O funcionário público recebeu um “balde de água fria”, há dias, com a notícia de que o Governo moçambicano comprometeu-se, perante o Fundo Monetário Internacional (FMI), a oficializar o corte do 13º salário (pagará 30% este ano e apenas a metade nos anos subsequentes) até 2028. Trata-se de um golpe aos direitos trabalhistas que indigna quem os defende. Enquanto o Sindicato Nacional da Função Pública (SNAFP) condena a medida, sugerindo a eliminação de cargos de alto escalão nos distritos, províncias e ministérios, a Confederação Nacional dos Sindicatos Independentes e Livres de Moçambique (CONSILMO) condena decisões “implementadas antes de discutidas”.
Texto: Milton Zunguze
A informação que dá conta do corte do 13º salário na Função Pública pegou os Funcionários e Agentes do Estado, e os trabalhadores, em geral, de surpresa, apesar de, nos últimos anos, tal se ter tornado um hábito do Governo dirigido por Filipe Nyusi. Estamos, por assim dizer, perante a oficialização da violação de um direito trabalhista que era, já há décadas, adquirido em Moçambique.
Naturalmente, as reacções são hostis, sobretudo por parte dos trabalhadores afectados e de quem os representa. Em exclusivo ao Dossier Económico, o secretário da organização do Sindicato Nacional da Função Pública (SNAFP, António Castigo Mariano, começou por lamentar o facto de o Executivo moçambicano não se ter dignado notificar a agremiação, à despeito de já ter comunicado ao FMI.
“Estamos à espera da notificação formal”, declarou Mariamo, sem esconder a indignação causada pela impopular medida, até por que não crê que “o 13º seja um encargo tão extraordinário para o Estado”.
Mas, ainda que seja, a melhor forma de fazer face a cobrir eventuais lacunas seria, na opinião do sindicalista, a eliminação daquilo que, de facto, constitui “gorduras” no aparelho público, tais são os cargos de secretários permanentes distritais, provinciais e ministeriais.
“Eliminem os fantasmas”
António Mariano não quer que haja dúvidas de que em nenhum momento a sua agremiação apoiará cortes do 13º salário, mesmo porque, para além de haver espaço para corte de despesas ao nível das principais estruturas da máquina pública, muito se pode poupar com a eliminação dos funcionários fantasmas, necessidade, aliás, sublinhada pelo próprio FMI.
“Como é que pagam pessoas que não existem? São eles mesmos e há mecanismos próprios instituídos para indicar quem são as pessoas que recebem e que não são funcionários e nem agentes do Estado”, questionou, condenando a ideia de sacrificar pessoas que “já estão sacrificadas”.
FMI fragiliza, mas o Estado tem suas prioridades
Questionado se o Estado não estaria de mãos atadas, tendo em conta o poder do FMI, o líder da SNAFP tratou de sublinhar que o Estado moçambicano não está, de maneira nenhuma, isento de culpas.
“O problema não é o FMI”, garantiu, antes de argumentar: “é certo que o dinheiro vem de lá, mas o Estado tem as suas próprias prioridades. E, como sabemos, o ocidente só quer fragilizar. Então, esta não é uma política extraordinária do FMI. Todos países que recorreram ao FMI estão na penúria e não têm credibilidade no seio do seu povo, porque há um descontentamento generalizado. Eu dependo do 13º como reformado, e fui gestor deste País”, lamentou.
Décimo terceiro serve de incentivo para os trabalhadores
Por sua vez, o representante da CONSILMO, Boaventura Paulo, lamenta a situação e recorda que o 13º salário é um direito que remonta ao tempo colonial.
“Este facto é preocupante, o décimo terceiro não é de hoje, existe desde a existência do colono em Moçambique, o décimo terceiro visa incentivar o trabalhador, que recebe um salário magro”, anotou.
Boaventura Paulo recordou que os trabalhadores moçambicanos já trabalham sem moral, alertando para a deterioração da situação nos próximos tempos devido ao corte do 13º ordenado.
Para a fonte, até seria compreensível que, os que recebem o salário mínimo, que é pouco mais de oito mil meticais, pudessem receber 50% neste ano, para, no próximo, voltarem a auferir o valor na totalidade. Meter todos no mesmo saco é, para o nosso entrevistado, injusto.
“Estamos a ver a situação dos funcionários públicos. Estão a queixar-se de várias questões. Então, moralmente não estão a trabalhar condignamente, e com este facto a situação vai piorar na Função Pública. Isto é desmoralizar o funcionário público, que já vinha desmoralizado, e afecta o público e, afectando o público, o Governo quase está meio morto”.
Políticas falhadas
Para o líder da CONSILMO, o Governo está claramente à deriva, sendo disso exemplo a implementação de políticas públicas completamente erráticas, como a Tabela Salarial Única (TSU).
“Antes de ser implementada, parecia uma coisa linda a [TSU], só que quando se chega ao momento de se efectivar, houve cortes. Há pessoas que morreram porque lhes foi dado um salário e, dois meses depois, o salário arreou de forma que ninguém entende”, rememorou.
Tudo isso acontece, segundo a CONSLIMO, porque “os nossos governantes, não pensam e nem discutem os assuntos, implementam e depois discutem”.
Questionado se esta posição do Governo não poderá influenciar o sector privado, Paulo mostrou-se convicto de que o pior cenário se há-de verificar.
Suspeitas de desvio de aplicação
Sualé Ali, representante da CONSILMO na província de Nampula, descreve como “má prática” a medida governamental, que, é preciso reforçar, ainda não foi comunicada aos moçambicanos. Ali destacou a aparente falta de fio condutor.
“As coisas são feitas não de acordo com os planos, são feitas de forma aleatória, os planos existem, mas não são executados”, denunciou Ali, para quem não faz sentido o corte do 13º quando o mesmo já consta do plano orçamental do Governo.
“Todos os anos há um plano de orçamento e neste plano tem que se incluir tudo que são despesas, receitas esperadas para determinado desempenho do País. Então, quando se chega ao meio e começa a haver esses rumores de que coisa “x” não vai acontecer significa que há um desvio da aplicação da coisa que foi previamente planeada para outra coisa que não estava no plano”.
Ali também expressou temores de que esta decisão possa ter réplica no sector privado. Contudo, realçou não haver razões para “copiar uma má prática que acontece na casa vizinha”.
Tudo para agradar a “mão externa”
Recorde-se que esta medida surge no âmbito da quarta avaliação ao programa de Facilidade de Crédito Alargado (ECF, na sigla em inglês) do FMI. O governo procura reduzir a massa salarial para 10% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a carta enviada pelas autoridades moçambicanas à directora-geral do FMI, Kristalina Georgieva.
De recordar ainda que, no ano passado, o Governo pagou 30% do 13º aos funcionários públicos, justificando o corte dos 70% com a “situação complexa que a economia atravessa”.
Texto extraído na edição 125 do Jornal Dossier económico