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FACE À PERTURBAÇÃO DA ORDEM CONSTITUCIONAL: “Estado de sítio deve ser equacionado”

Face às intensas manifestações que têm tomado as ruas dos principais centros urbanos de Moçambique, com impactos significativos na actividade comercial e até na Função Pública, e registando-se episódios de violência que já provocaram mortes tanto de manifestantes como de agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM), sobretudo nas províncias de Manica e Nampula e cidade de Maputo, surgem vozes que sugerem que o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, reúna o Conselho de Estado e o Conselho Nacional de Defesa e Segurança para avaliar a possibilidade de decretar o estado de emergência ou de sítio.

Texto: Dossiers & Factos

De acordo com a alínea b do artigo 166º da Constituição da República de Moçambique, é competência do Conselho de Estado pronunciar-se, obrigatoriamente, sobre “a declaração de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência”. A Constituição prevê ainda, na alínea d) do artigo 269º, que o Conselho Nacional de Defesa e Segurança tem a responsabilidade de “analisar e acompanhar iniciativas de outros órgãos do Estado que visem garantir a consolidação da independência nacional, o fortalecimento do poder político democrático e a manutenção da lei e da ordem”.

Num momento em que a ordem pública cedeu lugar ao caos, várias figuras proeminentes da sociedade moçambicana, em declarações prestadas ao jornal Dossiers & Factos sob anonimato, afirmam que faz todo o sentido consultar estes órgãos sobre a viabilidade de um possível estado de emergência ou de sítio.

Segundo o artigo 282º da Constituição moçambicana, o estado de sítio ou de emergência pode ser declarado, total ou parcialmente, no território nacional em casos de agressão, ameaça grave, perturbação da ordem constitucional ou calamidade pública. A declaração deve ainda especificar as liberdades e garantias que poderão ser suspensas ou limitadas.

Depredação e desobediência civil na lista de argumentos

As manifestações, que têm resultado na destruição de infra-estruturas, pilhagens a estabelecimentos comerciais e incitação à desobediência civil — incluindo apelos ao não pagamento de impostos por parte de Venâncio Mondlane, candidato presidencial e líder das manifestações —, são vistas por especialistas ouvidos pelo Dossiers & Factos como sinais claros de “perturbação da ordem constitucional”. Entre os entrevistados estão um docente de direito e um perito em segurança, que defendem que “os sinais são evidentes, pelo que faz sentido considerar seriamente a possibilidade de estado de sítio”.

Na segunda-feira, 04 de Novembro, marcou o quarto dia das manifestações em repúdio aos resultados eleitorais, e Venâncio Mondlane já anunciou que os protestos deverão prolongar-se até ao dia 7 de Novembro, data em que está planeada a chamada “marcha sobre Maputo”. Mondlane afirma que essa marcha culminará com a “tomada de poder” por parte do povo, uma expressão que alguns interpretam como simples metáfora, mas que, para outros sectores, representa uma ameaça real de golpe de Estado.

Aumento da presença policial e tensão nas ruas

Na capital e em outras grandes cidades, a presença policial tem-se intensificado. Forças de segurança, equipadas com tanques, cães e armamento pesado, têm reprimido os manifestantes recorrendo a gás lacrimogéneo, balas de borracha e, em alguns casos, munições reais, provocando mortes e ferimentos. O clima de tensão aumenta a cada dia, com as forças policiais a adoptarem uma postura rígida para conter a escalada dos protestos.

Com o País em clima de confrontação, várias figuras da sociedade civil apelam ao diálogo como única solução para a crise, alertando para as graves consequências que poderão advir da implementação de um estado de sítio. Contudo, a pressão sobre o Governo para manter a estabilidade é cada vez maior, e os próximos dias poderão ser decisivos para determinar o rumo que Moçambique tomará.

Enquanto a data da “marcha sobre Maputo” se aproxima, a decisão sobre o estado de sítio ou de emergência permanece como uma questão urgente e delicada, que exigirá ponderação e consenso entre as lideranças políticas do País, entendem nossas fontes.

Experiência de Cabo Delgado e a resposta do Governo

Curiosamente, apesar do terrorismo que assola a província de Cabo Delgado desde 2017, o Governo moçambicano não decretou o estado de sítio ou de emergência, mesmo diante de uma situação de extrema violência que inclui ataques a civis, deslocamento forçado de milhares de pessoas e destruição de infra- -estruturas. Em resposta à crise, o Estado optou pela presença militar intensificada, contando com o apoio de forças estrangeiras, nomeadamente do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), mas sem oficializar medidas como o estado de emergência. Nalgumas zonas, há um recolher obrigatório não oficial, uma prática que visa restringir o movimento nocturno como forma de proteger as populações e prevenir novos ataques.

A última vez que Moçambique viveu sob o regime de estado de emergência foi entre 2020 e 2021, durante a pandemia da Covid-19. Naquela ocasião, o Governo decretou o estado de emergência para conter a propagação do vírus, impondo restrições de circulação, encerramento de estabelecimentos comerciais e suspensão de actividades não essenciais. A medida foi levantada progressivamente à medida que o país ganhava controlo sobre a situação sanitária.

O regresso das guias de marcha

Os temores de uma adesão massiva à mega- -manifestação convocada por Venâncio Mondlane na cidade de Maputo, a ter lugar na próxima quinta-feira, 07 de Novembro, estão a levar a sociedade moçambicana a regressar aos tempos das guias de marcha, que marcaram o período da guerra civil de 16 anos

A título de exemplo, quem sai de Chidenguele para Xai-Xai, na província de Gaza, é interpelado no Posto Policial de Xizavane, onde a polícia questiona os viajantes sobre o seu destino.

O mesmo sucede no Posto Policial fixo de Nhongonhuane, na zona limítrofe entre Gaza e Maputo, e no posto de Incoluane. Neste primeiro ponto, houve muitas detenções de pessoas que viajavam em camiões e outros meios de transporte. De resto, qualquer cidadão cuja explicação não convença a polícia acaba detido.

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