O Governo moçambicano anunciou esta semana a venda de 91% das acções das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) a três empresas públicas por 130 milhões de dólares, montante que será utilizado na aquisição de oito novas aeronaves. No entanto, especialistas questionam a racionalidade económica do valor estipulado para a transacção e os possíveis impactos desta decisão na estabilidade financeira das empresas envolvidas.
Texto: Amad Canda
Segundo o economista Vasco José, ouvido pelo Dossier Económico, o preço definido para a alienação da LAM não reflecte a real opinião do mercado sobre o valor dos títulos. “A LAM é um negócio insolvente e, do ponto de vista contabilístico, o seu valor real de aquisição é zero”, afirmou. Para justificar um preço de 130 milhões de dólares, seria necessário considerar aspectos como a reputação da companhia, o seu posicionamento no mercado e as expectativas de crescimento a longo prazo. No entanto, José salienta que esses factores devem ser determinados pelo mercado e não por uma decisão administrativa do Governo. “O mercado é que gera o valor económico, não uma imposição estatal”, frisou.
A venda das acções será feita às empresas públicas Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) e Empresa Moçambicana de Seguros (Emose). Contudo, a Standard Research alertou que estas entidades representam uma parcela insignificante da procura potencial das acções da LAM. “A alienação da companhia não segue a lógica de alocação de recursos baseada na economia neoliberal, onde os preços devem responder à dinâmica das forças de mercado”, destacou a instituição num relatório recente.
A Standard Research também enfatizou que o conceito de “goodwill”, que poderia justificar um preço acima do valor contabilístico, não se aplica neste caso. “Este conceito só faria sentido se houvesse um processo competitivo de aquisição das acções, algo que claramente não ocorreu”, referiu a análise. Segundo a instituição, a decisão governamental pode transmitir uma mensagem negativa aos investidores sobre a gestão das empresas estatais em Moçambique. “A decisão sugere que as empresas detidas pelo Estado não estão orientadas para a rentabilidade, podendo ser forçadas a investir em negócios deficitários”, explicou Vasco José.
Além disso, existe o risco de desvalorização das acções da HCB e da Emose. “Os accionistas destas empresas podem querer desfazer-se das suas participações, uma vez que a decisão do Governo aumenta a percepção de risco”, alertou José. “Todavia, como a procura por estas acções não está a crescer, isso pode levar a uma queda nos seus preços”. Em contrapartida, os CFM não enfrentam o mesmo risco, já que são integralmente detidos pelo Estado e não estão cotados na Bolsa de Valores de Moçambique. “A volatilidade dos mercados não impacta directamente os CFM, o que lhes garante alguma estabilidade”, observou o economista.
O especialista também questionou a coerência da política económica do Governo em relação ao sector empresarial do Estado. “Falta uma estratégia clara que defina os sectores estratégicos e os critérios para transferência de capital entre empresas públicas”, afirmou. “Sem essas definições, decisões como esta podem comprometer futuras mobilizações de recursos e afastar potenciais investidores”.
O Executivo moçambicano justifica a venda das acções com a necessidade de renovar a frota da LAM e melhorar a sua eficiência operacional. No entanto, analistas argumentam que esta medida pode não ser suficiente para reverter os problemas estruturais da companhia. “O problema da LAM não é apenas falta de aeronaves, mas sim um modelo de gestão ineficaz e dificuldades financeiras crónicas”, apontou José. “Se essas questões não forem resolvidas, a aquisição de novos aviões pode apenas agravar o défice financeiro da empresa”.
Além disso, a falta de transparência na definição do valor das acções e o impacto da transacção nas outras empresas envolvidas continuam a alimentar o debate sobre a sustentabilidade da operação. “O Governo precisa de esclarecer os critérios usados para definir este valor e garantir que a decisão não prejudica o desempenho das empresas que estão a adquirir as acções”, concluiu Vasco José.
Texto extraído da edição 149 do Dossiers Económico