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EXTRACÇÃO DE OURO: Chineses condenam comunidades à fome em Manica

– Enquanto isso, Governo assiste impávido

Na localidade de Muze, distrito de Manica, a mais de 80 quilómetros da vila-sede, a vida tornou-se um verdadeiro drama. Os habitantes, que dependem da agricultura e do garimpo artesanal para sobreviver, enfrentam uma realidade cada vez mais sombria, tudo por conta da poluição das águas do rio Revue devido à extracção ilegal de ouro por parte de empresas fantasmas chinesas.

Texto: Dossiers & Factos

Em Muze, a pobreza é avassaladora. A população, que outrora dependia das suas machambas e dos rios para sustento, agora vê essas fontes de vida a desaparecerem. A água, que antes irrigava os campos e sustentava o gado, está contaminada. As machambas, outrora férteis, tornaram-se improdutivas devido à poluição das águas. O mercúrio e outros químicos usados nas operações de mineração por empresas pertencentes a cidadãos chineses envenenaram os rios, matando o peixe e tornando a água imprópria para o consumo humano e animal.

Os habitantes de Muze apontam o dedo às mineradoras, acusando-as de poluir os rios e destruir as suas terras com a cumplicidade do Governo. “Sempre ameaçavam a população; quando apanhassem alguém no rio com uma bacia a lavar, quase prendiam. Mas a culpa é desses da empresa, que poluem a água”, desabafa um morador. O peixe, que era uma fonte vital de proteína, já desapareceu. “Mal entraram os chineses, já nem temos milho ou inhame, que cultivávamos aqui”, lamenta outro residente.

A situação é agravada pela concessão de terras às empresas de mineração, muitas vezes sem o consentimento das comunidades. Noutras situações, famílias inteiras foram aliciadas com valores que variam de 300 mil a um milhão de meticais para entregarem as suas terras. Contudo, o preço pago por estas terras não compensa a perda das mesmas, deixando as comunidades sem meios de subsistência.

Contaminação da água e a morte do gado

O uso de mercúrio e outros produtos químicos pelas mineradoras não só contaminou as águas dos rios, mas também condenou o gado à morte. “Neste momento, a água não serve nem para banho, nem para abeberamento do gado, muito menos para as machambas”, explica um morador. O rio Revue, que nasce no Zimbabwe, atravessa Manica e desagua em Sofala, interligando-se ao rio Búzi, está agora carregado de sedimentos e poluentes que afectam todo o ecossistema ao longo do seu percurso.

João Filipe, outro residente de Muze, revela a dura realidade: “Já nem há peixe porque a água está suja.” A degradação do am biente e a perda das fontes de sustento têm levado as comunidades ao limite, com muitos a não saberem como irão sobreviver ao futuro incerto que enfrentam.

Na margem do rio Revue, a situação é alarmante. Uma empresa de mineração trabalha incessantemente, 24 horas por dia, utilizando bulldozers e embarcações para escavar, lavar e seleccionar o minério. “A embarcação trabalha 24/24, faz escavação, lavagem e até a selecção do minério”, relata um aldeão. As escavações constantes e o uso de produtos químicos altamente poluentes têm destruído o rio, colocando em risco não apenas a fauna e a flora, mas também a saúde das comunidades que dependem dessas águas.

Silva Wacane, especialista ambiental, expressa a sua preocupação com a situação: “Tendo em conta a forma de exploração do ouro no Revue, os materiais usados não ajudam a conservar o meio ambiente, em particular a água. A água é berçário dos sistemas marinhos, particularmente fluviais, que assim estão em risco.” Wacane acrescenta que o problema estende-se até à foz do rio, no Oceano Índico, ameaçando todas as espécies que dependem dessas águas.

Com a poluição crescente, as espécies que não suportam águas turvas estão a desaparecer, o que afecta toda a cadeia alimentar. Animais que dependiam dessas espécies para se alimentar estão agora sem o que comer, ameaçando a biodiversidade da região. Wacane levanta uma questão crucial: “Se você é consumidor de peixe que já consumiu de algum modo essa sujidade, então somos consumidores secundários. Até que nível o peixe e o homem admitem a concentração de mercúrio no organismo? Não sabemos.”

A Inacção das autoridades e a revolta das comunidades

Apesar das denúncias e do desespero das comunidades, o Governo tem permanecido em silêncio. As direcções provinciais do Ambiente e dos Recursos Minerais em Manica não se pronunciaram sobre o assunto, e em Maputo, a AQUA afirmou não ter conhecimento da situação, prometendo fazer as necessárias averiguações.

Omar Custódio, coordenador provincial dos recursos minerais do CTA em Manica, reconhece o problema como um “calcanhar de Aquiles”. Ele admite que há lacunas legais no seio de muitas destas empresas, dificultando o controlo e a implementação de boas práticas.

“A não filiação faz com que encontremos dificuldades nas comunidades locais porque as boas práticas não estão a ser levadas em consideração. Mas porque as empresas não estão cadastradas, o controlo fica difícil. Há fuga ao fisco também”, lamenta Custódio.

As comunidades de Muze e outras localidades afectadas pelas operações das mineradoras clamam por justiça. Elas pedem ao Governo que intervenha de forma eficaz para proteger as suas terras, águas e meios de subsistência. A destruição causada pelas mineradoras não só ameaça a vida actual das comunidades, mas também o futuro das próximas gerações.

As palavras de um aldeão resumem o sentimento de muitos: “O Governo sabe e nada faz.” O desespero é palpável, e a inacção das autoridades só aumenta o sentimento de abandono e injustiça. É urgente que se tome uma atitude para reverter o curso desta tragédia antes que seja tarde demais para as comunidades de Muze e para o meio ambiente que sustenta a vida na região.

Texto Extraído na edição 577 do Jornal Dossiers & Factos

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