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Frelimo está calejada pelas crises populares e internas (1)

A tensão política e social que se arrasta há mais de três meses, marcada por contestações contra os resultados eleitorais, elevado custo de vida e ainda ao poder instituído, evidencia, por outro lado, a enorme crise que abala o partido FRELIMO, o que faz com que algumas franjas da sociedade responsabilizem a liderança de Filipe Jacinto Nyusi. Entretanto, Dossiers & Factos consultou os diferentes episódios, recuando aos registos dos cerca de 60 anos de existência deste partido, que antes foi um movimento libertador. A história mostra que a FRELIMO já enfrentou inúmeras crises, umas provocadas por si e outras por terceiros. Em toda esta trajectória, há um denominador comum – a resiliência, ou seja, o partido sente-se abalado, mas nunca cai, podendo ser este o motivo para tanta relutância em dialogar com o seu principal opositor da actualidade, Venâncio Mondlane.

Texto: Serôdio Towo

Filipe Jacinto Nyusi, Roque Silva e outros quadros que estiveram no alto escalão da FRELIMO nos últimos 10 anos (2015-2024) têm sido apontados por uma parte significativa da sociedade, e até por fontes internas do partido, como os grandes responsáveis pela grave crise que neste momento atormenta a FRELIMO. Este facto é resultado da crença enraizada de que a contestação ao “vermelhão” é consequência da alegada má gestão partidária e, principalmente, do país, que, de resto, experimentou muitos recuos no período em referência.

Justamente por isso, é comum ouvir-se dentro e fora do partido intervenções porventura saudosistas, indicando que, no passado, com outros líderes, tais como Samora Machel e Joaquim Chissano, a FRELIMO era diferente. Ainda assim, é um facto que todo o percurso histórico da FRELIMO é atravessado por crises, independentemente das suas lideranças.

Fontes internas no partido FRELIMO lembram que a primeira grande crise terá sido o assassinato de Eduardo Mondlane, em 1969, sete anos após a unificação da UNAMI, UDENAMO e MANU, resultando na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Atribuído à Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), o assassinato do arquitecto da unidade nacional foi possível graças à traição de alguns elementos da FRELIMO, conforme assumido por Sérgio Vieira, que dirigiu a Comissão de Inquérito responsável por averiguar as circunstâncias em que ocorreu.

“A crise na FRELIMO começou a ocorrer entre os anos de 1966/1967, e depois 1968/1969, quando culminou com o assassinato de Eduardo Mondlane, e foi desencadeada por elementos muito ambiciosos, como disse o Comité Central em 1969: uns tinham ambição política, outros a ambição económica. Havia o grupo da ambição económica e política, como Lázaro Kavandame, Silvério Nungo, Padre Gwengere, Uria Simango, etc.”, revelou Sérgio Vieira em 2014, numa entrevista à DW.

Lembre-se que, depois do assassinato do então líder, a FRELIMO foi provisoriamente dirigida por Samora Machel, Marcelino dos Santos e Uria Simango. Este último, porém, viria a ser expulso no mesmo ano, sob acusação de traição. Cinco anos depois, foi enviado para o campo de reeducação de Mtelela, na província do Niassa, onde foi executado juntamente com outros supostos reaccionários. Esta era uma das primeiras fases da crise na FRELIMO.

Governo de transição e os primeiros “terroristas urbanos”

O termo “terrorismo urbano” não surge agora com Bernardo Rafael e outros quadros da FRELIMO. A expressão foi usada pelo ex-ComandanteGeral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, para caracterizar as manifestações que tomaram conta das principais cidades do país após a proclamação dos resultados das eleições gerais de 09 de Outubro de 2024.

Entretanto, engana-se quem pensa que é a primeira vez que fortes manifestações de repúdio à FRELIMO ocorrem no país. É que episódios similares – salvaguardadas as devidas especificidades em termos de magnitude e causas fundamentais – tiveram lugar, pela primeira vez, em 1974, depois da assinatura dos Acordos de Lusaka, que deram início à transição do poder para a FRELIMO.

Precisamente a 07 de Setembro (dia da assinatura dos acordos), eclodiu na então cidade de Lourenço Marques uma mega manifestação contra a independência de Moçambique e, por inerência, contra a FRELIMO. Cientes de que o fim do regime colonial ameaçava os seus interesses, muitos colonos defendiam a continuidade da presença portuguesa ou até mesmo a criação de um Estado autónomo, à semelhança do que acontecia na Rodésia (actual Zimbábue).

Tal como viria a se repetir em 2024/2025, em 1974 o então governo de transição liderado pela FRELIMO teve de lidar com manifestações que resvalaram para actos de violência, confrontos com a polícia e vandalismo. Na semana de 7 a 11 de Setembro, vários edifícios públicos foram atacados e carros foram incendiados pelos colonos insatisfeitos, que igualmente levaram a cabo uma campanha de perseguição contra negros, sobretudo em bairros como Chamanculo e Mafalala.

Lado a lado, a FRELIMO e as Forças Armadas Portuguesas impuseram a ordem, permitindo que o processo de transição seguisse o seu rumo até à proclamação da independência em 1975. Sentindo-se inseguros, milhares de colonos fugiram para Portugal e África do Sul. (continua na próxima edição)

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