Texto: Kátia Patricília Agostinho, Economista*
Ter uma população maioritariamente jovem é característica comum de países subdesenvolvidos, reflectindo taxas de natalidade muito elevadas, um nível de esperança de vida baixo e taxa de mortalidade comparativamente lenta. Se a maioria da população é jovem, significa que há mais pessoas improdutivas e mais crianças e jovens a dependerem de poucos adultos para suprir as suas necessidades.
Este factor demográfico influencia no processo de desenvolvimento económico dos países. Ter uma população jovem tem implicações tanto positivas como negativas. Por um lado, traz efeitos negativos no sentido de que a estrutura demográfica de um país com mais jovens exerce uma pressão forte ao mercado de trabalho, em que a procura por emprego aumenta e a oferta não é suficiente para absorver essa procura; também afecta a base tributária, comprometendo as receitas que o sector público pode gerar e criando uma situação de déficit orçamental e limitação de recursos. Isso significa que os serviços vitais como educação, saúde e transporte serão afectados negativamente. Do lado positivo, existirá no futuro uma maior disponibilidade de força de trabalho, prevendo o aumento da base tributária.
Em Moçambique, o Censo Populacional de 2017 apurou que 57% da população moçambicana está abaixo de 19 anos e 27% está entre 20 a 39 anos, portanto, 87% da população corresponde a crianças e jovens. Segundo o Inquérito Financeiro ao Consumidor, de 2019 (Finscope), 1 em cada 5 jovens depende do auto-emprego, revelando que a resposta à falta de emprego tem sido o empreendedorismo sobrevivencial, operando na informalidade, porque, ao mesmo tempo, a formalização das pequenas empresas é constrangida por elevadas taxas, processos morosos e impostos desincentivadores, resultando na prevalência da informalidade. Pelos fracos níveis de produtividade na economia, há um subaproveitamento de um dos factores de produção mais importantes: a força de trabalho. Moçambique podia aproveitar desta mais-valia, considerando que é rico em recursos naturais.
Notam-se maiores investimentos nos sectores de entretenimento e bebidas alcoólicas, em detrimento de uma aposta num sistema educacional orientado para ensinar o “saber fazer” e com formação de qualidade. Encontrar uma livraria ou biblioteca é mais complicado do que um bottle store. A utilização da internet está mais associada ao entretenimento e redes sociais do que à busca de cursos para a apreensão de novas habilidades. Em alguns países que podem servir como exemplo, os jovens é que lideram na inovação e criação de novos negócios em um nível considerável.
Também temos um ambiente legal contra-produtivo e contraditório. Qual é o objectivo que pretendemos alcançar reconhecendo casamentos de adolescentes de 12 anos (o Censo populacional de 2017 considera solteiros todos que, a partir dos 12 anos, não estão casados pela igreja ou pelo civil) e, ao mesmo tempo, consideramos a idade mínima de 15 anos para trabalhar e 18 anos para abrir uma conta bancária. Isto espelha falta de objectivos de pro-desenvolvimento ou total descoordenação no processo de desenho de políticas e leis. Limitamos a possibilidade de aceder aos recursos necessários para empreender e produzir, mas facilitamos o casamento prematuro e a informalidade na economia. No caso de um jovem de 15 anos estar empregado ou ter uma actividade de geração de rendimento, os seus rendimentos não serão captados pelo sistema financeiro formal, porque o mesmo não tem figura legal para abrir uma conta bancária, uma vez que a lei estabelece 18 anos como idade mínima para tal. Resultado: hoje em dia reclamamos que adolescentes de 15 anos são os mais afectados pelo HIV/SIDA no país.
Se quisermos ser intencionais em relação ao desenvolvimento do país, precisamos, com urgência, de tomar medidas que persigam esse objectivo, essencialmente:
Reformar o sistema de educação. Até hoje, o nosso foco tem sido ensinar as pessoas a ler, escrever e conhecer algumas matérias antes de ingressarem na faculdade. Temos, de forma tímida, o ensino técnico/politécnico, que acredito ter maior contribuição na capacitação de jovens com habilidades específicas, potenciando-os para obtenção de uma profissão ou especialização. À semelhança de países como a China, deve ser implementado muito cedo, nas crianças e adolescentes, o empreendedorismo e a educação financeira. Também podemos aproveitar o alto fluxo de Investimento Directo Estrangeiro no país e implementar políticas que incentivem multinacionais a investir em treinamento da força de trabalho e comunidade local.
Reformar o ambiente de negócios. Remover os constrangimentos que repelem os empreendedores e PMEs da formalização – forçando-os a optarem pela formalidade – permitindo o acesso às oportunidades para todos. Estabelecer medidas que empoderem os jovens de forma a terem acesso aos recursos produtivos como capital e terra, assim como melhorar a qualidade dos serviços públicos que têm um impacto nas operações do sector privado.
Reforma nas políticas sociais e de saúde. Não tem como não relacionar os altos níveis de infecção pelo HIV/SIDA em adolescentes de 15 anos com uma postura ou políticas que promovem casamentos prematuros e altas taxas de natalidade. Devemos fazer exactamente o contrário: aumentar a possibilidade de os jovens frequentarem e se manterem na escola, implementar programas de empoderamento e auto-estima para reduzir cada vez mais as gravidezes indesejadas e a taxa de desistência escolar. Nas zonas rurais, onde os problemas são mais graves, como a falta de escolas condignas, distâncias longas e fome, é difícil se concentrar nos estudos nessa condição.
Não há falta de inspiração. Ruanda, por exemplo, tem um povo jovem. Do total de 11,8 milhões, cerca de 5,4 milhões de pessoas são jovens, mas nos últimos 20 anos Ruanda alcançou um progresso significativo no desenvolvimento. Como conseguiram?
*Kátia Patricília Agostinho assina a coluna “Economicamente Falando”, do semanário Dossier Económico