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Extensa, populosa e problemática: Matola precisa ser dividida

A cidade da Matola é uma das que mais cresce nos últimos anos em Moçambique, com a chegada massiva de cidadãos provenientes de outros pontos do país, incluindo a capital Maputo, agravando, assim, alguns dos velhos problemas, nomeadamente o assentamento informal, o deficiente saneamento do meio, a fraca mobilidade, entre outros. O Conselho Municipal da Cidade da Matola começa a revelar-se “insuficiente” para a dimensão e complexidade dos problemas. A criação de novas estruturas de governação mais descentralizadas pode ser a solução.

Texto: Serôdio Towo

A passos largos para completar meio século (agora tem 46 anos), Matola é uma cidade que se confronta com problemas de vária ordem, alguns dos quais crónicos, como é o caso da gestão de resíduos sólidos. À medida que o tempo passa, a complexidade dos problemas sobe de nível, na mesma proporção em que aumenta o número de habitantes, e numa velocidade verdadeiramente alucinante.

Matola é onde todos querem estar

Numa entrevista exclusiva ao Dossiers & Factos, em 2020, alusiva ao 44.º aniversário da cidade da Matola, o edil Calisto Cossa disse que a edilidade estava a ser “pressionada” por jovens que buscam terrenos para a construção, e assumiu estar a gostar desse movimento, pois, no seu entender, isso mostra que Matola é um local “apetecível” e “aprazível”.

Os números parecem dar razão ao autarca. Se em 1980 a cidade era habitada por 201 165 habitantes, em 1997 tinha mais do que o dobro, concretamente 424 662 habitantes. Volvidos 10 anos, isto é, em 2007, já eram 671 556 os habitantes da urbe. O salto mais impressionante, porém, foi dado nos 10 anos seguintes, com os números a subirem para 1.032.197 habitantes.

O Dossiers & Factos fez este levantamento em relatórios dos recenseamentos gerais da população e habitação realizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em cada 10 anos. No presente, e volvidos cinco anos após a realização do último censo, é de prever que o número já seja maior.

Mesmo num cenário em que os dados continuassem iguais aos de 2017, já seria particularmente interessante olhar para os mesmos (dados do INE) e constatar que Matola é responsável por mais de 50% da população da província de Maputo. Exceptuando a própria Matola, a província é composta por sete distritos, nomeadamente Boane (210367 pessoas), Magude (62297 pessoas), Manhiça (205053 pessoas), Marracuene (218788 pessoas), Matutuine (43664 pessoas), Moamba (88583 pessoas) e Namaacha (47129 pessoas).

Juntos, os sete distritos têm uma população estimada em 875881 habitantes, bem abaixo dos cerca de 1.032.197 habitantes que se encontram a residir na cidade da Matola.

Estima-se que em Moçambique cerca 66,6% da população reside na área rural, contra apenas 33,4% na área urbana. Curiosamente, a província de Maputo é a única cuja população urbana (1.360.266) supera a população rural (547812), e para isso contribui muito a cidade da Matola, que é o maior centro urbano desta parcela do país.

Matola é uma cidade que procura respirar

Segundo o mesmo relatório, o município da Matola tem 373 km² de extensão territorial, e é menor que qualquer outro distrito da província de Maputo, sendo que Namaacha tem 2 196 km²; Boane 815 km²; Matutuine 5 387 km²; Magude 7 010 km²; Manhiça 2 380 km²; e Moamba 4 628 km².

Os mais de um milhão de habitantes dentro de um espaço de menos de 400 km² resultam numa densidade populacional de 2 767,3 hab./km², uma das maiores do país. Este cenário pressiona sobremaneira as autoridades municipais.

Ora vejamos, Matola tem um total de 42 bairros, divididos em três postos administrativos, nomeadamente o posto administrativo da Matola-Sede,  com 13 bairros, designadamente Matola A, Matola B, Matola C, Matola D, Matola F, Matola G, Matola H, Matola J, Fomento, Liberdade, Mussumbuluco, Malhampsene e Sikwama.

Posto Administrativo da Machava,  com 14 bairros, designadamente Machava Sede, Infulene A, Trevo, Patrice Lumumba, São Dâmaso, Bunhiça, Tsalala, Km-15, Matlemele, Nkobe, Matola-Gare, Singathela, Nwamatibjana e Km-25 (Sidwava);

Posto Administrativo de Infulene,  com 15 bairros, designadamente T-3, Zona Verde, Ndlavela, Infulene D, Acordos de Lusaka, Vale do Infulene, Khongolote, Intaca, Boquisso, Mali, Mukatine e Muhalaze.

É curioso que a maioria destes bairros, os chamados de expansão, já estão superpovoados, com destaque para Ndlavela, Tsalala e Khongolote, que são os maiores em termos de habitantes. Nesta altura, apenas Mukatine, Boquisso, Mali, Muhalaze (posto administrativo de Infulene); Nwamatibjana e Matlemele (posto administrativo da Machava) continuam com espaço para acolher novas infra-estruturas para habitação, bem como empreendimentos comerciais, confirmou ao Dossiers & Factos o edil da Matola, na já referida entrevista.

Duas cidades numa só

A cidade da Matola tem várias faces, uma vez que os vários bairros enfrentam desafios diversos. De um lado, temos a zona de cimento, categoria em que podem ser enquadrados alguns bairros do posto administrativo da Matola-Sede e Machava.

Os problemas básicos, na zona de cimento, parecem já estar ultrapassados. Salvo raras excepções, as vias de acesso são minimamente boas, os sistemas de drenagem assim como de abastecimento de água e electricidade funcionam em pleno, pelo que terão agora outras preocupações, nomeadamente aspectos ligados à qualidade de Internet, canalização do gás de cozinha, ou centros de diversão.

Há também bairros mais recentes e que, embora não estejam propriamente no centro da cidade-cimento, apresentam um bom nível de organização, e ostentam construções que sugerem que também são habitadas por gente da classe média-alta. São os casos de Mussumbuluco e parte da Matola-Gare (Tchumene 1 e 2).

No entanto, do outro lado da moeda, a realidade é outra e mais desafiadora para quem governa. A crescente procura por espaços para habitação levou a que milhares de cidadãos se antecipassem às autoridades municipais e chamassem para si a responsabilidade de decidir onde, quando e como construir.

O resultado não poderia ter sido mais trágico. As construções estão extremamente desordenadas, de tal sorte que, em alguns bairros, não há espaço nem para a abertura de ruas que permitam a entrada de ambulâncias ou carros do Serviço Nacional de Salvação Pública, quando necessário. Com a mobilidade comprometida, os problemas de transporte não são nenhuma surpresa e não têm fim à vista.

Outro problema não menos importante é o facto de estes bairros estarem desprovidos de vários serviços púbicos (escolas, hospitais, entidades que emitem vários documentos essenciais), o que resulta, por um lado, da natureza centralizadora do Estado, e, por outro, da circunstância de não terem sido reservados espaços para infra-estruturas dessa natureza.

O desafio ambiental e a saúde pública

O saneamento do meio mostra-se o maior dos problemas nos bairros periféricos da cidade da Matola. Milhares de casas estão em áreas propensas a inundações, e o resultado é o que se vê cada vez que a chuva cai nesta região do país.

Bairros como Liberdade, Fomento, Sikwama, Nkobe, Bunhiça são alguns dos mais críticos neste capítulo.

A situação ganha outros contornos porque em muitos dos bairros não há sistemas de drenagem fiáveis para o escoamento das águas. Mas os poucos que existem são, muitas vezes, usados como lixeiras, numa cidade que produz cerca de 500 toneladas de lixo por dia.

Descentralizar para melhor gerir

A Matola de há 40 anos e a de hoje são totalmente diferentes. Hoje, aumentaram não só os desafios, mas também o nível de exigência e o escrutínio dos munícipes, pelo que se torna importante que as autoridades se reinventem, de forma a estarem à altura das circunstâncias.

Num país tão extenso como Moçambique, o Estado, com seus parcos recursos, tem imensas dificuldades para cumprir o seu papel em todo o território nacional. Este raciocínio alimentou a onda das descentralizações, nomeadamente através da criação de municípios e, mais recentemente, de governos provinciais teoricamente autónomos.

O mesmo pensamento deve, hoje, nortear a criação de uma ou mais entidades – talvez uma espécie de micro municípios – ao nível da Matola. A cidade mais industrializada do país precisa ser dividida, pois está cada vez mais claro que o município, por insuficiência de condições, quer financeiras, quer administrativas, não pode responder cabalmente às exigências actuais.

A experiência das freguesias – unidades administrativas inferiores ao município – vigente em Portugal pode servir-nos de exemplo. Embora tenha pouco mais de 500 mil habitantes e 100,05 km² de extensão territorial, a cidade de Lisboa, por exemplo, é subdividida em dezenas de freguesias, como são os casos de Aveiro, com 20 131 habitantes, e Marvila, com 35 463 habitantes.

As freguesias são governadas por uma Junta de Freguesia, órgão executivo eleito pelos membros da Assembleia de Freguesia, que, por sua vez, é eleita pelos cidadãos.

Numa dimensão mais grande, a Espanha, com 47,35 milhões de habitantes, adoptou o modelo das comunidades autónomas, tendo actualmente 17.

Não se pode garantir que tais experiências tenham sucesso no contexto da Matola, mas podem servir de base para reflexão e inspirar outras ideias.

O certo é que o crescimento desigual desta cidade leva a que cada posto administrativo tenha necessidades específicas, e focar-se em todos em simultâneo, quando os recursos financeiros são escassos, é quase uma missão impossível.

Nestes termos, a outorga de autonomia e poderes executivos aos três postos administrativos pode permitir maior flexibilidade na resolução dos problemas mais candentes de cada território.

Isto é, o debate que é levantado pela autarquia e pelos amantes do partido no poder, no sentido de elevar Matola ao estatuto de município de nível “A” não nos parece ser a solução, sendo que a divisão do município, pelos factores acima referidos, pode ser o ideal. D&F

*Texto extraído da edição 462, 02 de Maio de 2022

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