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MALDIÇÃO DE OURO EM MANICA: Técnica de extracção gera desastre humano e ambiental

A exploração desenfreada do ouro no Rio Revué está a dar origem a novos abastados na província de Manica. Mas, ao mesmo tempo, gera uma corrosão ambiental que coloca em causa a saúde pública, a actividade agrícola e até mesmo a educação. Em causa estão as técnicas de extracção adoptadas pelos mineradores artesanais.

 Texto: António Cumbane, Chimoio

Um estudo recente, intitulado “A (In)sustentabilidade Sócio-Ambiental da Mineração Artesanal de Ouro no Distrito de Manica”, indica que o nível de concentração de mercúrio, produto químico usado pelos mineradores artesanais para a extracção de ouro, está aumentando nos solos agrícolas, especialmente nas zonas de Cacarue, Penhalonga, Fenda, Muenha, Mucurumadze e outras. Isso levanta questionamentos sobre o futuro.

Em Mucurumadze, por exemplo, devido às operações artesanais de extracção de ouro (lavagem e concentração de águas em pequenos tanques), numa profundidade de zero a vinte centímetros, há uma concentração de 2,70 mg/kg de mercúrio nos solos.

“Está quantidade de concentração de mercúrio está acima das encontradas em uma das áreas de processamento artesanal de ouro na Tanzânia. Há que se rever este cenário adoptando-se técnicas sustentáveis de exploração”, sugeriu o autor do estudo, Edson Fernandes Raso.

Algumas pesquisas foram realizadas numa região que compreende uma extensão de 45 km, numa faixa de 2 km do leito principal do rio Revué, no distrito de Manica, caracterizada por formações montanhosas, vegetação natural e antropogénica.

Para o especialista, Raso, mais do que proibir estas práticas de exploração de ouro, é preciso regulá-las de modo a torná-las sustentáveis. “Não podemos simples mente dizer não ao garimpo, pois muitas famílias ganham a vida com essa actividade. É preciso regular a actividade e torná-la sustentável para que o Estado possa arrecadar impostos sobre ela. Também é necessário aprofundar o desenvolvimento de novas técnicas de exploração que não degradem o meio ambiente, tornando-o inviável para os seres vivos na terra.”

Danos à agricultura

Raso faz uma avaliação negativa do futuro caso não se leve em conta a exploração verde, que visa salvaguardar as regiões agro-ecológicas. “A produção está em risco em quase toda a extensão do rio Revué. Há lavagem e depósito de sedimentos de forma permanente, o que traz um impacto negativo na produção agrícola. Para não dizer que, em Manica, quase todos trocaram a agricultura pela mineração artesanal.”

O académico informou que vários estudos estão sendo realizados para minimizar os impactos em toda a extensão coberta pelo estudo, contribuindo, assim, para a mineração verde e sustentável, que não traz poluentes ao meio físico.

“Nós trabalhamos apenas com os artesanais, deixamos as indústrias de lado dos “políticos”. Fomos ao concreto e descobrimos que Manica, apesar de ser referência na extracção de ouro, está a ser bastante agredida neste sector”, explicou.

“Rio Revué pode desaparecer”

Os níveis de assoreamento do rio Revué, um dos importantes cursos de água que alimentam a barragem Hidroeléctrica de Chicamba e fornece a estação de captação da empresa Águas da Região Centro – Manica, estão a elevar-se devido à agressão humana, pelo que há que estar atento.

“Precisamos de discutir e aplicar as novas rotas e técnicas de processamento de ouro que diminuam os impactos sobre a saúde humana, até aos próprios artesãos. Temos que desenvolver novas rotas de extracção e processamento de ouro aluvionar”, explicou.

O especialista em tecnologia mineira, mesmo sem fornecer dados numéricos específicos, alerta para uma tendência geral preocupante que pode até levar ao desaparecimento do rio. “O rio Revué corre o risco de desaparecer devido aos altos níveis de assoreamento. As águas estão contaminadas, embora em menor escala, devido ao mercúrio. Os garimpeiros lavam o ouro e depois descartam a liga na água”, explicou, dando conta de que a poluição está igualmente a afectar os solos, comprometendo deste modo a actividade agrícola, fonte de renda para milhares de famílias naquela região do País.

Devido ao seu nível de rentabilidade, o garimpo vai atraindo adolescentes e jovens em número cada vez maior, afastando-os da escola, o que viola a lei e afecta sobremaneira o desenvolvimento das crianças e do País, destaca a fonte que temos vindo a citar.

Igualmente preocupantes são os riscos de saúde associados. É que o processo inclui a “queima da amálgama”, que é a junção da pedra com mercúrio para a extracção do ouro. Nesse processo, os garimpeiros inalam fumo, o que pode gerar doenças pulmonares graves.

Ritos e etapas de extracção

Em Manica, o processo de extracção e processamento artesanal de ouro é realizado de duas maneiras dif rentes, dependendo da forma de ocorrência do mineral. Existe a extracção aluvionar (ouro livre) e a extracção denominada “incluso ao quartzo”, que é a mais frequente.

A primeira etapa para a extracção de ouro artesanal em Manica é a prospecção geoquímica da área em que a actividade vai ser realizada. Usam-se ritos tradicionais nos quais são contratados curandeiros para afastar os espíritos maléficos na área.

Depois da prospecção, a actividade seguinte é a lavra do minério, predominantemente subterrânea, podendo as covas atingir até 3 mil metros de profundidade. Esta actividade não é mecanizada, daí a ocorrência frequente de acidentes que muitas vezes resultam em mortes por desabamento de terra. “Usam materiais como troncos de árvores, tábuas, escopos, martelos e picaretas. Devido à profundidade, há uma insuficiência de oxigénio, o que resulta em mortes”.

No distrito de Manica, além dos nativos, que na verdade são a minoria nesta actividade, estão envolvidos no garimpo zimbabweanos. Existem também cidadãos nacionais provenientes das províncias de Maputo, Inhambane, Sofala, Zambézia e Nampula.

Governantes locais com medo de falar

Entretanto, na província de Manica, as autoridades governamentais têm “medo de falar de ouro”, ou seja, evitam discutir abertamente sobre esta actividade que se suspeita que envolva elites governamentais.

Dossiers & Factos foi recentemente aconselhado pela Direcção de tutela em Manica a contactar a Inspecção Geral de Minas quando o assunto envolve falar sobre ouro, o que até ao fecho desta edição não foi possível.

 

Texto extraído na edição 166 do Jornal Dossiers &  Factos

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