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“Frelimo nunca se rendeu aos inimigos, muito menos à oposição”

– Também nunca antes negociou o poder

Será que a situação está a tornar- -se insustentável para a Frelimo ao ponto de “admitir” negociar o poder com a oposição? Ou será que estamos a ver a lei da natureza em ação – o que tem princípio também tem fim? Estas são questões que podem surgir após o anúncio público de abertura do partido Frelimo e do seu candidato, Daniel Chapo, para negociar com Venâncio Mondlane ou qualquer outro cidadão. As perguntas podem ser muitas, incluindo a possibilidade de que tudo não passe de “conversa para boi dormir”. Figuras atentas ao cenário político também questionam: negociar o quê? Esta pergunta surge de ambos os lados – para a Frelimo, que acredita que a oposição deve permanecer onde foi colocada, e para a oposição, que defende que deve receber os votos que afirma terem sido roubados. A verdade é que Moçambique está a atravessar uma verdadeira crise. É nesta conjuntura que Dossiers & Factos traz para esta edição algumas das várias crises que o País já enfrentou e perante as quais a Frelimo nunca se rendeu ou se “humilhou”, mantendo-se no poder a qualquer custo.

Texto: Dossiers & Factos

A realização das eleições de 9 de Outubro, agora já na fase de apuramento final, trouxe um novo quadro político para o País, marcado principalmente por uma onda de contestações, com Venâncio Mondlane como principal rosto da oposição. A sociedade já expressa preocupação com o aumento da tensão, e há vozes que desafiam as partes a apresentarem as provas que dizem possuir. Isto acontece em meio a um cenário de reconhecimento, em voz baixa, por parte de muitos membros da Frelimo, de que houve excessos na fraude ou no enchimento de urnas nestas eleições. Este “reconhecimento” velado é acompanhado pela crescente impopularidade do partido no poder devido à gestão insatisfatória do actual Presidente.

Alguns membros da Frelimo também estranham a postura da actual liderança do partido, sugerindo que os acontecimentos podem ter sido incentivados internamente por membros que desejam permanecer no poder ou até mesmo orientados por altas patentes das Forças de Defesa e Segurança (FDS) de forma secreta. Estas fontes da Frelimo relembram a intensa reunião do Comité Central, que durou três dias, para a eleição do candidato presidencial do partido e questionam: se Roque Silva, preferido de Nyusi, tivesse sido eleito, será que o País estaria a viver esta onda de intolerância?

Por outro lado, estas mesmas vozes admitem que houve um enchimento desnecessário de urnas, pois acreditam que os cerca de cinco milhões de membros do partido, fiéis e leais à Frelimo, não teriam traído sua formação política na hora do voto, apesar dos problemas causados pelo actual Governo. Estes elementos alimentam debates fervorosos, especialmente na ausência de dados públicos sobre os votos de cada candidato e partido. É que a própria Comissão Nacional de Eleições não parece pretender disponibilizar os editais, apesar da insistência dos observadores e da oposição.

Na semana passada, como consequência das contestações, o País viu-se paralisado em várias áreas, com manifestações ora pacíficas, ora marcadas por actos de vandalismo por parte dos manifestantes e reacções violentas e intolerantes pela polícia. Diversos analistas tentam compreender os cenários actuais e prever o futuro de Moçambique, um país que se vê diante de uma incógnita e que, até hoje, nunca testemunhou pressão suficiente sobre o Governo da Frelimo no pós- -independência para obrigá-lo a negociar o poder.

Eventos extremos que incomodaram a Frelimo e a Nação

Em 1977, começou aquilo que foi considerado a guerra de desestabilização, protagonizada pela Renamo, e que durou mais de uma década e meia, com uma intensa destruição de infraestruturas públicas e privadas, que arrasou a economia do País. Este foi, sem dúvida, o evento mais aterrorizante que abalou a Frelimo em seus quase 50 anos no poder, enfrentando um adversário que se mostrou forte e chegou a ameaçar a capital do País. O número de deslocados de guerra chegou a sete milhões, e várias organizações humanitárias precisaram intervir em Moçambique.

O movimento guerrilheiro da Renamo era bem armado e contava com apoio logístico e de treinamento de forças externas, tanto dentro da região austral de África como fora do continente. Na época, o Governo da Frelimo ainda gozava de grande simpatia por parte da população e era visto como vítima dos regimes de apartheid na África do Sul e na Rodésia do Sul (actual Zimbabwe). Está documentado que esta guerra causou a morte de milhares de moçambicanos, num conflito que estava à beira de atingir a capital, com os guerrilheiros da Renamo já infiltrados nos bairros periféricos de Maputo e na cidade industrial da Matola.

Mesmo assim, a Frelimo nunca cedeu para negociar o poder; limitou-se a negociar a paz, em troca de uma democracia que até hoje permite ao partido manobras para se manter no poder.

Mesmo na democracia, a Frelimo nunca negociou o poder

As contestações aos resultados eleitorais fazem parte de todos os escrutínios realizados desde 1994, com a oposição, especialmente a Renamo, a denunciar fraudes recorrentes. Essas alegadas fraudes levaram a confrontos armados em várias regiões do País, causando deslocamentos e muitas mortes. Mesmo diante dessas situações, a Frelimo nunca negociou o poder, apenas acordou termos para cessar as hostilidades, como comprovam os acordos assinados com Afonso Dhlakama e Ossufo Momade.

Se o diálogo com Venâncio Mondlane se concretizar, estaríamos diante da primeira negociação da Frelimo com um partido ou indivíduo desarmado.

Texto extraído na edição 585 do Jornal Dossiers & Factos

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