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Filipe Nyusi e João Lourenço: o exemplo do fracasso na governação

Moçambique e Angola são dois países que têm muito em comum, desde a heróica luta que pôs fim ao jugo colonial português, passando pelos recursos abundantes cuja exploração pouco beneficia a maioria das respectivas populações, daí a pobreza extrema prevalecente e sem fim à vista. Curiosamente, nos últimos anos, os pontos de contacto entre os dois países multiplicaram-se ainda mais, sobretudo por conta dos seus presidentes, que, infelizmente, comungam uma história de fracassos e “traições” na sua governação que faz com que sejam vistos, em ambos os lados, como uma espécie de “gémeos”.

Texto: Amad Canda

O colonialismo português, as lutas de libertação nacional que tiveram igualmente apoio da já extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), as guerras civis após as suas independências, os ataques perpetrados pelo regime do apartheid, existência de recursos naturais (petróleo e gás, por exemplo) que apenas beneficiam elites políticas e o grande capital internacional, os crescentes níveis de corrupção por parte de suas figuras políticas e a pobreza extrema fazem parte dos vários pontos de intercepção entre Moçambique e Angola, e que tendem a aumentar nos últimos anos muito por culpa das suas actuais lideranças máximas, nomeadamente, Filipe Jacinto Nyusi e João Lourenço (JLO). Semelhanças nas trajectórias das duas figuras, marcada por ascensões meteóricas e conflitos com os respectivos “mestres”, fazem com que analistas de ambos os países os rotulem de “gémeos siameses fisicamente distantes”.

As semelhanças de governação vs. traições em nome da justiça

Filipe Nyusi, que caminha para o fim do seu segundo e último mandato presidencial, depois de ter chegado ao poder, em Janeiro de 2016, pela mão do seu antecessor, Armando Guebuza, que antes o tirara dos Caminhos de Ferro de Moçambique, onde foi director executivo dos CFM-Norte, para atribuir-lhe o estratégico cargo de ministro da Defesa Nacional, tinha no início uma relação excelente com o seu antecessor, evidenciada até pela forma como Guebuza o suportou politicamente.

Justamente por esta razão, à época, analistas políticos consideravam-no como um dos “delfins de Guebuza” , tal era a proximidade entre ambos, que veio a mudar com a gestão do dossier “Dívidas Ocultas”, que rapidamente arruinou essa relação, abrindo fissuras também no seio do partido Frelimo. Guebuza, por exemplo, nunca escondeu a convicção de que a forma como foi conduzido o processo 18/2019-C, que culminou com a condenação de seu filho — Ndambi Guebuza — e de outras proeminentes figuras dos serviços secretos próximas a si, consubstancia uma “perseguição política” levada a cabo pelo actual regime. Recorde-se que em 2020, Guebuza surpreendeu a Nação ao afirmar que não confiava na Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ora, quem também deixou de confiar na PGR foi a família “Dos Santos” logo após a ascensão de João Lourenço ao cargo de Presidente de Angola, em 2017. Tal como referem registos naquele país, JLO elegera, no seu discurso de tomada de posse, o combate à corrupção como prioridade máxima, mas a actuação da justiça angolana foi dando sinais de que, afinal, apenas a corrupção praticada pela família do já falecido José Eduardo dos Santos interessava combater.

O repentino surgimento de processos contra o clã Dos Santos, especialmente visando a milionária Isabel dos Santos, ao mesmo tempo que a crítica angolana denunciava impunidade de outros membros da elite política igualmente corruptos, cimentou a ideia de perseguição política. “Em Angola, o procurador, portanto, o general Pitta Grós, é tido pela família Dos Santos como magistrado que recebe ordens para processos judiciais directamente do presidente João Lourenço, tal como acusou Isabel dos Santos em 2022 numa entrevista à CNN Portugal.

Vale ressaltar, a título de curiosidade, que, tal como Nyusi em Moçambique, JLO foi ministro da Defesa em Angola, tendo igualmente chegado ao poder por indicação de José Eduardo dos Santos, que governou aquele país por longos 38 anos.

Países na bancarrota

À sua chegada aos mais altos cargos de Moçambique e Angola, Nyusi e JLO fizeram promessas que alimentaram esperanças dos respectivos povos, que esperavam por um futuro risonho, de prosperidade e felicidade. A realidade, porém, contrasta frontalmente com os discursos iniciais. Os dois países lusófonos enfrentam enormes dificuldades e, em determinadas matérias, estão ainda piores do que estavam.

Na Pérola do Índico, é o próprio Governo que assume na Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE 2025-2044), que a pobreza aumentou em 87% em dez anos, atingindo, em 2022, cerca de 65% da população. A isso soma-se a “falência” do Estado que, desde a introdução da Tabela Salarial Única (TSU), em 2022, não consegue sequer pagar salários em tempo útil aos mais de 300 mil quadros da Função Pública, violando sistematicamente o diploma ministerial n.º 210/2014, de 9 de Dezembro, sobre os procedimentos para o processamento e pagamento de salários aos Funcionários e Agentes do Estado (FAE).

Em terras da Palanca Negra, a situação não é diferente. Os salários na Função Pública deixaram de ter data, com a ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa, a justificar a situação com a pressão do serviço da dívida. É que, tal como Moçambique, Angola é um país altamente endividado. Em 2023, por exemplo, a dívida pública local cresceu 11,46%, atingindo USD 80,61 mil milhões, um nível considerado insustentável pela generalidade da crítica angolana.

Condicionados pelo serviço da dívida, Moçambique e Angola, de Nyusi e JLO, respectivamente, não dispõem de recursos para investir na “economia social”, o que coloca sectores como Educação e Saúde numa situação de abandono, como têm denunciado, em ambos os países, as respectivas organizações sindicais.

Partidos no auge da impopularidade

A história de Filipe Nyusi e João Lourenço dificilmente será dissociada da fase menos boa que a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) atravessam. É sob sua direcção que os históricos partidos atingiram aquilo que poderão ser os mais altos níveis de impopularidade desde a sua criação.

Mais do que as cada vez mais e frequentes manifestações populares contra a governação, essa impopularidade é demonstrada pelo desempenho nas eleições, que tende a piorar. Nas últimas eleições gerais, em 2022, o MPLA de JLO ganhou pela margem mínima, conquistando os modestos 51% dos votos, 10% abaixo do resultado alcançado em 2017. Para piorar, a sociedade angolana não ficou convicta da vitória do MPLA, num contexto em que várias contagens paralelas davam vitória à União Nacional para a Independência de Angola (UNITA).

Semelhantes episódios foram assistidos em Moçambique nas eleições autárquicas de 2023, com a Renamo a reivindicar vitórias em municípios importantes e outrora tidos como zonas de influência do partido no poder.

A relação com quem lhes abriu as portas do poder, a governação manchada pela crise salarial e a queda de popularidade dos partidos de que são presidentes fazem de Nyusi e JLO, que dirigem “países irmãos”, duas faces iguais de moedas diferentes, “gémeos siameses” fisicamente distantes.

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