Por: Amad Canda
Aquela noite em que ele se calou e Moçambique chorou não podia ter sido em vão. O vão de atitude em que este País se transformou, sobretudo nos últimos anos, começou, naquela quinta-feira, a preencher-se precipitadamente, como um coração a debitar decibéis em momentos de nervosismo.
Foi mais um respaldo ao princípio filosófico segundo o qual “nada se perde, tudo se transforma”. Lavoisier não poderia ter sido mais assertivo e provas nesse sentido adensam-se a cada dia. Corações sem Escudo foram atingidos no seu profundo mais recôndito pela Azagaia disparada com aquele martírio, despertando os mais nobres valores, com a consciência patriótica à cabeça. Fez-se, assim, a metamorfose, com um – o único – a transformar-se em milhões.
Romperam-se, pois, as barragens da covardia e passividade, e a coragem inundou as avenidas. É nas metrópoles que se assiste a grandes aglomerações, mas o coração daquele que “globaliza o nacional” jamais suspenderia sua pulsação em seu próprio berço. O impacto é tal que se confunde com um sismo à escala de Richter e, tal e qual a magia mecânica de Rich – sim, o mulato – reanima carreiras vivas outrora voluntariamente enterradas a sete palmos do chão.
Não por acaso, são exactamente sete as almas ressuscitadas, aos quais adiciona-se uma voz – Caló Mats – com alma. Subitamente, se tinham dado conta de que “Juntos [somos] + fortes”, um clamor pela união e solidariedade tão necessário nesses tempos sombrios em que “posta-se matabicho mas não se partilha o alimento”. Mas, antes de tudo que os NMC Rappers se propõem servir nesta festa cultural, há, como de apanágio, o welcome drink. É-nos servido numa bandeja moldada pela voz de Ell Poeta. É ele que faz os ritos, a entronização, o baptismo. Não seria hipérbole, de todo, chamar-lhe João Baptista.
É claro como a Água da Namaacha que o que as cinzas nos trazem de volta é a nata da era dourada do rap na NMC, mas erra quem, agarrando-se às ideias pré-concebidas, ignora que, apesar de se manterem genuínos como a Montemor, eles são abertos a beber doutras fontes; afinal, na prática, é tudo Água da Montanha. “Bem haja a mulher” – pela temática – e “Mesa a dois” – pela sonoridade -, são prova provada e aprovada de que os NMC Rappers libertaram-se das amarras do machismo e radicalismo estético que, nos tempos áureos, contrapuseram-se, e com relativo sucesso, assuma-se, à resplandecência do Ritmo, Arte e Poesia.
Todavia, e Ivete e Khronic têm-no defendido, a vida é um círculo vicioso com quatro estações que, podendo diferir na nomenclatura, são, na essência, mais do mesmo, tal e qual o País e o mundo em que vivemos. Fartos dessa mesmice agoniante, Big Mack, Snooz, Alabarda e VLTZ imploram para que “alguém” os “leve”.
O enigmático “embora” é seu destino escolhido, e a viagem só não se concretiza porque, às tantas, eles próprios, à excepção de Snooz, lembram-se que há uma “Janela de esperança”. As novas páginas “pintadas com aguarela” não são, ainda assim, suficientemente cativantes para iludir a voz de Caló [Mats] que, com respaldo de Snooz, Small AP e Alabarda, não se calou antes de alertar para as consequências do despesismo.
Os “Noventa dias de Janeiro” são uma chamada de atenção para aqueles que, embriagados pela típica emoção dos dezember times, que tantas vezes leva a que o dinheiro se assemelhe ao capim, portam-se como seres humanos imberbes, tal é a displicência que, mais à frente, cobra bem caro.
De facto, a adolescência cognitiva tende a restringir o campo de visão e essa nuvem dissipa-se, bastas vezes, à medida que os ponteiros giram em obediência à coreografia imposta pelos inventores do relógio, mas não do tempo. Isso explica o retorno de Sooz para, como que a adiar temporariamente o alarme, alertar para as consequências a médio/longo prazo. “Kula uta swi vona“, diz ele, com a segurança de quem tem Big Mack, Snake C e Blue Life Family ao lado.
É, de certeza absoluta, o tipo de mensagem que Coon, Grig On e Nick Jallah descreveriam como “Palavra amiga”. Tão amiga quanto a Graça que uma companhia especial representa mesmo sem Machel. Mas é tudo em vão quando [entre nós os dois já] “não há” nada e prova-se que tudo foi “uma aventura” que, de repente, transforma-se numa “Selva” onde “há quem mata por dinheiro e salve-se quem puder”.
É um perfeito cenário apocalíptico, ainda mais vincado pelos “Heróis anónimos” que, disfarçados de B Jamp, Grig On e Vee Chemane, exaltam, nas ondas de um tradicional “boom bap“, aqueles que tombaram nos labirintos marcados pela monotonia da sonoridade bélica que caracteriza Cabo Delgado e dá cabo da soberania.
A guerra tem a particularidade de ser cruel. É tão cruel que chega a superar o marandzismo, uma corrente com especial dom de quebrar as correntes do amor durante o ano, conectando-as, invariavelmente, em Fevereiro. Tudo leva-nos a crer tratar-se de uma caça ao presente do dia 14.
Não haverá, contudo, dúvidas de que, ao mirarem em Caló, VLTZ e Small, as percursoras desta corrente erram no alvo, mais ainda quando se sabe que os sacrifícios consentidos na NMC, que incluem a “Fuga ao fisco”, visam, essencialmente, assegurar um futuro risonho de quem trafica a esperança que se torna “bebida no Mercado Estrela”.
“É o nosso mukhero“, que escala Manzine, Bambane e Mbuzine, controlando a fronteira de Mpunduine à Chimulhuanine. Um fecho tão reflexivo quanto simbólico, não fossem as montanhas gélidas da NMC costuradas pela notável coragem de quem, desde cedo, aprendeu a violar as artificiais fronteiras coloniais para garantir a inviolabilidade da fronteira da dignidade.
Os NMC Rappers, tirando proveito da panorâmica vista que o Monte Mpunduine proporciona, pintam um perfeito mosaico de tragédia, esperança e, acima de tudo, amor à terra mátria. Nada igual se perspectiva porque, não podendo acabar, este movimento gerará transformação. Jamais repetição!
Decerto, poucos imaginariam que, concatenados no Mpunduine, e ao lado de Mats, Alabarda, Grig On, B Jamp, Big Mack, Snooz, Small AP e Coon seriam as sete colinas descritas na Bíblia. Faz sentido, ainda que isto não seja o Apocalipse, mas apenas o Génesis do “Retorno”.