– Conflito entre comunidades ditou encerramento do empreendimento há oito anos
No coração do distrito de Vilankulo, em Inhambane, um dos mais promissores empreendimentos turísticos do País jaz abandonado e saqueado, perdido nas sombras de um conflito comunitário que se arrasta há mais de oito anos. O Mahangate Beach Lodge, um investimento milionário que prometia impulsionar o turismo e a economia local, tornou-se um símbolo do fracasso institucional e da impunidade. O caso, apesar de inúmeros apelos, continua arquivado nos corredores do Ministério Público, sem qualquer solução à vista.
Texto: Anastácio Chirrute, em Inhambane
A história do Mahangate Beach Lodge começa em 2005, quando um investidor sul-africano, fascinado pela beleza intocada do Cabo de São Sebastião, decidiu erguer um resort de luxo na zona de Machecane, a cerca de 80 km da localidade de Mavandza. A promessa era tentadora: empregos para os jovens, desenvolvimento para a comunidade e uma nova porta de entrada para o turismo de alto nível em Vilankulo.
A área escolhida para o investimento parecia desocupada e disponível. No entanto, rapidamente surgiram disputas sobre a sua posse, alimentadas por antigas rivalidades entre as comunidades de Machecane e Mahangate. Os líderes comunitários foram chamados a intervir, e após longas discussões e cerimónias tradicionais, concluiu se que o terreno pertencia à comunidade de Machecane.
Mesmo diante da decisão, a tensão entre as comunidades permaneceu latente. A construção do lodge avançou, e com ele, a promessa de melhores condições de vida para a população local. O investidor manteve-se fiel ao seu compromisso social e ofereceu infra-estruturas básicas, como água e energia. No entanto, a maior parte desses benefícios foi direccionada à comunidade de Mahangate, excluindo Machecane – um erro que semeou ainda mais descontentamento e ressentimento.
Conflitos, revolta e o rastilho da violência
Os primeiros sinais de que algo estava errado surgiram ainda nos primeiros anos de funcionamento do lodge. Jovens da comunidade de Machecane começaram a protestar, exigindo que o empreendimento beneficiasse directamente a sua população. Tentaram, sem sucesso, dialogar com o investidor, e até as autoridades locais foram chamadas para mediar o conflito, mas o impasse persistiu.
Com a morte do investidor original em 2012, o lodge passou para a administração de seu filho, que, por sua vez, entregou a gestão ao seu parceiro de longa data, de nome Eduardo. A nova gestão trouxe mudanças: Eduardo, ao contrário do seu antecessor, decidiu canalizar os benefícios sociais exclusivamente para Machecane, o que, inevitavelmente, enfureceu Mahangate.
Em 2017, a revolta escalou para violência. Um grupo de jovens, armados com catanas e instrumentos contundentes, invadiu o Mahangate Beach Lodge em plena luz do dia. As instalações foram vandalizadas, os bens foram saqueados e uma das cabanas foi incendiada. Os trabalhadores foram expulsos à força e os turistas que ainda visitavam a área fugiram em pânico.
Os responsáveis pelo ataque foram identificados e chegaram a cumprir penas de prisão, mas, para o espanto da população de Machecane, foram libertos rapidamente. A libertação dos criminosos apenas acirrou os ânimos e aumentou a frustração dos investidores, que viram as suas tentativas de justiça serem sistematicamente ignoradas.
Justiça lenta, Estado omisso
O caso Mahangate Beach Lodge já foi alvo de diversas denúncias formais às autoridades de Vilankulo, mas até hoje nenhuma medida concreta foi tomada para resolver o impasse. Os sócios do empreendimento, temendo pela própria segurança, abandonaram o País e deixaram seus investimentos à mercê do tempo e do vandalismo.
“O Governo não faz nada. Eduardo, o dono do lodge, submeteu vários processos criminais contra os envolvidos, mas a justiça continua omissa. Desde 2017 que ninguém mais conseguiu operar no lodge, porque a população de Mahangate persegue qualquer um que tente reabrir o empreendimento”, denuncia Armando Machecane, líder comunitário da região.
Augusto Vilanculos, outro líder local, reforça que a impunidade está a alimentar o clima de insegurança. “Diariamente, pessoas estranhas chegam a Mahangate com intenções duvidosas. Muitas vêm apenas para vandalizar ou ameaçar aqueles que ainda tentam proteger o lodge. Por medo, os sócios e investidores simplesmente desistiram”.
Estima-se que mais de 300 milhões de meticais tenham sido investidos na construção do Mahangate Beach Lodge. Agora, tudo está a ruir. O Estado Moçambicano, que outrora arrecadava mais de 3 milhões de meticais em taxas e impostos anuais, perdeu essa fonte de receita. Esse montante poderia ter sido usado para construir escolas, hospitais ou sistemas de abastecimento de água para beneficiar as comunidades locais.
Corrupção e conivência?
A população de Machecane suspeita que funcionários do Governo estejam a encobrir os envolvidos na destruição do lodge. “Não faz pessoas e, mesmo assim, elas continuem a agir impunemente. Parece que há um grande esquema de corrupção por detrás disto tudo. Alguém deve estar a lucrar com essa destruição”, afirma um dos moradores.
O impacto humano da crise também é devastador. Com o encerramento do lodge, dezenas de trabalhadores perderam os seus empregos. Muitos estão hoje sem qualquer perspectiva de futuro, vivendo da incerteza e da esperança de que um dia a justiça seja feita.
Um paraíso perdido
Mahangate, na localidade de Belane, continua a ser um destino turístico de grande potencial. As suas praias imaculadas e paisagens deslumbrantes poderiam atrair turistas de todo o mundo. No entanto, a instabilidade e a insegurança transformaram este paraíso num território proibido para investidores e viajantes.
Hoje, os únicos que ainda trabalham no lodge são os seguranças, cuja missão é evitar que as ruínas do empreendimento sejam completamente saqueadas. Mas até quando resistirão?
O Mahangate Beach Lodge representa não apenas o fracasso de um investimento, mas o retracto de um sistema judicial lento, de um Governo omisso e de uma sociedade que ainda luta para conciliar desenvolvimento e tradição. Enquanto a justiça não agir, o lodge continuará a ser um lembrete sombrio do que acontece quando o Estado falha na sua missão de proteger a iniciativa privada e a ordem pública.