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Fome e crise infra-estrutural atingem distritos de Tete e Sofala

Os distritos de Nhamatanda, Marínguè (Sofala), Angónia, Marávia e Magoe (Tete) enfrentam um drama diário marcado pela ausência de quase tudo, com particular destaque para a falta de serviços sociais básicos. A fome é uma presença constante nessas regiões, onde muitas famílias sobrevivem apenas com maçanicas e outros, porém poucos, produtos disponíveis. Não há centros de formação técnico-profissional para capacitar os jovens, e o ensino termina apenas na 12ª classe, deixando muitos sem perspectivas de futuro.

Texto: Anastácio Chirrute

Um dos problemas mais graves enfrentados por esses distritos é o estado precário das vias de acesso, que estão extremamente degradadas, dificultando a circulação de viaturas e bens essenciais. As estradas, em péssimo estado, transformam o simples acto de deslocar-se em uma provação. A poeira levantada durante a estação seca e a lama que toma conta das estradas na época das chuvas tornam a viagem uma tarefa árdua e perigosa.

Dentro das vilas-sede, os edifícios públicos são heranças coloniais em avançado estado de deterioração, necessitando urgentemente de reabilitação, sob pena de colapsarem. A falta de manutenção das infra-estruturas agrava ainda mais o sentimento de abandono das populações, que vêem a sua qualidade de vida cada vez mais comprometida.

Abandono e esquecimento pelas autoridades

As populações locais descrevem a situação como preocupante e relatam que há anos aguardam por melhorias que parecem cada vez mais distantes. A equipa do Semanário Dossiers & Factos visitou os distritos de Nhamatanda e Marínguè, na província de Sofala, e Marávia, Angónia e Magoe, na província de Tete, constatando um cenário de abandono e esquecimento por parte das autoridades governamentais.

Essa situação de abandono é particularmente sentida em Marínguè e Marávia, onde as condições de vida são extremamente difíceis. A população local sente-se esquecida e desamparada, sem acesso a serviços essenciais como saúde, educação e saneamento. A ausência do Estado é visível em todos os aspectos do quotidiano.

As vias de acesso são de terra batida e saibro, criando um desafio adicional para os automobilistas, que são obrigados a decorar cada buraco para evitar danos às suas viaturas. Uma viagem de 100 a 130 km, que deveria durar cerca de uma hora e meia, actualmente leva mais de cinco horas. Os passageiros, por sua vez, chegam aos seus destinos cansados, sujos e doentes, sem forças para enfrentar o dia.

O desgaste físico e mental causado pelas viagens prolongadas afecta directamente a qualidade de vida dos habitantes. Para além disso, o transporte de bens e produtos essenciais é severamente prejudicado, o que contribui para o agravamento das condições de vida nas zonas mais isoladas.

Fome e seca em Marínguè: a luta diária pela sobrevivência

Em Marínguè, a situação é particularmente dramática, com famílias inteiras a morrer de fome. As machambas não produziram quase nada devido à seca severa que afecta a região. Para sobreviver, muitas famílias recorrem à maçanica, um fruto silvestre que cozinham para enganar o estômago.

Gostava Mbondzi e Elisa Menez, residentes em Marínguè, são exemplos das muitas famílias afectadas pela seca. As culturas que tinham nas suas machambas secaram, deixando-as sem nada para comer. Para garantir a sobrevivência, recorrem à maçanica, que transformam em papa. A baixa capacidade de compra e os elevados preços dos produtos nas lojas locais agravam ainda mais a sua situação.

As condições de extrema vulnerabilidade em que vivem estas famílias reflectem a gravidade da crise humanitária na região. A falta de alimentos e a ausência de apoio governamental adequado estão a criar um cenário de desespero, onde a fome se tornou uma constante no dia-a-dia destas populações.

A população local pede socorro, temendo que a situação possa piorar e causar desnutrição crónica. “Temos algumas famílias que conseguiram produzir couve e salada, mas até Outubro, no máximo, já não haverá mais nada. O Governo devia intervir para nos ajudar, estamos a morrer de fome”, apelam os habitantes, conscientes de que as suas vidas dependem de uma resposta rápida e eficaz das autoridades.

O apelo das populações é um grito de socorro que não pode ser ignorado. A necessidade de uma intervenção humanitária urgente é evidente, e a comunidade internacional também deve ser mobilizada para prestar auxílio a estas regiões esquecidas.

Infraestruturas degradadas e condições precárias em Tete

De Sofala, a equipa de reportagem seguiu para Tete, visitando os distritos de Marávia e Magoe. A situação nestes locais é igualmente caótica, com infraestruturas que parecem ter sido herdadas do tempo colonial. Apesar de ser uma forma de preservar o património histórico e cultural, a verdade é que estes edifícios necessitam urgentemente de uma reabilitação para melhorar a imagem das vilas-sede.

A degradação das infraestruturas públicas em Marávia e Magoe é uma demonstração clara do desinteresse das autoridades em melhorar as condições de vida das populações. A falta de investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e saneamento está a perpetuar o ciclo de pobreza e exclusão social nestas regiões.

Em Marávia, as viaturas de baixa suspensão simplesmente não conseguem circular devido aos inúmeros buracos nas estradas. Mesmo as viaturas de alta suspensão precisam de muita prudência, pois pneus, amortecedores e outros componentes são frequentemente danificados. Um condutor que faz o trajecto Chiuta-Marávia diariamente relata que precisa levar a viatura ao mecânico quase todos os dias para substituir peças, um fardo financeiro significativo que pesa sobre as suas finanças já limitadas.

Os automobilistas que circulam por estas vias enfrentam um dilema diário: arriscam danificar as suas viaturas ou ficam presos em casa, sem poder deslocar-se para trabalhar ou levar os filhos à escola. Este cenário contribui para o isolamento das comunidades e limita as oportunidades de desenvolvimento económico e social.

Falta de formação profissional limita futuro dos jovens

Tanto em Marávia como em Magoe, a falta de centros de formação profissional é um problema grave. O ensino nestes distritos termina na 12ª classe, mas para os jovens das zonas rurais, a realidade é ainda mais dura, pois muitos só conseguem completar até a 7ª classe. Para continuarem os estudos, precisam de percorrer longas distâncias a pé até à vila-sede.

Alberto Tsengo, um jovem de 25 anos que terminou o ensino médio há dois anos, ainda não conseguiu emprego por não ter formação profissional. Ele sonha em ser electricista, mas a falta de condições financeiras impede- -o de se deslocar até à cidade de Tete para se formar na área técnica. “Não faz sentido que um distrito como o nosso ainda não tenha um centro de formação. Como é que nós vamos nos formar? Será que Marávia não faz parte de Moçambique?”, questiona.

A ausência de centros de formação profissional priva os jovens de uma oportunidade de construir um futuro melhor. Sem acesso a educação e formação adequadas, os jovens ficam presos num ciclo de pobreza e dependência, sem perspectivas de melhoria de vida.

Serviços Públicos e a falta de dignidade no atendimento

Em Marávia, os serviços de notariado funcionam num edifício que mais parece um escombro, servindo até de esconderijo para ladrões. O mesmo acontece com a secretaria distrital e o Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia. O único edifício em bom estado é a residência do administrador, um contraste gritante com as condições em que o restante da população vive e trabalha.

A precariedade das infra-estruturas públicas é um reflexo da falta de investimento e de interesse por parte das autoridades em proporcionar serviços de qualidade à população. Esta realidade dificulta o acesso a serviços essenciais e compromete a dignidade dos cidadãos que dependem desses serviços.

Da erosão à falta de planeamento territorial

A erosão ameaça consumir alguns bairros, incluindo a própria vila-sede. A falta de planos de ordenamento territorial faz com que as casas sejam construídas de forma desordenada, dificultando a diferenciação entre uma instituição do Estado e uma residência privada. O resultado é um crescimento urbano caótico, que coloca em risco a segurança e a qualidade de vida das populações.

Sem um planeamento territorial adequado, as comunidades estão sujeitas a riscos ambientais e à perda de património. A falta de acção por parte das autoridades pode levar a um agravamento das condições de vida e ao aumento da vulnerabilidade das populações.

Energia eléctrica limitada às vilas-sede

A energia eléctrica é outro problema grave. Apenas as vilas-sede têm acesso a electricidade; a poucos quilómetros de distância, não há uma única lâmpada acesa nas casas. Os moradores são forçados a recorrer a métodos alternativos para carregar os telefones e iluminar as suas barracas. Em muitas zonas, as pessoas desconhecem o que é beber água gelada ou assistir a um noticiário devido à falta de energia eléctrica.

A ausência de electricidade limita o acesso a informações, educação e entretenimento, aumentando o isolamento das comunidades rurais. Além disso, impede o desenvolvimento de actividades económicas que poderiam melhorar as condições de vida da população.

A isso soma-se a falta de combustíveis. Em Marávia, não existe nenhuma bomba de combustível em funcionamento. A única existente está ainda em construção, sem previsão para conclusão. Os automobilistas recorrem aos revendedores informais, pagando 120 meticais por cada litro de combustível, 30 meticais mais caro do que em outros distritos.

Esta dependência dos revendedores informais coloca os automobilistas numa situação de vulnerabilidade, com preços elevados e fornecimento irregular. A falta de combustível acessível impede a mobilidade das pessoas e limita o transporte de bens essenciais, agravando ainda mais as condições de vida nas áreas rurais.

Os distritos de Tete e Sofala objectos desta reportagem estão a enfrentar uma crise humanitária e infra-estrutural de proporções alarmantes. A ausência de serviços básicos, a degradação das infra-estruturas, a falta de oportunidades para os jovens e a extrema pobreza estão a criar um cenário de desespero e abandono.

É urgente que as autoridades governamentais e a comunidade internacional intervenham para mitigar esta crise. A melhoria das condições de vida das populações, o investimento em infra-estruturas e a criação de oportunidades de formação e emprego são passos essenciais para garantir um futuro mais digno e próspero para os habitantes destas regiões esquecidas. A inacção não pode continuar a ser uma opção.

Texto extraído na edição 577 do Jornal Dossiers & Factos 

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