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Muzilele: Pintar rostos para valorizar pessoas

 

Gilberto Muzilene é seu nome oficial, mas é mais conhecido simplesmente como Muzilene. É um homem de paixões e que encontra nas cores, telas e pincéis veículos para exteriorizar sentimentos. Desabrochou nas ruas da Polana Caniço A, onde cresceu e deu os primeiros passos como artista, durante a década de 80, a brincar nas areias escuras, por vezes lamacentas, e também em poças de água que enfeitam as vias do quarteirão 52, bem como outros pontos do seu bairro sempre que chove.

Texto: Dossiers & Factos

Mais tarde, já no ensino primário, chamou a atenção de um professor – pela sua boa prestação na disciplina de Educação Estética e expressividade dos seus desenhos e pinturas – que o aconselhou a seguir o trilho da Escola de Artes Visuais. Os primeiros quadros de Muzilene foram pintados à tinta de parede, na impossibilidade de ter o acrílico, por falta de dinheiro. ‘‘Acredite, aquilo dava um brilho que tirava toda a qualidade’’, descreve o artista e sustenta que ‘‘como eu fazia de coração, as pessoas gostavam muito’’.

A pintar quadros nos corredores do Baía Mall, em Maputo, Muzilene trabalha em meio ao movimento de pessoas que circulam no interior do Centro Comercial. Pelos trabalhos que lá tem feito, é possível perceber um Muzilene retratista, pois faz essencialmente rostos. Entretanto, destaca que não só de rostos que se faz Muzilene, pois também se aventura noutros esboços. ‘‘Tenho muitas técnicas, só para frisar. Além do rosto, faço paisagens urbanas, cenas do quotidiano, onde podes ver o dia-a-dia das pessoas e do guetto onde eu vivo’’, esclarece, sem desviar o olhar da obra que ia sendo elaborada.  

O que acontece, explica, é que o Baía Mall é um bom espaço para se ter mais visibilidade, sobretudo para quem faz arte. ‘‘Estando aqui, vi a necessidade de me especializar em retratos, para trazer os rostos como uma forma de valorizar as pessoas’’, conta.

Muzilene começou a pintar ainda miúdo. É tomado por uma enorme nostalgia ao recordar dos seus primeiros trabalhos, porque acredita que a ingenuidade e espontaneidade com que pintava faziam de si um artista completo.

‘‘Eu fazia coisas incríveis, PAH!’’, vangloria-se, enquanto esboça um sorriso aos soluços, ao mesmo tempo em que interrompe as pinceladas para rebobinar a memória com maior precisão. ‘‘Admiro que, agora, parece-me que estou um pouco relaxado, mas quando era miúdo, fazia coisas terríveis que até agora gostaria de voltar a ter aquela memória de miúdo, para pintar aquelas cenas actualmente’’.

Hoje em dia, Muzilene ainda se considera um miúdo, por acreditar que tenha mais por aprender do que a ensinar. Entretanto, admite que as capacidades e motivações que outrora tivera para produzir os seus trabalhos se foram com o tempo, pois ‘‘agora já estamos num tempo digital, em que temos feito coisas que muitas vezes não são por inspiração natural”.

 A arte não deve ser escondida

No Baía Mall, as obras de Muzilene atraem olhares curiosos de pessoas que despendem alguns minutos do seu tempo para assistir ao processo de concepção, sendo que algumas pagam pelos retratos.

É neste tipo de ambientes que Muzilene gosta de produzir. Um dos saltos mais altos no seu percurso foi a saída do ateliê para as ruas, onde ele nasceu.

‘‘Percebi que estava muito fechado quando pintava em casa e no bairro. Eu precisava de pintar para as pessoas verem e apreciarem o meu trabalho’’, elucida Muzilene, frisando que arte “não é algo a se esconder”.

Ser visto ao vivo durante o fabrico de suas obras é um hábito que Muzilene já vai alimentando há algum tempo, pois constata que o contacto directo com o público, a este nível, rende-lhe um grande impacto positivo. Admite que não é tarefa fácil produzir diante da atenção do público, mas lança este estímulo a outros fazedores. ‘‘Acho que é bom e gostaria de levar essa forma de fazer também para zonas onde vivem pessoas com menos posses, para verem as coisas a acontecer’’    

O impulso de Naguib

Apesar de enormes desafios e dificuldades, que vão desde a aquisição dos materiais até à venda das obras, Muzilene extrapola os limites dos espaços fechados e sai para algumas das principais avenidas e paragens da Cidade de Maputo, em 1999, para vender os seus trabalhos. Num dia qualquer, a cumprir as suas jornadas diárias, um homem chegou ao seu pequeno ofício para apreciar as suas obras. Muzilene, como sempre, concentrado a pintar mais um quadro, não se deu conta à priori de quem se tratava. Até se levantou para mostrar e dar detalhes dos seus trabalhos, como quem recebe um novo apreciador, quando se deu conta de que estava diante de nada mais e nada menos que Naguib, artista plástico que é uma das suas maiores fontes de inspiração. Muzilene tratou de guardar na memória as palavras de Naguib, artista a quem considera mestre, ao ver os seus quadros.

‘‘Ele disse-me que eu pintava muito bem e que, por isso, precisava de sair das ruas e entrar nas galerias, foi quando fui conhecer o Núcleo de Arte, em 2000’’, narra.

No Núcleo D’Arte expandiu os seus horizontes, aperfeiçoou as técnicas e continuou a produzir. Conheceu artistas com quem criou amizades e passava tardes a fio, em conversas e oficinas de pintura em seus ateliês, como Ídasse Tembe, Victor Sousa (professor de arte), Samuel Djive (a residir no mesmo bairro – Polana Caniço A), sem contar, claro, com a influência dos trabalhos do grande mestre Malangatana.

Membro efectivo do “Núcleo D’Arte” desde 2006, também teve os primeiros contactos com críticos de arte e fez as suas primeiras exposições, afirmando-se como artista. A sua primeira aparição foi em 2012, numa colaboração com João Timane, intitulada “Despertando Olhares”, que esteve alojada na Mediateca do BCI, na baixa da cidade de Maputo.

Daí, não mais arredou. Três anos depois, nasceu a sua primeira individual. “Hlhavutelo” – termo bantu que, em português, significa revelação – é o trabalho com que Muzilene colocou os pés firmes no chão e decidiu caminhar com mais vigor. Na mostra, que também esteve aberta na Mediateca do BCI, o artista revela cenários do quotidiano, reflectindo sobre as lutas diárias pela sobrevivência das gentes do subúrbio, num mundo que considera “egocêntrico.”

Pegou o gosto e a prática por individuais e, em 2017, inaugura mais uma exposição. “Massungulo” – princípio, início ou génese – é igualmente um nome de origem Bantu. Em 2019, volta a expor. Desta feita, pela chancela da Escola Portuguesa, que o desafiou a criar um conceito em torno da preservação do meio ambiente. “Nós e o futuro sustentável” foi o nome escolhido para a mostra com que Muzilene pretendia lançar o apelo para a adopção de boas práticas ambientais.

Tem ainda algumas participações, como “Um Brinde à Amizade” e, mais recente, “Os Heróis do Covid”, no Baía Mall, em 2019, que lhe possibilitou o espaço onde hoje faz os seus trabalhos.

 

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