como bastião do partido sexagenário, perdeu autoridade. Desde o anúncio dos resultados eleitorais de 9 de Outubro, os distritos de Chibuto, Chókwè, Bilene, Chongoene e Xai-Xai assistiram a um verdadeiro caos.
Em Chibuto, o maior complexo comercial foi destruído por jovens, deixando vários colaboradores à deriva. Num outro episódio, recentemente, houve confrontos entre manifestantes e as autoridades policiais, resultando em três mortes de civis e vários feridos.
Em Chókwè, as manifestações causaram um óbito, vários feridos e a destruição de várias infraestruturas públicas e privadas. E, como se não bastasse, houve uma tentativa de assassinato do representante de Venâncio Mondlane.
Em Bilene, além de muitos bloqueios, houve destruição de várias infraestruturas públicas e privadas, várias detenções e perda de empregos.
Mais recentemente, os manifestantes em Bilene, inspirados na Sri Lanka, invadiram uma casa luxuosa de Roque Silva, o ex-secretário-geral da Frelimo, deram mergulho na sua piscina e acusaram o proprietário da casa de não ter sentimentos, porque, segundo os mesmos, ao invés de contratar mão-de-obra local para a sua estância turística, “importou” colaboradores. Nesse dia, os agentes da PRM estiveram no local, mas ficaram indiferentes face à ousadia dos manifestantes, que depois abandonaram o local.
Em Chongoene, houve dois incidentes. O primeiro foi o bloqueio da entrada ao aeroporto Filipe Jacinto Nyusi, com os bloqueadores a exigirem a retirada do nome do ex-Presidente da República naquele “elefante branco”, justificando que em nada os beneficia; o segundo episódio foi a paralisação das obras do terminal portuário, uma infraestrutura que vai fazer o transporte de minério de grande valor, proveniente de Chibuto, para o exterior.
Entretanto, na cidade de Xai-Xai, houve um caso inusitado, em que desconhecidos inverteram a moeda, queimando uma residência de largos milhões que, na verdade, seria doada à PRM, para que servisse de esquadra, já que os agentes locais trabalhavam em condições penosas, debaixo de um cajueiro, sem comida e água. O doador é simpatizante de Venâncio Mondlane, o que terá enfurecido alguns sectores.
A par dos acontecimentos, o novo comandantegeral da PRM, Joaquim Sive, à margem da apresentação do novo comandante provincial de Gaza, exteriorizou o seu desagrado com o estado das coisas, não só em Gaza, mas em quase todo o país.
Sive disse que os que fazem tudo isso são criminosos, e não necessariamente manifestantes, e avisou aos organizadores das manifestações violentas que serão caçados até ao último segundo, para que sejam penalizados pelas suas acções.
“Queremos apelar para que essas pessoas parem de organizar grupos ou situações que descambam na paralisação de veículos, na destruição de infraestruturas públicas e privadas, entre outras acções. Nada justifica esse tipo de actos na nossa província de Gaza”, afirmou.
Lembre-se de que, aquando do início das manifestações, os manifestantes exigiam que se reconhecesse que o vencedor das eleições de 9 de Outubro último era Venâncio Mondlane, e não Daniel Chapo. Isso construiu a narrativa de que o mentor de todo o caos que se vive em quase todo o território nacional é Venâncio Mondlane, uma vez que foi ele quem convocou as manifestações nas suas redes sociais.
No entanto, Venâncio Mondlane acabou por desconvocar as manifestações, mas estas tomaram outro rumo, mantendo-se activas até aos dias de hoje.