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Milhares morrem na Ucrânia à medida que Ocidente zomba de iniciativas de paz

A caminho do seu quarto ano, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia já ceifou milhares de vidas, entre militares e civis, além de devastar infra-estruturas e gerar uma enorme onda de emigração. Apesar de todo este cenário dramático, não se vislumbram sinais de cessação de fogo. Pelo contrário, enquanto o presidente ucraniano busca mais apoio militar dos seus aliados, os líderes mundiais que se atrevem a propor diálogo para pôr fim ao conflito são ridicularizados e diabolizados pelo Ocidente. 

Texto: Amad Canda 

Desde o início da invasão russa à Ucrânia, em 2022, o Ocidente — União Europeia, Reino Unido e os Estados Unidos da América (EUA) — alimenta reiteradamente a ideia de que é possível derrotar a Rússia pela via militar, coadjuvada por severas sanções económicas. Todavia, os factos no terreno demonstram uma realidade completamente diferente, deixando claro que a convicção de fazer vergar a Rússia funda-se em bases trémulas.

Com base no conhecimento que detêm sobre as capacidades militares da Rússia e da Organização do Tratado Atlântico Norte (NATO), patrocinadora da Ucrânia, vários especialistas em assuntos de segurança fartaram-se de alertar para a impossibilidade, nos dias que correm, de derrotar os russos em campo de batalha, posição rejeitada pelas elites políticas ocidentais.

No entanto, mesmo entre os líderes ocidentais, há quem ainda tenha os pés assentes no chão e não embarque em histerias. É o caso do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que na última quarta-feira, 09 de Outubro, foi ao Parlamento Europeu para “colocar pontos nos is e traços nos tês”.

 

“Em qualquer guerra, deve haver lugar para a diplomacia”

Corajosamente, Orbán expeliu uma série de verdades inconvenientes, a começar pela referência de que “a Ucrânia está a perder a guerra”, acusando a União Europeia de fingir que tal não está a acontecer. O governante considera mesmo que a Europa entrou numa guerra irreflectidamente e com base numa previsão e estratégia equivocadas, responsabilizando, em parte, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

“Em qualquer guerra, deve haver um lugar para a diplomacia, deve haver canais de comunicação. Devemos estabelecer comunicação directa e indirecta. Caso contrário, iremos nos aprofundar cada vez mais na guerra e a situação ficará ainda pior”, afirmou.

Mais do que isso, Viktor Orbán, conhecido por colocar os interesses húngaros acima do resto, considera essencial que a Europa abandone a política de subserviência aos EUA. “Os EUA forçaram a Europa a lutar contra a Rússia. A nova estratégia da Europa não deve começar com negociações com a Rússia, mas com a luta por sua independência dos EUA”, rematou, arrancando aplausos de alguns eurodeputados e o habitual desdém da maioria dos presentes no Parlamento Europeu, com Ursula von der Leyen à cabeça.

Defensora ferrenha das sanções à Rússia e do contínuo armamento da Ucrânia, a alemã rebateu Orbán. “Ainda há quem culpe esta guerra não pelo invasor, mas pelo invadido. Não é o desejo de poder de Putin, mas a sede de liberdade da Ucrânia”, argumentou, antes de lançar uma questão directa ao líder da Hungria, que exerce a presidência rotativa da UE.

“Alguma vez culpariam os húngaros pela invasão soviética de 1956? Ou os checos e os eslovacos pela repressão soviética de 1968?”, perguntou, antes de ouvir Viktor Orbán classificar a comparação como um “erro”.

A aversão de Von der Leyen ao diálogo pela paz é antiga e ficou demonstrada em Julho deste ano, quando condenou a ida de Orbán a Moscovo (depois de ter estado em Kiev), numa tentativa de construção de pontes de aproximação entre as partes em conflito.

“A Rússia está a contar que a Europa e o Ocidente se tornem brandos e alguns na Europa estão a alinhar. Há duas semanas, um primeiro-ministro da União Europeia deslocou-se a Moscovo. Esta chamada missão de paz não passou de uma missão de apaziguamento, tratou-se de uma missão de apaziguamento, pura e simplesmente”, repudiou.

 

No Ocidente, negociações soam a insulto

Quase todas as iniciativas de promoção de diálogo entre os beligerantes são exteriores ao Ocidente. Brasil e China, através dos respectivos presidentes, Lula da Silva e Xi Jinping, estão entre os países mais comprometidos com a busca de uma solução negociada. Em resposta, são ridicularizados pelos principais actores ocidentais.

O próprio presidente ucraniano descreveu a proposta de paz sino-brasileira como “não concreta”, mas “apenas uma certa generalização de procedimentos” que “esconde alguma coisa”.

Brasil e China haviam proposto uma conferência internacional de paz, reconhecida pelos dois países em conflito, com a participação igual de todas as partes e uma discussão justa de todos os planos de paz.

Ao invés de “plano de paz”, Zelensky aposta no que designa de “plano de vitória” com o objectivo de criar as condições necessárias para um “fim justo da guerra”. Na essência, o plano do líder ucraniano consiste em mobilizar apoio militar e financeiro junto aos seus aliados da NATO.

Uma das grandes obsessões da Ucrânia são os mísseis de longo alcance, cujo uso os parceiros ocidentais estão receosos em autorizar, sobretudo depois de Vladimir Putin ter deixado claro que o emprego desses artefactos significaria que os países da NATO “estão em guerra com a Rússia”.

 

Bucha: a primeira sabotagem à paz 

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia poderia ter sido encerrada logo nas primeiras semanas. É que, quatro dias depois da entrada das tropas russas em território ucraniano, as duas partes sentaram-se à mesa das negociações na Bielorrússia, com várias fontes a darem indicação de que a Ucrânia estava disposta a fazer concessões.

Contudo, diversas fontes alternativas revelam que o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, terá convencido Zelensky a prosseguir com a guerra, garantindo-lhe apoio para triunfar em campo de batalha. Terá sido nesse contexto que surgiu o episódio de Bucha, um suposto massacre imputado às forças russas.

Analistas independentes acreditam que o referido massacre não passou, na verdade, de um “teatro” montado para forçar a interrupção das negociações e, assim, assegurar que os dois países continuem a confrontar-se. De resto, a guerra em referência é vista como uma estratégia ocidental para enfraquecer a Rússia. No entanto, também responde a objectivos económicos dos EUA, na medida em que garantem lucros para a sua indústria de produção de armamento, ao mesmo tempo que facturam com a venda de gás à União Europeia, depois de esta ter abdicado, em jeito de “sanção”, de adquirir o gás russo, que, por sinal, é infinitamente mais barato.

  • Texto extraído da edição 583 do Dossiers & Factos

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