A poucas semanas do início da campanha eleitoral para as eleições gerais (Presidenciais, Legislativas, de Governadores e de Membros das Assembleias Provinciais), começaram a circular nas redes sociais, com repercussão na imprensa, mensagens supostamente escritas por funcionários da Rádio Moçambique (RM) ameaçando entrar em greve a partir do dia 26 de Agosto, por um período de 30 dias. A causa seria uma alegada injustiça salarial decorrente de um enquadramento inadequado. Facto é que a direcção da RM afirma não ter recebido nenhuma notificação de paralisação das actividades.
Texto: Amad Canda
Não haverá greve na rádio pública. Ou melhor, nenhuma informação na posse do Conselho de Administração (CA) da empresa aponta para tal cenário. A garantia foi dada ao Dossiers & Factos, que, após ler uma série de mensagens anónimas e ouvir fontes internas sublinharem essa vontade – a da greve – sentiu-se compelido a contactar o CA.
O colectivo de administradores afirmou desconhecer os supostos planos de greve, deixando claro que não existe nenhuma comunicação formal nesse sentido, muito menos algum caderno reivindicativo por parte dos trabalhadores. Questionado sobre as mensagens que, na semana passada, inundaram as redes sociais, o órgão ressaltou que “comunicações extra-oficiais não fazem parte da nossa agenda do dia-a-dia”.
Para dissipar dúvidas, a equipa que gere a RM assegurou que “estamos entusiasmados”, acrescentando que o foco dos profissionais da empresa está, neste momento, voltado para a campanha eleitoral, que arranca no próximo dia 28 de Agosto, ou seja, daqui a nove dias.
Trabalhadores impacientes
Transborda impaciência nos corredores da RM, com os colaboradores fartos de esperar por um reajuste salarial que tarda a se concretizar. Segundo consta em cartas anónimas postas a circular nas redes sociais, passam cinco meses desde que o Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE) recolheu documentos dos funcionários a fim de proceder ao tão almejado enquadramento.
Sucede que, até ao momento, esse objectivo não se concretizou. Fontes ouvidas pelo Dossiers & Factos dão conta da existência de pelo menos 200 técnicos superiores sem o compatível enquadramento, aos quais se juntam inúmeros técnicos médios. Esta é a principal razão de descontentamento da massa laboral, adubada pela percepção de que a direcção pouco faz para resolver o problema. “Na TVM [Televisão de Moçambique], os enquadramentos já aconteceram, mas aqui, nem água vem, nem água vai”, desabafam.
O descontentamento é igualmente confirmado pelos sindicatos, que atribuem o mesmo à “ansiedade” que os trabalhadores têm de ver satisfeitas as suas inquietações. Estes, porém, não se responsabilizam pelas incitações à greve e garantem que as mensagens que circulam na internet não são da sua iniciativa. “Se tiver que acontecer alguma greve, nós vamos informar”, remataram.
Apelos à paciência, mas… sem datas
Se, por um lado, a direcção da estação pública de rádio desconhece notícias de greve, está, por outro, ciente da legitimidade das demandas dos colaboradores, com a questão dos enquadramentos à cabeça. “É um problema que existe”, reconhecem os mais altos gestores da empresa, acrescentando que a “solução mostra-se lenta pela complexidade”.
Segundo nos foi explicado, a referida complexidade resulta do facto de o IGEPE estar a propor um modelo de enquadramento e progressões diferente do modelo tradicionalmente usado na rádio. Na verdade, e ainda de acordo com os administradores, este processo está a ser liderado por aquela entidade, que acumula as qualidades de accionista e órgão de tutela.
É por isso que a rádio tem dificuldades de estimar o impacto financeiro decorrente dos enquadramentos e, mais importante, de prever a data do desfecho do processo, embora o CA veja “vontade e entusiasmo” por parte do accionista.
Contudo, a uma missiva escrita pelos trabalhadores solicitando explicações sobre o estágio do processo, o IGEPE teria respondido indicando que é à direcção da RM que os colaboradores devem exigir explicações. Sem muito a dizer, a empresa apenas apela à paciência.
Reformados no activo, expectativas e agitação
A questão salarial não é a única a preocupar os trabalhadores da rádio-mãe. A insistência em quadros que, por imperativos legais, já deviam estar desligados da instituição é também motivo de descontentamento. Aproveitando o ensejo que teve de conversar com o CA, Dossiers & Factos solicitou explicações para essa política – de retenção de quadros com idade (e tempo de trabalho) de reforma.
Em resposta, o CA explicou que esta situação está a ser tratada de forma “responsável e cuidadosa”, com o objectivo de fazer uma transição tranquila e segura, ou seja, com garantias de que a qualidade não ficará afectada. De acordo com o órgão, isso passa, pelo menos em alguns sectores, por deixar que os mais velhos passem a sua experiência aos mais novos.
O órgão que temos vindo a citar reconheceu serem justas as preocupações dos trabalhadores no tocante a este tópico, ainda que note que “alguma agitação” surge porque há profissionais que têm expectativas, igualmente justas, de ocupar cargos de chefia neste momento exercidos por colegas em idade de reforma.
Outra fonte de insatisfação tem a ver com o transporte. É que, segundo apurámos, a frota de viaturas da rádio é limitada, o que leva a que os profissionais sejam transportados em condições não condizentes. Este problema foi também reconhecido pelo CA, que associou o mesmo ao facto de os carros fazerem longas distâncias, agravado pela falta de manutenção regular.
Ainda assim, o colectivo de administradores assegura que renova a frota ano após ano
Texto extraído na edição 575 do Jornal Dossiers & Factos